Um lago que desapareceu em Limassol, no Chipre, por causa das alterações climáticas | EPA/LUSA
Uma das novidades da COP26 foi a Declaração das Florestas e Uso dos Solos. Tudo indica que é altura de tirar o tapete a quem destrói a Natureza. Mas é preciso que estes fundos ambientais tenham um mecanismo de fiscalização, ou acabarão por ir parar às mãos erradas.
A cada minuto que passa, é destruída uma área florestal equivalente a sete campos de futebol. Em grande parte, esta razia ocorre no Brasil, país governado por Jair Bolsonaro, que protege a ganância dos madeireiros e detentores de explorações de pecuária (atividades que contribuem com grande parte das emissões de gases com efeito de estufa).
Para o presidente brasileiro, parar de desmatar significa que tem de ser pago. Tudo é um negócio. Por isso, ao assinar uma declaração de proteção das florestas, estará em princípio à espera de uma compensação. É difícil acreditar que terá sido por pressão dos seus pares, ou por boa vontade. Está previsto um financiamento público e privado de 19,2 mil milhões de dólares para esta iniciativa global. Será suficiente? E vai para onde?
A Declaração das Florestas e Uso dos Solos foi assinada no segundo dia da COP26 por mais de cem países que concentram 85% das florestas mundiais, entre elas a Amazónia, a floresta tropical do Congo e a floresta boreal do Canadá. Entre os signatários, está também a Rússia, os EUA, a China e a Austrália, países que têm visto a sua área florestal ser devastada, por razões diversas, todas elas antropogénicas, ou melhor, crime ambiental ou negligência. Todos os países têm a responsabilidade de proteger as suas reservas naturais, mas uns têm mais mais do que outros. Principalmente no caso dos territórios que reúnem condições de biodiversidade únicas.
O documento inclui o compromisso com os povos indígenas que habitam grande parte das florestas que têm sido destruídas. Inclui também, e isso está explícito no nome da declaração, que estes países têm de garantir a qualidade do solo. Esta é, sem dúvida, uma novidade na abordagem ao tema da desflorestação, já debatida em 2014 sem grandes sucessos.
Desta vez, além de levantar a questão da agricultura e da pecuária intensivas como uma das causas da destruição da Natureza, exige a manutenção do solo, como parte essencial do sistema climático. Faz parte de uma lógica simples: num deserto não chove, numa floresta chove. As explorações intensivas criam desertos.
Entre as iniciativas privadas, o milionário Jeff Bezos criou o Bezos Earth Fund, onde se comprometem a investir 1,3 mil milhões de euros até 2025 para a preservação da bacia do Congo, onde se encontra a maior floresta tropical do mundo. Se pensarmos na quantidade de emissões causadas pelos negócios da Amazon e na exploração aos trabalhadores da empresa (tanta que chegam a usar fraldas por não terem tempo para ir à casa-de-banho) vemos como estas medidas de greenwashing podem ser avassaladoras e criar descrédito nas comunidades dos diferentes países visados.
O Brasil e a Colômbia são os dois países do mundo com mais biodiversidade. Não só partilham a região da Amazónia como são nações de grande dimensão, com vastas florestas e uma enorme diversidade de ecossistemas terrestres e marinhos. A sua responsabilidade é, por isso, acrescida.
O Setenta e Quatro falou com Carlos Correa, o ministro do Ambiente da Colômbia, sobre o significado da Declaração das Florestas e que impacto terá numa maior proteção das áreas ecológicas daquele país. “Em 2019 o presidente assinou um compromisso de proteger 30% das áreas marinhas e terrestres até ao ano 2030. Vamos adiantar essa meta para 2022. Vamos ampliar as áreas marinhas em mais 16 milhões de hectares”, explica. O governante revelou que 70% dessa área será no Pacífico, onde ainda persiste uma região muito pristina do país, com vastas florestas junto ao mar, que terão uma área protegida aumentada em 30%.
É precisamente no norte dessa região, no Golfo de Tribugá, que as multinacionais fazem há anos pressão para se construir um porto de cargueiros. Perguntámos como está a decorrer esse projecto, e o ministro afirmou que esse pedido foi chumbado há um ano, “porque não cumpria com os requisitos. E neste momento não existe mais nenhuma solicitação por parte de alguma companhia para construir um porto”.
Em relação à presença dos indígenas nas decisões sobre o território e preservação da natureza, o ministro Carlos Correa garante que para o governo colombiano estas comunidades “têm um papel muito importante, e pela primeira vez a Colômbia faz parte de uma componente das negociações da COP: a plataforma indígena [a Plataforma de Comunidades Locais e de Povos Indígenas foi criada no Acordo de Paris], através de um programa da Noruega, Reino Unido e Alemanha”. Com este apoio querem levar financiamentos às populações indígenas para desenvolverem projectos próprios e “manterem um trabalho de conservação do património natural”.
Este é, no entanto, um trilho que parece lento para a importância que tem. Os povos indígenas ajudam a salvaguardar 80% da biodiversidade restante no planeta e representam apenas 6.2% da população global. Para os ouvir, é necessário, antes de mais, que permaneçam vivos. Tanto na Colômbia como no Brasil, todos os anos são assassinados ativistas ambientais - 2020 foi o pior ano de sempre com 227 ativistas mortos, segundo um relatório da ONG Global Witness. Ser guardião das florestas e defender os ecossistemas nestes países é um modo de vida arriscado.
Para a advogada ambientalista colombiana Viviana Gonzalez, é importante que o governo crie metas, mas entende que são “um pouco irrealistas de cumprir neste espaço de tempo sem as mudanças estruturais que são necessárias”. Para esta activista, que assistiu à COP26 como observadora, o mais positivo são “os compromissos internacionais, porque criam ferramentas”.
Sobre a Colômbia, refere que toda a gente conhece e fala sobre a Amazónia, mas na região do Pacífico “encontra-se um dos pontos com mais biodiversidade do planeta que inclui muitas atividades ilícitas que são uma ameaça às florestas”, assim como a extração de matérias-primas. Além disso, para esta advogada, a região ainda não está livre da construção de um porto.
Noutra ponta da cidade, na sala principal de Adelaide Place, um dos anfiteatros recebeu uma sessão sobre a iniciativa Global Green New Deal do People’s Summit. Entre os participantes, estava a deputada federal brasileira Joenia Wapichana, conhecida por ser a primeira mulher indígena a exercer este cargo no Brasil. O Setenta e Quatro falou com a advogada militante, juntamente com o deputado Alessandro Molon, também presente na sala.
Para Joenia Wapichana, é essencial “incluir os indígenas em todos os problemas, nos diálogos e na política”. Diz que a declaração “é bem vinda, porque o governo brasileiro comprometeu-se perante o mundo todo”. A deputada já estava em Glasgow quando soube da notícia e afirma que “o primeiro impacto foi de surpresa, porque o caminho tem sido contrário”.
Por outro lado, sentiu imediatamente que esta questão tem “de ser tratada a nível local, porque é uma declaração que não traz uma novidade”. A deputada federal acompanha as COP há já algum tempo, e sabe que já houve compromissos desses em 2014. “Está faltando um mecanismo de como vai ser monitorizado esse fundo”, diz, “porque fica muito fácil dizer ‘vamos investir, mas cada um tome conta do seu país’, mas é preciso que haja uma fiscalização”. “Foi importante falar dos povos indígenas na declaração”, refere ainda. Porque isto significa que vão também ser eles a receber esses recursos climáticos, “para que não vá para outras áreas que estão a contribuir para o desmatamento e a degradação ambiental”.
“Este é um tema que muito nos tem preocupado”, acrescenta Alessandro Molon ao Setenta e Quatro. “Porque é uma área onde tem havido os maiores retrocessos do governo brasileiro, graças ao Presidente da República atual, que nos envergonha perante o mundo.”
Quando falamos de proteção da natureza, de grandes captores de dióxido de carbono e fornecedores de oxigénio, o primeiro pensamento vai para para as florestas da Amazónia, e é natural que assim seja. Esses sistemas terrestres são, sem dúvida, essenciais para a vida no planeta. No entanto, esquecemo-nos muitas vezes que eles estão ligados a outros ecossistemas igualmente importantes, os oceanos.
Apesar de fazer parte dos planos de aumento de reservas naturais, a verdade é que ainda não se deu o passo essencial para tornar a fiscalização e monitorização dessas áreas uma realidade. Os oceanos e ambientes marinhos são facilmente relegados para segundo plano.
Lewis Pugh, ex-nadador profissional e embaixador das Nações Unidas para os oceanos, começou a sua conversa num dos espaços da COP26 com a jovem activista Bella Lack, da Born Free Foundation, a falar da rapidez da degradação dos oceanos. “Quando é o choque vai ser suficiente?”, perguntava Bella, e a resposta de Lewis é que “os glaciares estão a avançar mais depressa que os nossos líderes políticos”.
Para este “advogado marítimo”, como gosta de se assumir, aumentar as áreas marinhas protegidas para 30% é uma questão de justiça. Justiça entre espécies, justiça entre gerações e justiça internacional, porque os animais não conhecem fronteiras.
Este será talvez um dos aspectos em que Portugal mais tem de olhar quando estão em cima da mesa decisões tão cruciais. A implementação de medidas de proteção da natureza tem focos diferentes em cada país e em cada região do mundo. No nosso caso, ao termos um país praticamente dividido por dois climas, mediterrânico no sul e atlântico no norte, uma das grandes responsabilidades provém da posição geográfica. Estamos virados para o mar, expostos a um oceano, e temos a obrigação de cuidar de uma longa zona costeira.
São os ambientes marinhos que mais produzem oxigénio e que em simultâneo absorvem dióxido de carbono, mas nem todos têm a mesma eficácia. Os que se encontram junto à costa são os campeões do sequestro, e quanto mais escuro for o seu aspecto, como por exemplo as lamas das rias, dos estuários ou dos sapais, mais eficientes são nesse papel de captores e guardadores de CO2.
Depois de uma cimeira em que o tema da natureza ganhou novo destaque, debatido dentro e fora de portas, deixa de haver desculpa para não se aumentar as áreas de reserva natural e a sua consequente fiscalização, sem excepções, como são o caso de cultivos agrícolas que acabam por acontecer nas reservas naturais.
É também altura de olhar para todos os ambientes marinhos e aquáticos do território nacional e perceber qual a melhor forma de os preservar, de os regenerar. Se as águas vão subir e entrar pelos estuários adentro, talvez seja altura de se pensar como se pode tirar proveito disso, e alargar a possibilidade de mais zonas com ecossistemas aquáticos, úteis na mitigação das alterações climáticas. Seja de água doce ou água salgada, temos muito para onde olhar.
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