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Promessas para mudar cartaz

Um Conto de Duas Cimeiras: Entre a COP e os protestos há reformas e revolução

Reportagem
12 Novembro 2021
Joana Ramiro

Placard em que se lê "Promete Mudar" na marcha pelo clima em Glasgow | Jeremy Sutton-Hibbert

Joana Ramiro
Joana Ramiro

À margem da cimeira das Nações Unidas sobre as alterações climáticas, a COP26, deu-se outra convenção, organizada por ativistas e membros das comunidades mais afetadas pelas alterações climáticas. Se bem que paralelas, as duas cimeiras tinham um tema em comum, o impasse entre a reforma e a abolição do sistema. 

No comboio que atravessa Glasgow vai um grupo de mulheres jovens bem agasalhadas em longos casacos impermeáveis. De volta e meia tiram o olhar dos respetivos telemóveis e conversam entre si. Passariam despercebidas na multidão de sábado não fora trazerem consigo tambores e uns chapéus em casca de cedro entrelaçada, tradicionais das tribos indígenas do Pacífico norte-americano.

O grupo sai com a maioria dos passageiros e junta-se às dezenas de pessoas que afluem ao ponto de encontro do que será o grande dia de ação pela justiça climática. Em Kelvingrove Park, um jardim na zona ocidental da cidade escocesa, abrem os casacos e revelam o slogan da campanha que representam: "O colonialismo causou a crise climática".

A comparência de várias associações indígenas em Glasgow expõe a principal tensão que se sente na cimeira das Nações Unidas sobre as alterações climáticas deste ano. Se por um lado têm marcado presença nos corredores da COP26, foi nas ruas que verdadeiramente demonstraram o seu descontentamento com o processo oficial. Esta tensão palpável nasce de uma contradição centenária e aparentemente insolucionável, o velho dilema: reforma ou revolução.

Os ativistas climáticos consideram que o sistema económico em que vivemos, que requer um constante crescimento na produção para se ter margem de lucro, não é reformável. O capitalismo é a doença, dizem.

A COP26 tem sido uma cimeira na qual a retórica dos líderes mundiais, desde o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, ao antigo presidente norte-americano Barack Obama, se tem assemelhado a um discurso revolucionário. A terminologia usada por chefes de Estado e diplomatas foi muitas vezes cooptada dos discursos de ativistas, principalmente da jovem sueca Greta Thunberg e das suas intervenções mais radicais.

Se num discurso dado a 28 de setembro deste ano Thunberg criticava Johnson e os seus confrades usando a hoje famosa expressão "blá blá blá", já a 1 de novembro o próprio Boris citava Greta, dizendo que se esta cimeira não fosse o momento da viragem, então sim as promessas políticas nada mais seriam que... "blá blá blá".

Mas as COPs são invariável – e ontologicamente – um exercício reformista no qual governos e instituições tentam, na melhor das hipóteses, encontrar forma de melhorar o sistema em que se encontram. A palavra chave é "negociação". Cada nação tem os seus interesses e negoceia com as outras sobre como alcançar a salvação do planeta sem prejudicar demasiado a sua própria economia. Os conflitos diplomáticos não são poucos e os objetivos iniciais de cada COP, sempre tão promissores, acabam quase sempre diluídos por compromissos e ajustes.

Paralelamente, aparecem nos salões da COP propostas alternativas às soluções imediatas dos problemas assinalados. Se se aspira à redução de emissões carbónicas, há quem sugira atalhos – desde compensações, ou offsets, a projetos de captação de CO2. A COP é uma medicina que trata sintomas sem diagnosticar a doença, ou que a vê como algo crónico e incurável, mas com o qual se pode viver. 

Na Cimeira dos Povos (People's Summit) e nos protestos de sábado passado, a conclusão foi que o sistema económico em que vivemos, um sistema que requer um constante crescimento na produção com o fim de extrair uma margem de lucro, não é reformável. Ou seja, que as alterações climáticas e a destruição do planeta são inevitáveis dentro do capitalismo. O capitalismo é a doença, dizem.

Banner COP26

"Vivemos num mundo cada vez mais conectado, em que se vive rápido, em que o lema 'o tempo é dinheiro' foi completamente implementado no cérebro de cada um de nós", diz Daniela Subtil da Stay Grounded, uma rede de campanhas pela redução do tráfego aéreo. "Olhamos para a necessidade de diminuir a aviação como uma forma de mudança sistémica."

Natural da zona de Alcobaça, Daniela Subtil vive agora na Alemanha de onde ajuda a coordenar organizações no sul global. Durante a semana participou em várias sessões da Cimeira dos Povos, que se realizou à margem da COP26 entre os dias 7 e 10 de novembro. Foi uma dos milhares de ativistas, investigadores, políticos e líderes indígenas reunidos pelo evento e que tentaram explorar a luta contra as alterações climáticas para além das negociações e compromissos oficiais.

Para a ativista portuguesa e as comunidades que representa, a questão da aviação é um excelente exemplo de como a viragem tem que ser feita agora, de uma forma holística e radical. Começando pela expectativa económica, psicologia laboral e hábitos de consumo. "Existem adaptações que têm que ser feitas a nível económico – como as pessoas se movem, o tempo que elas demoram a mover-se", explica quando a convido para uma conversa breve. "A maior parte dos voos são desnecessários, luxuosos e poderiam ser substituídos por um trajeto feito em comboios, especialmente quando estamos a falar da Europa."

"Estamos a falar de uma espécie de colonialismo verde, em que as comunidades que sempre viveram em equilíbrio, que estão a proteger as suas florestas, são muitas vezes retiradas para que essas florestas sejam deixadas completamente num estado pristino", disse Daniela Subtil. 

Aponta para o tráfego aéreo enquanto resultado do turismo de massas, enquanto um grave problema, tendo em conta que o sector da aviação tem vindo a duplicar a cada 15 anos. "Acho que Portugal consegue perceber muito bem isso", acrescenta Daniela Subtil. "O que é que tem sido a transformação económica do país na orientação de fazer crescer o turismo, o turismo de massas, e com isso também o crescimento de voos que têm tornado, por exemplo, o Aeroporto de Lisboa num lugar completamente insustentável."

Quando lhe pergunto pelas alternativas ecológicas, como as aeronaves elétricas ou alimentadas a biocombustíveis, a resposta é peremptoriamente negativa. "Esse desenvolvimento de tecnologia ou os ganhos em termos de eficiência energética que se podem ter com mais tecnologia, são sempre ultrapassados pelo crescimento exponencial (do seu uso), é o chamado paradoxo de Jevon." Ou seja, não só estão muitos destes desenvolvimentos tecnológicos ainda longe de serem viáveis, como teriam sempre o resultado oposto ao decrescimento da aeronavegação e das suas emissões.

Além disso, algumas destas alternativas têm custos ambientais acrescidos, avança a jovem portuguesa. "Estamos a falar de biocombustíveis que necessitam de terra, ou seja de terra para serem plantados e isso traz outra vez o problema da apropriação de terras no Sul global e portanto aqueles que são prejudicados são sempre as mesmas comunidades que já estão a sofrer as maiores consequências."

Voltamos então ao tema da presença de líderes indígenas na COP26 e em eventos paralelos. Na marcha de 6 de novembro, entre os estimados 200,000 manifestantes, ia também Narubia Werreria, ativista iny mahãdu (karajá) do estado brasileiro de Goiás. Quando lhe pedi que me falasse da importância das delegações indígenas nos protestos disse: "Estamos aqui para dizer para o mundo que a resposta para a crise climática não está na COP, está aqui (na marcha)". Sem demarcação dos territórios indígenas no Brasil, acrescentou Narubia, "não tem solução climática, nós estamos mantendo as florestas do mundo em pé".

O estado de Goiás fica no centro do cerrado brasileiro, também conhecido por savana amazónica. É uma área de importância extrema, não só pela sua biodiversidade, mas também por ser aí que se encontram as mais importantes bacias hidrográficas brasileiras, incluindo a amazónica. Os povos indígenas do cerrado, tal como os seus homólogos na floresta, exigem a demarcação e a proteção dos seus territórios contra o desmatamento e desbaste, e contra a exploração agrónoma e mineira em massa. Em contrapartida, como disse Narubia, mantêm a floresta de pé, regendo as suas vidas por um sistema de coabitação e preservação da natureza.

"Estamos aqui para dizer para o Mundo que as respostas para a crise climática não estão na #COP26, estão aqui. Enquanto não tivermos os nossos territórios demarcados, não tem solução climática.

Estamos a manter as florestas do mundo de pé".

- @werreria, ativista indígena pic.twitter.com/OnBvKi7dLv

— Setenta e Quatro (@SetentaQuatro) November 6, 2021

Para ativistas do outro lado do Atlântico, como Daniela Subtil, a grande luta a travar é portanto ideológica. As negociações na COP26, as propostas feitas para combater o apocalipse climático, pouco ou nada tomam em conta perspectivas e filosofias que não as brancas e ocidentais.

"Estão completamente assentes numa lógica de mercantilização da natureza, de um ponto de vista moral, de colocar um preço na natureza," adianta a jovem portuguesa. "Mas muito mais do que isso estamos hoje a falar de uma espécie de colonialismo verde, em que as comunidades que sempre viveram em equilíbrio, que estão a proteger as suas florestas, são muitas vezes retiradas de certas áreas para que essas florestas sejam deixadas completamente num estado pristino", salienta. E aponta o dedo ao "conceito patriarcal europeu em que a floresta e a natureza são uma coisa intocável, sem humanos".

Global Green New Deal - Fazer ou não fazer parte do sistema

Quando a congressista norte-americana Alexandria Ocasio-Cortez chegou à Escócia, foi dentro do pavilhão da COP26 que fez os seus comentários iniciais. Mas, como lhe é usual, não deixou de criticar a retórica da administração de Joe Biden, que tem tirado proveito do negacionismo do seu precedente Donald Trump, usando como slogan na cimeira climática: "A América está de volta".

"Temos que de facto entrar em ação se queremos ser respeitados por isso internacionalmente", disse Ocasio-Cortez à imprensa. "Temos que reduzir as emissões se queremos que nos deem crédito por estarmos empenhados na (questão da) alteração climática. É tão simples quanto isso." Terminou dizendo aos jovens que se manifestavam do outra lado do complexo da COP, "fiquem nas ruas, continuem a pressionar".

Para as ativistas, o processo parlamentar é muito lento ou, em último caso, simplesmente enganador. A urgência climática afeta já as vidas de milhares de ugandeses.

A democrata é a cara mais conhecida do programa Green New Deal (Novo Acordo Verde), que se inspirou do New Deal implementado pelo presidente Franklin D. Roosevelt. Se as políticas de Roosevelt vieram aliviar a crise económica a social após o crash de Wall Street de 1929, o projeto liderado por AOC, como também é conhecida, pretende aliviar as crises que se aproximam em consequência das alterações climáticas. É todo um programa de transição industrial e económica que tem em conta a necessidade de ajudar as comunidades mais vulneráveis e investir no estado social. E se a resolução de AOC não avançou para o Senado dos EUA, a ideia tem vindo a ganhar uma enorme popularidade na Europa.

Se na COP26 se discutiam as melhores maneiras de apoiar os países já afetados pelo aquecimento global, fora da COP o debate sobre o Green New Deal assemelhava-se no seu internacionalismo. No auditório de uma igreja baptista no centro de Glasgow, discutiram no mesmo painel uma eclética seleção de representantes politicas e ativistas.

Do lado legislativo estavam a deputada verde britânica Caroline Lucas, a deputada ao parlamento europeu Manon Aubry, que pertence ao partido de Jean-Luc Mélenchon France Insoumise, e a primeira deputada federal indígena, a brasileira Joenia Wapichana. Do lado das bases militantes estavam as ativistas Fatima-Zahra Ibrahim da campanha inglesa Green New Deal Rising e Patience Nabukalu da secção do Uganda do movimento fundado por Greta Thunberg, Fridays for Future. Todas concordaram com a necessidade de um Novo Acordo Verde, mas as diferenças manifestaram-se quando se debateu o modo de o alcançar.

Para as ativistas, o processo parlamentar é muito lento ou, em último caso, simplesmente enganador. A urgência climática afeta já as vidas de milhares de ugandeses, dizia Patience, que se emocionou durante a sua contribuição. "As promessas são para 2050, mas e a crise que vivemos hoje?", acrescentou. Para Manon Aubry, a participação no processo democrático é vital para o sucesso de todo e qualquer programa de transição. Dirigindo-se quase que diretamente a Patience Nabukalu, insistiu que os jovens se envolvessem na política, se tornassem parlamentares também, pois só assim o sistema se transformará.

Dois dias depois, Nabukalu fazia parte de uma série de protestos dentro da própria COP26. A menos de 24 horas do fim oficial da cimeira, falou numa conferência de imprensa ao lado da diretora da Greenpeace, Jennifer Morgan, do ministro das finanças de Tuvalu, Seve Paeniu, exigindo que os Estados Unidos contribuíssem já com a sua parte para os 100 mil milhões de dólares prometidos às nações mais vulneráveis. Não será talvez a intervenção política a que Aubry se referia, mas não deixou de ser um entrosamento entre COP e Cimeira dos Povos, uma ponte entre os que intercedem pela reforma e os que clamam pela revolução.

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