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Protesto Exctition Rebellion em Lisboa
Isabel Lindim
Isabel Lindim

“Mudar o sistema, não o clima”: como a nova geração se organiza na luta pelo Ambiente

O slogan deste título não é despropositado. As novas lutas travadas por jovens ativistas têm como mote uma mudança de sistema. Eles sabem quem são os responsáveis pelo aquecimento global e organizam-se de forma pacífica mas incisiva, sem complacência. Em Portugal, coletivos como o Climáximo e a Greve Climática Estudantil dão voz e corpo a uma luta imparável pela justiça climática e social. 

21 Setembro 2021
Isabel Lindim

Em maio de 2021, um grupo de manifestantes barricou a Rotunda do Relógio, em Lisboa, num protesto contra a poluição causada pelos aviões. Era essencialmente composto por jovens, dos quais 26 foram detidos pela PSP. A manifestação estava prevista, anunciada publicamente através de diferentes plataformas, mas a convicção com que os jovens se sentaram e deitaram no chão de mãos dadas, como que colados ao asfalto, foi algo que a polícia não previa.

Noutra ponta da Avenida Gago Coutinho, um segundo grupo bloqueava também a estrada. As palavras de ordem proferidas eram: “Mais ferrovia, menos aviões”, “Transição justa, justiça climática”, “O planeta está a arder e o governo só a ver”. 

Antes de bloquear o trânsito, durante a caminhada, com máscaras colocadas, empunhavam cartazes e uma banda de pano com a frase “A nossa casa está a arder”, expressão que temos visto a ser replicada por outros jovens em diferentes locais no mundo.

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Protesto climático na Rotunda do Relógio, em Lisboa
Protesto climático na Rotunda do Relógio, em Lisboa | LUSA/Rodrigo Antunes

O movimento que organizou a manifestação, o Climáximo, não se reduziu a este protesto - na semana anterior entregou uma lista de reivindicações ao Ministério das Infra-estruturas e Habitação. A seu ver, este documento foi ignorado, caso contrário a manifestação não teria ocorrido, segundo o comunicado exposto no site na altura. 

Entre os jovens que se sentaram no chão, unidos por tubos onde colocavam os braços, encontrava-se Simão Barata. Não foi detido, mas dirigiu-se com o resto dos manifestantes para a porta da esquadra dos Olivais, onde estavam os 26 elementos. Toda a experiência relacionada com a detenção deste grupo teve aspectos traumáticos, que na altura ampliaram a cobertura mediática, pelo seu teor de abuso de poder. 

"Houve um braço de ferro entre os manifestantes e a polícia, mas às tantas o barulho que estávamos a fazer cá fora fez com que acabassem por os libertar”, conta Simão. Só que entretanto, as raparigas que se encontravam entre os detidos foram obrigadas a tirar a roupa, algumas a roupa interior, com a justificação de uma busca por estupefacientes. Foram também proibidos de fazer telefonemas. Tudo isso foi relatado posteriormente, no debriefing da manifestação, e deixou o coletivo impressionado, principalmente os mais jovens.  

O Simão tem 16 anos e já fez parte do movimento Greve Climática Estudantil. Neste momento não pertence a nenhum coletivo, mas participa em ações e vai às manifestações “de forma individual”, como conta ao Setenta e Quatro. “A ação do aeroporto era aberta e tive um convite de uma amiga que faz parte do coletivo”, explica. E acrescenta que a tática de bloqueio “estava organizada” previamente, não se tratava de um ato espontâneo. “Em vez de se aglomerar toda a gente que vai fazer parte da ação numa só barricada, dividimos em várias. Assim, se a polícia interceptar uma, conseguimos ter sucesso noutra”, diz. 

Na zona onde se encontrava, a manifestação terminou quando foi “declarada vitória”, explica, “porque durante a ação estão sempre a haver plenários de delegados, que saem e vão falar com os outros delegados para tomarem decisões em tempo real”. Nesse dia e naquele grupo, chegaram à conclusão que o mais acertado seria declarar vitória porque tinham conseguido bloquear a Rotunda do Relógio durante uma hora. Anunciaram que este ano voltariam a fazer uma ação de desobediência civil e arrancaram para a vigília em frente à esquadra. 

Não passarão!

A ação do aeroporto não foi a primeira em que o Climáximo decidiu bloquear o trânsito. Uns meses antes, a 5 de Outubro de 2020, desafiaram as autoridades e a passividade civil ao impedirem a circulação de veículos no Marquês de Pombal. Simão Barata também esteve nessa manifestação, num acontecimento em que a data não foi escolhida por acaso. “Res Pública foi quase uma réplica do que aconteceu no 5 de Outubro, em que barricaram a rotunda do Marquês”. Desta vez, 110 anos depois, as reivindicações dos jovens eram essencialmente um apelo à neutralidade carbónica até 2030. 

Essa ação teve menos adesão e menos impacto do que a do aeroporto, mas marcava o modus operandi do tipo de desobediência civil que o Climáximo e outras organizações entendem como mais eficaz: bloquear o trânsito. 

Na preparação para este tipo de ações, os coletivos e as pessoas que se queiram juntar encontram-se em jardins ou espaços fechados e fazem uma espécie de encenação do que pode acontecer. O ambiente é “sempre muito amigável”, como explica Simão, porque estão “todos na mesma luta”. Decidem onde se colocar no local da manifestação e de que maneira se posicionam em relação às forças de autoridade. Decidem também o que não podem dizer ou gritar quando se sentem ameaçados pela polícia, para reduzir a possibilidade de problemas. Se não se exaltarem, mais dificilmente serão agredidos pela polícia.

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Protesto do Climáximo no Marquês de Pombal, em Lisboa
Ativistas climáticos param o trânsito no Marquês de Pombal, em Lisboa | Foto do Climáximo

Tomás Hipólito, um dos membros do coletivo Climáximo, conta-nos como decorrem estes encontros: “Todas as pessoas que participam na ação têm uma formação, onde são dados os detalhes do que pode acontecer em termos legais, de como se vai processar e como podem falar uns com os outros e interagir. Depois há assembleias gerais que descrevem o conceito da ação, e quais as necessidades gerais que é preciso coordenar. A seguir há os encontros de cada equipa. Cada coordenador tem uma equipa, que reúne conforme a disponibilidade e a tarefa.” 

No caso da ação do aeroporto, eram oito equipas: cinco de bloqueio, uma do banner, uma de cuidados e uma de logística. Cada equipa tem um coordenador e as equipas de bloqueio têm um delegado. Nas equipas de bloqueio os delegados reúnem-se durante a ação para decidir os passos a seguir, tudo de forma muito organizada.

A equipa de cuidados, conta Tomás, “é formada por pessoas que não estão a fazer desobediência civil, mas estão a ajudar e a ver quais as necessidades dos outros, como alguém que esteja a bloquear e precise de uma máscara, de álcool gel, de água…”. Além disso, são também os elementos dessa equipa que lidam com possíveis reações hostis de transeuntes ou da polícia.

Tomás Hipólito fez parte da equipa do banner. Está atualmente a fazer o doutoramento em engenharia de transportes, lida de perto com o tema que levou os jovens em protesto junto ao aeroporto. É a primeira vez que faz parte de um coletivo, e explica o que mais o cativou nesta forma de luta: “Acho que há uma coisa interessante que acontece nas reuniões e no funcionamento do colectivo, que é a forma como são feitas, muito diferente daquilo que é normal por exemplo numa empresa ou na faculdade. As cadeias de poder e a linha de hierarquia são muito diferentes".

É também este tipo de organização horizontal que atrai João Camargo ao movimento Climáximo. Autor do livro Manual de Combate às Alterações Climáticas (Edições Parsifal, 2018), este investigador formado em Engenharia Zootécnica e Engenharia do Ambiente colaborou já com várias plataformas relacionadas com as alterações climáticas, entre elas o ClimADAPT.local . Para este combatente já com alguns anos de experiência, a ideia de desobediência civil é um statement: “corresponde a um nível de confrontação acima do que é um protesto regular, porque a situação é muito acima daquilo que é normal. Estamos constantemente a reinventar as nossas próprias tácticas e o tipo de ações.” 

A par das ações de desobediência civil, que causam mais impacto nos meios de comunicação social, desenvolvem e organizam outro tipo de iniciativas, como a realização de pequenas performances e vídeos, a participação em ações de esclarecimento em escolas e a ida ao estrangeiro para se juntarem a momentos de luta de outras organizações com quem mantêm uma estreita ligação, como é o caso dos Extinction Rebellion e os alemães Ende Gelande, a quem o Climáximo se juntou (grupos entre 5 a 15 pessoas) em ações nas minas de carvão: em 2017 e 2018 em Ambach, em 2019 em Garzweiler. 

O movimento pela justiça climática tem-se concentrado muito em pressionar os governos a agirem sobre o clima, mas as emissões continuam a aumentar.

O Climáximo organiza também semanas de acampamentos, que podem estar ou não relacionados com uma ação direta. Um deles foi o Camping-in-Gás, na Bajouca, em 2019. No final ocuparam os terrenos onde se pretende explorar gás e plantaram uma série de árvores autóctones. Foi um acampamento com uma componente prática. Noutros anos, como em julho de 2021, quando se instalaram durante uma semana em Cabrelas, num terreno cedido pela Junta de Freguesia, o objetivo foi de formação, com palestras e conversas sobre os vários temas relacionados com a luta pela justiça climática e social. A programação é pensada entre todos com cerca de seis meses de antecedência. 

Balões de oxigénio

Aqui e em todo o mundo, o aparecimento do movimento Extinction Rebellion foi tão impactante que se tornou um exemplo de luta que usa as ruas como palco, que reclama a atenção de uma forma pacífica mas encenada, com uma componente visual muito forte, disseminada pelas redes sociais. Tornaram-se não só uma bandeira de justiça climática, mas também uma explosão de cor na defesa do planeta, dos animais e de todos os ecossistemas. 

Formados inicialmente em Inglaterra em 2018, depressa inspiraram ativistas e coletivos em todo o mundo. Os Extinction Rebellion, também intitulados XR, não saem para a rua apenas para protestar de forma não violenta. Eles encenam performances em locais estrategicamente escolhidos, usam cores e roupas extravagantes e proclamam mensagens de amor enquanto tecem duras críticas à indiferença dos governantes. 

Apesar da índole pacífica de todas as ações, foram considerados recentemente pelas autoridades britânicas como uma ameaça à segurança. Talvez por se dirigirem de forma demasiado direta ao lobis empresariais e da banca que financia a exploração de combustíveis fósseis, como naquela ação em que encheram a fachada do Banco de Inglaterra, em Londres de spray preto, a cor do petróleo. Ou quando um grupo se sentou à porta de uma grande corporação da indústria de vestuário a coser peças de roupa: “Stitch It. Don’t Ditch It” era a mensagem, a lembrar-nos que este sector é um dos mais responsáveis pela emissão de dióxido de carbono. 

Entretanto, formaram o coletivo Extinction Rebellion Families, onde juntam crianças e jovens de todas as idades a desenhar na rua ou a transportar cartazes. Nas imagens divulgadas com bastante frequência nas redes sociais, mostram como a comunidade cresceu e como é importante ouvir todas as gerações. Também eles, com muita cor e alegria, ocuparam recentemente a rua em frente ao Banco de Inglaterra. 

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Extintion Rebellion Families
Avós, pais, crianças e jovens juntam-se nas ações dos Extinction Rebellion Families. Neste caso, a bloquear uma rua | Facebook Extinction Rebellion Families

Estas ações dos XR ou dos Ende Gelande são sempre uma fonte de inspiração para outros coletivos espalhados pelo mundo. Trazem uma nova força e firmam uma rede internacional de partilha de informação e motivação. Alguns destes movimentos fazem parte do Acordo de Glasgow, fundado pelo Climáximo em 2019. 

“Até agora, o movimento pela justiça climática tem-se concentrado muito em pressionar os governos a agirem sobre o clima ou a pressionar por acordos internacionais mais fortes no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (CQNUMC), como o Protocolo de Kyoto em 1997 ou o Acordo de Paris em 2015. Entretanto, as emissões continuam a aumentar”, anunciam na primeira página do site. Tomás Hipólito acrescenta na entrevista ao Setenta e Quatro que a principal “intenção foi a de criar um novo acordo, com o apoio de instituições mundiais onde se tenta definir quais os cortes e as metas necessárias para que se evite a crise climática”. 

Para tal, uma das ferramentas principais é o inventário em que todos os parceiros participam. Com essa informação fundamentada em diversas fontes oficiais, refere Tomás, é possível “mapear as infra-estruturas e empresas responsáveis pela quantidade de emissões e quanto é que isso representa. A partir daí identificar os alvos e os responsáveis principais pelo estado do planeta”.  

Na próxima edição da COP, realizada no início de novembro em Glasgow, na Escócia, este grupo e muitos outros estarão de novo presentes, como sempre têm estado, num evento paralelo de contra-COP. Será mais um momento de juntar sinergias, desta vez na mesma cidade que deu nome ao acordo firmado entre a rede internacional de luta pela justiça climática. Em 2019, na COP-25, 200 ativistas do Climáximo juntaram-se ao movimento contra-COP em Madrid. 

Na senda da Greta, sempre!

António Assunção foi um dos jovens que foi receber Greta Thunberg em dezembro de 2019,  ano em que se despoletou a luta estudantil pelo clima, quando a jovem suecachegou de veleiro ao porto de Lisboa. Uns meses antes, em Abril, António tinha aderido à Greve Climática Estudantil, coletivo que se juntou ao movimento internacional Fridays for Future, marcado por marchas de estudantes que se mostram insatisfeitos com a inércia dos decisores políticos e da sociedade em geral pela defesa do clima. 

Da imagem de Greta Thunberg sentada sozinha à porta do parlamento sueco com um pequeno cartaz, passámos para imagens de milhares de crianças e jovens em todo o mundo a empunhar cartazes onde se exige mais ação e menos demagogia. Em Portugal, a primeira manifestação da Greve Climática teve 15 mil participantes em Lisboa, mas realizou-se em simultâneo em vários pontos do país. A segunda teve sete mil pessoas e a terceira 20 mil. Acabou com a multidão centrada em frente ao Banco de Portugal, na Almirante Reis. 

“Não temos dirigentes, somos um movimento horizontal, como a maior parte dos movimentos hoje em dia são", disse António Assunção.

“As manifestações são coordenadas com as datas internacionais que acontecem três a quatro vezes por ano”, explica António. “O ano passado não aconteceram por causa da pandemia, portanto houve uma readaptação necessária, mas por norma articulamos com o internacional, a não ser que haja alguma data que exija uma manifestação.” 

Atualmente com 18 anos e o 12º ano concluído, este jovem encontra-se num gap year dedicado em grande parte às causas ambientais, enquanto escolhe o futuro académico. Pertence a ambos os coletivos, ao Climáximo e à Greve Climática Estudantil, e explica como a forma de organização é idêntica, apesar da Greve Climática não realizar ações de desobediência civil. “Não temos dirigentes, somos um movimento horizontal, como a maior parte dos movimentos hoje em dia são, mas há pessoas que estão desde o início a organizar e há outras pessoas que vão entrando e depois saindo”, explica ao Setenta e Quatro.

Desde que surgiram, em 2019, que são contactados por muitas escolas para organizar palestras. Foi assim que acabaram por se consolidar e criar uma rede de parceiros, alguns mais institucionais do que outros, sendo que um deles António refere como muito importante nas conversas que se estabelecem com jovens nas escolas. Trata-se da EcoPsi, uma rede de psicólogos que ajuda “a abordar os alunos sem criar um caos total, mas explicar que estamos bastante mal se nada fizermos”, conta António. Ou seja, encontrar um caminho sem doutrina do choque mas com consciencialização. 

As palestras, intituladas “climaticamente falando”, são financiadas pela Fundação Rosa Luxemburg, mas tudo o resto (material para as manifestações, servidor do site e pequenos gastos) são garantidos pela própria organização. 

Para António, Greta Thunberg é e sempre será uma grande inspiração, “tal como todos os ativistas pela justiça climática.” Todos inspiram, explica o jovem, “porque as lutas são muito locais mas têm um impacto global e um modo de pensar global com a mudança sistémica.” Desta forma, o pensamento vai mais longe no tipo de luta que fazem. Na próxima manifestação de Fridays for Future, marcada para esta sexta-feira, dia 24 de Setembro, o tema principal será a interseccionalidade.

“Ambientalismo sem luta de classes é jardinagem”

Numa das reuniões semanais do Climáximo, depois de uma hora dedicada à adesão de novos elementos, a ronda começa com aqueles que se juntam com mais frequência. É terça-feira e estão a postos, formando um círculo em que inicialmente se apresentam. A seguir, a ordem de trabalhos começa com o “ponto político”, ou seja, com notícias e novidades exteriores relevantes da semana que decorreu. 

Neste dia, foram três as intervenções de uma sala com vinte pessoas. A seguir, deram início às prioridades de organização de tarefas para a próxima ação, prevista para dia 18 de Novembro, em Sines.  

Esta introdução à reunião, em que são lançados alguns temas da atualidade, é fundamental para todos os membros. Segundo António, a "justiça climática é uma luta com muitas lutas lá dentro e que toca em muitos assuntos”, como tal “é preciso ter uma noção que sem justiça social nós não temos justiça climática e sem justiça climática não temos justiça social. Aliás, as comunidades mais marginalizadas são as que mais sofrem com as alterações climáticas”. E é por isso que lembra a célebre frase do ativista brasileiro Chico Mendes, assassinado em 1988, de que ‘ambientalismo sem luta de classes é jardinagem’.

Para João Camargo, “até agora, tanto as lutas ambientais como as outras sempre se viam a si mesmas como coisas de longo prazo, que eventualmente podem ganhar, podem ter reservas, podem ter recuos, e nós estamos num momento em que cientificamente é bastante claro que essa não é a realidade”. “Tem-se criado uma cultura dentro do movimento ambientalista em particular, mas não só, de enorme complacência, a evitar ao máximo qualquer espécie de confronto”, explica. 

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Marcha pelo Clima de 2018, em Lisboa
Marcha pelo Clima de 2018, em Lisboa | Foto do coletivo Climáximo

O que está a acontecer agora é que os novos coletivos estão a “detonar a complacência do movimento ambientalista institucional.” Como tal, tem até dificuldade em “classificá-lo como novo tipo de activismo. A maior parte das ferramentas que estamos a usar têm sido historicamente usadas por vários movimentos”. Acontece que agora são ações mais disruptivas, com sentido de urgência.

“É uma coisa profundamente ocidental, esta ideia de que há o Ambiente e há a Humanidade, e em alguns campos até são inimigos. O movimento pela justiça climática é uma resposta a essa forma de pensamento, principalmente com base nos países do sul global e as comunidades indígenas, que rejeitam a maneira como as próprias organizações ambientalistas abordam a questão das negociações”, explica João Camargo. 

O investigador reforça esta ideia com a mensagem de que “o movimento ambientalista sempre foi uma espécie de campo autónomo, nunca teve uma proposta para a sociedade, teve sempre propostas parciais. Mesmo com o nascimento de partidos verdes, etc, o que fez foi criar alianças com outros campos políticos, fosse à esquerda fosse à direita, produzindo diferentes linhas políticas dentro do ambientalismo e acabou por ser totalmente assimilado”. E conclui: “É a grande vitória do conservadorismo sobre a ecologia política. Acho que os ambientalistas cada vez menos são organizações sociais, e mais consultoras verdes”.

“Tem-se criado uma cultura dentro do movimento ambientalista em particular, mas não só, de enorme complacência, a evitar ao máximo qualquer espécie de confronto”, disse o ativista João Camargo.

O que estes coletivos vêem pela frente é algo diferente, é uma luta de vários ângulos. Para eles, o facto de um dos principais temas da COP-26 ser as formas de adaptação às alterações climáticas já é um mau sinal, significa que há uma resignação e que a emissão de gases com efeito de estufa e a neutralidade carbónica deixaram de ser uma prioridade. 

É também por isso que a transversalidade é tão importante para estes coletivos. Como realça Tomás Hipólito, “muitas das outras lutas, como a luta contra o racismo, contra o patriarcado ou o anti-extrativismo é uma consciência de como funciona este lado social e perceber que nem todas as pessoas têm as mesmas condições e os mesmos acessos e há privilégios, e que muitas vezes são estas desigualdades sociais que acabam por também estar na génese de toda esta crise climática”.

Outra forma de luta

Se algumas organizações optam por formas de luta que implicam a desobediência civil, outras resolvem usar ferramentas que estão ao dispor no sistema democrático. Foi o caso de seis jovens portugueses que entregaram uma queixa-crime no Tribunal de Direitos Humanos, em Estrasburgo, em setembro de 2020. A mais nova tem nove anos e a mais velha 21.

Os visados da queixa são 33 nações: Áustria, Bélgica, Bulgária, Chipre, República Checa, Alemanha, Grécia, Dinamarca, Estónia, Finlândia, França, Croácia, Hungria, Irlanda, Itália, Lituânia, Luxemburgo, Letónia, Malta, Países Baixos, Noruega, Polónia, Portugal, Roménia, Rússia, República Eslovaca, Eslovénia, Espanha, Suécia, Suíça, Reino Unido, Turquia e Ucrânia.

"As ações individuais têm extrema importância, mas neste momento é necessário agir ao nível dos governos”, explicou Catarina.

Tal como Greta Thunberg fez parte do grupo de 16 jovens que apresentou uma queixa ao Comité dos Direitos da Criança das Nações Unidas contra o Brasil, a Alemanha, a Argentina, a França e a Turquia (acusando que os cinco países, membros do G20, estão entre os maiores emissores de CO2 do mundo), os seis jovens portugueses usaram o seu direito de mover esta queixa.

Dois deles vivem em Lisboa, e os outros quatro em Leiria, região que foi devastada por fogos, um dos impactos que mais afetam Portugal e que serão uma das grandes preocupações das próximas gerações, aquelas que podem viver um aumento de temperatura média global de 4 a 8 graus celsius até 2100. 

“Sempre fomos sensibilizados para o facto de o fenómeno das alterações climáticas ser tão importante e assustador, mas acho que só em 2017 é que tomei a real consciência de que está a acontecer agora e que é preciso agir rapidamente. E vi nesta ação uma oportunidade de lutar”, contou ao Público Catarina Agostinho, uma das jovens de Leiria, na altura em que moveram a ação.

Sem ligações a qualquer organização, criaram uma força coletiva. “O que fazemos são ações individuais que cada um pode fazer, mas acho que chegamos a um ponto em que isso já não é suficiente. As ações individuais têm extrema importância, mas neste momento é necessário agir ao nível dos governos”, explicou Catarina. 

A iniciativa teve o apoio da ONG Global Legal Action Network (Glan), que continua a acompanhar o processo. Apesar das tentativas dos 33 países de tentarem retirar o caráter de urgência ao processo, o Tribunal Europeu reconheceu-o como caso prioritário. Aguarda-se, por isso, as possíveis alegações destas nações para justificar o contínuo crescimento de emissões de gases com efeito de estufa. Até mesmo uma criança com nove anos entende que, antes de mais, são necessárias políticas públicas para evitar o colapso da civilização. 

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