Albufeira de Odemira

Albufeira de Santa Clara

Qual é o futuro da disponibilidade da água em Portugal?

Espera-nos pouca chuva e muito calor no sul de Portugal. Perante um cenário de alterações climáticas, é cada vez mais importante conhecer a disponibilidade dos recursos hídricos em cada região do país e de que forma a água está a ser usada. É essa avaliação que Rodrigo Proença de Oliveira está a delinear. Conheça a amplitude de um estudo em desenvolvimento e qual o impacto da agricultura intensiva no território. 

Entrevista
13 Julho 2021

"A água é um direito humano que se transformou num enorme fator de produção." São palavras de Rodrigo Proença de Oliveira, engenheiro civil especializado em recursos hídricos, que se encontra a dirigir um estudo sobre a avaliação das disponibilidades da água em Portugal, com "pormenor espacial e temporal". O trabalho, encomendado pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA), está a ser realizado em conjunto com investigadores de diferentes entidades.

Pela primeira vez, está a desenvolver-se uma modelação matemática de todo o país, que abrange parte de Espanha – porque muita da nossa disponibilidade de água tem origem no país vizinho –, com o obejctivo final de ter um quoficiente de escassez por regiões, até agora nunca feito. Anteriormente, era um só para todo o território nacional.

A ideia é perceber em pormenor "onde é que nós temos água", quer a superficial, quer a subterrânea, com foco na taxa de captação da água. Paralelamente, estão a ser avaliadas também as necessidades deste recurso, ou seja, quem a usa e de que maneira. Assim, poderá entender-se melhor onde há mais procura do que oferta (stresse hídrico), uma questão que é cada vez mais premente devido ao impacto das alterações climáticas, com mais períodos de seca no sul de Portugal.  A água que temos não é a mesma que tínhamos, e é bom que todas as entidades e sectores de governança tenham plena consciência disto. A agricultura, sector que utiliza 75% da água no país, é um tema inevitável quando se aborda os recursos hídricos.

Tendo em conta os dados obtidos, as decisões serão sempre políticas, assim como a forma como a água é gerida pelas entidades tuteladas. "A água tem de se reger por bacias hidrográficas", explica Proença de Oliveira, e não por regiões administrativas, ao contrário do que muitas pessoas defendem. Na sua opinião, seriam "limites artificiais". Esta é uma das posições que toma em relação à gestão dos recursos hídricos, mas há outras, incluindo a forma como é distribuida. Nesta entrevista, explica-nos quais. "Se pudermos evitar um problema, evitamos", diz ao Setenta e Quatro. Na gestão da água, "muitos dos problemas não se resolvem, evitam-se".

Quando se fala de água, e nos estudos sobre este recurso, há sempre uma preocupação com o sector que mais a utiliza: a agricultura. No entanto, há uma grande parte da população que ainda não faz parte da rede pública e que tem alguma dificuldade em ter acesso a água. Porque é que isto ainda acontece?

É bastante complicado. Para começar, nós no mundo da água dividimos muito em recursos hídricos, que é o recurso na natureza, sobre o qual há serviços de água, obviamente os serviços mais importantes, que são os de abastecimento de água, e depois os serviços de drenagem e tratamento de águas residuais. Genericamente Portugal está muito bem do ponto de vista dos serviços de água. A nossa cobertura é muito boa e a qualidade do serviço é óptima. A nível da drenagem e águas residuais a taxa de cobertura é um pouco menor e o serviço ainda tem alguma área para melhorar. Mas genericamente estamos muito bem, é algo de que nos devemos orgulhar, nós país, porque melhorámos bastante nos últimos vinte anos.

Image
Rodrigo Proença de Oliveira
Rodrigo Proença de Oliveira alerta que a Albufeira de Santa Clara está a chegar ao limite | Foto de Isabel Lindim

Eu passava férias no Porto Santo e lembro-me perfeitamente de ter duas horas de água por dia, e água salgada. Hoje em dia há uma dessalanizadora em Porto Santo que abastece tudo, tomamos duche sem problema. O Algarve é outro exemplo. Pessoas que iam de férias lembram-se que tinham água de vez em quando, com algumas falhas, e era água salgada, hoje em dia já não é verdade.

É verdade que ainda existem zonas onde os serviços públicos de abastecimento não chegam. Agora há uma questão económica. O abastecimento público, e a drenagem de águas, constitucionalmente é uma competência municipal, e isso é algo que pode ser discutido.

Em conjunto com o Grupo Águas de Portugal.

Quem tem responsabilidades de satisfazer as necessidades de água e prestar esses serviços são os municípios e é algo que eles têm muito orgulho. A pergunta que se pode fazer é porque é que o abastecimento de água é responsabilidade do município e da electricidade não é. A verdade é que há um entendimento que é da responsabilidade dos municípios. Portanto cabe aos municípios encontrar a melhor forma de assegurar esse serviço. Não quer dizer que o façam, mas têm de arranjar forma de assegurar.

Em Lisboa, por exemplo, foi decidido há muitos anos, por isso já nem se discute que a EPAL tem a concessão, por isso presta esse serviço, mas nos municípios mais pequenos é uma questão que está sempre a existir. Se é o município que vai prestar, sozinho, é algo que nós queremos desencorajar porque tipicamente o município mais pequeno não tem escala para esse serviço, ou o município agrega-se em serviços municipalizados, como é o de Amadora e Sintra. Juntaram-se e criaram uma empresa 100% pública. Ou então concedem esse serviço a uma empresa privada. De qualquer modo, a responsabilidade de encontrar uma solução é do município. Obviamente que o Estado ajuda. Criou o Grupo Águas de Portugal para facilitar a aplicação dos fundos comunitários e criou uma rede que chamamos de empresas em alta, e que neste momento tem capacidade de captar e de fornecer água aos vários municípios. Muitos podem optar por comprar água ao Grupo Águas de Portugal, ou então terem as suas próprias captações.

Há algumas falhas? Há. Não direi que são muitas. Têm de ser resolvidas. Não realçava essa questão, não é muito relevante para o país no todo. A questão é qual a solução que se pode colocar sobre sistemas autónomos, porque não vale a pena levar uma conduta de vários quilómetros para essa localidade. Uma solução local é mais adequada. Mas cabe ao município encontrar essas soluções com o apoio dos grupos económicos que estão aí.

No caso de Odemira, que é um concelho bastante grande, 30% da população ainda não está abrangida pela rede pública. Há conhecimento de casos em que foi pedido à ABMira, foi dada autorização de captação a algumas pessoas e a outras não, e não tem propriamente a ver com a distância a que estão do canal. Pensando no futuro de uma região como Odemira, que vai ser muito seca e que esses 30% têm de fazer furos, prevê-se uma situação muito complicada.

Sem dúvida. A albufeira de Santa Clara neste momento já está a chegar aos seus limites. Aí é um caso muito concreto. É da responsabilidade da autarquia encontrar uma solução. Todas as autarquias pedem apoio ao Estado para as soluções. Odemira é uma área muito vasta, com pequenas localidades, e é um desafio muito grande. Encontrar uma rede única que abasteça todo o município é algo inviável do ponto de vista económico e sujeito a enormes falhas. Eventualmente tem de se encontrar uma rede de sistemas autónomos, em que cada um serve uma dada região, com base numas origens de água, e a questão aí é quais são as origens.

Pode ser a albufeira?

Pode ser a albufeira, mas a albufeira está dedicada à agricultura. Podem ser recursos subterrâneos. Terá de se ver caso a caso. Há casos até engraçados de populações que encontraram a sua forma de ir buscar água sem o apoio dos municípios e depois entram em problemas legais, porque é uma responsabilidade do município. E se este proporcionar uma solução pública ou concessionada, as pessoas são obrigadas a ligar-se à rede. Percebe-se porquê: é feito um investimento público para se prestar água, com base na população que existe numa dada zona, e esse investimento tem de ser de alguma forma recuperado.

Há uma contradição nestas zonas rurais. No caso de não terem um abastecimento nem da albufeira nem da rede pública têm de furar, mas para furar precisam da autorização da APA (Agência Portuguesa do Ambiente), que limita bastante. Já há casos em que as pessoas têm um limite de água para o ano, por exemplo turismos rurais, e não têm outra hipótese.

Há uma questão que é a realidade natural. Tendo em conta a disponibilidade de água, o abastecimento humano tem prioridade sobre o abastecimento industrial e agrícola.

Mas tem?

Sim. O que acontece depois é que muitas vezes há direitos adquiridos e há infraestruturas que são de outros usos. No fundo, a barragem de Santa Clara foi construída para fins agrícolas, mas se a certa altura... Agora entramos no mundo legal... Se eu tenho uma zona que tinha um fim agrícola, se a certa altura começa a chegar à população, realmente podemos argumentar que a população tem direitos sobre a agricultura, mas também podemos argumentar que a agricultura estava lá há muito tempo a usar aquela água. Vamos esquecer por momentos que está também a crescer muito o consumo agrícola. Como é que estes dois... Um direito, que é um direito histórico, sempre usaram a água, versus o direito de acesso à água porque é o abastecimento à população.

Prevê-se que seja essa a grande questão.

Não direi que é um grande problema, porque o consumo humano é sempre muito diminuto face à agricultura. Genericamente, os conflitos que surgem é entre a natureza e a agricultura. Grandes consumidores na agricultura. Pontualmente, como o caso de Odemira, e também do Algarve, onde por razões de turismo o consumo humano já é muito mais significativo. Não é o abastecimento à população residente, é o abastecimento à indústria do turismo, aí temos realmente um conflito. Genericamente são pontuais os casos em que temos abastecimento humano versus agricultura. O que temos normalmente é agricultura versus natureza, versus ecologia, versus ecossistemas. Esse é que o grande dilema para o futuro.

O ciclo tem de se manter e ali naquele caso particular houve um bloqueio a caudais ecológicos por parte da ABMira.

O tema dos caudais ecológicos, ou do regime ambiental, é um tema que já existe há muito tempo, e que se faz percorrendo. Ou seja, este trabalho que estamos a fazer também vai permitir encontrar formas de definir melhor os regimes dos caudais ecológicos.

Tendo em conta que já temos ao pormenor qual é a disponibilidade de água em regime natural, sem intervenção humana, nós depois podemos dizer que pelo menos 5%, 10%, 15% de volume tem de ficar na natureza. É uma questão a discutir com a APA. A partir daí já sabemos que só pode ser usado o restante.

Isso implica coisas interessantes, que começa a haver em muitos países: o mercado da água. A Califórnia também está a sofrer uma seca imensa e há agricultores que preferem não fazer agricultura e vendem o seu título a outro agricultor que a faz. Em algumas zonas pode começar a haver um uso deste mecanismo. É claro que é um bocado complicado quando temos população versus agricultura. E é até complicado para a agricultura, porque eu como ser humano preciso de menos água, estou disposto a pagar bastante pela água. A agricultura não tem capacidade de pagamento. Se o mercado é completamente desregulado, que não pode ser, a agricultura não tem capacidade de pagar aquilo.

No entanto, os fundos comunitários estão a ir no sentido de apostar muito na agricultura, e a agricultura sempre a querer mais água. Apesar dos sistemas estarem mais modernizados e tecnológicos, se isso for multiplicado por mil, acaba por ser insustentável, não é?

Exactamente. Reconheço que a agricultura é uma forma de ocupar o território, há um conjunto de benefícios brutal da agricultura, longe de mim demonizar a agricultura. Tem um valor económico, traz riqueza para o país, mas depende do tipo de agricultura.

O problema é que a agricultura depende de duas coisas: dos solos e da água. Poderíamos dizer de forma simplista 'como não há água não se faz agricultura', mas em Portugal isso queria dizer que a agricultura tinha de se fazer no Norte, mas o Norte não tem bons solos. É um equilíbrio difícil que teremos de conseguir.

O Ministério da Agricultura defende que o regadio será bom para as alterações climáticas, mas a verdade é que há muitos solos que estão a ser explorados de uma forma em que se estão criar futuros desertos. Por outro lado, a agloforesta é um método muito defendido, assim como as soluções baseadas na natureza.

Temos de ter cuidado com a água e temos de ter em atenção as alterações climáticas. Há uma ideia que só porque se construiu uma barragem ela enche e tem capacidade de satisfazer as necessidades de água. Não é verdade. Com as alterações climáticas, pode haver áreas onde a barragem não enche.

Há uma tendência errada no mundo agrícola de que o principal efeito das alterações climáticas é o aumento da variabilidade da disponibilidade de água e que esse aumento pode ser combatido com o aumento da capacidade de regularização, a capacidade de armazenamento de água, para manter um consumo constante. Mas o problema é que em muitas zonas, mesmo construindo uma barragem e aumentando a capacidade de regularização, nós não vamos ter capacidade de manter um consumo constante.

Além disso há uma questão que me preocupa um pouco na agricultura: a aposta nas culturas permanentes. Ou seja, passamos das culturas temporárias, em que posso decidir num ano não a praticar, para culturas como a amendoeira ou o abacate. São culturas que todos os anos tenho de abastecer de água. Isso causa uma pressão enorme na gestão dos recursos hídricos.

E não há qualquer tipo de regularização nas explorações agrícolas.

Há um problema de governação da água. Em vários casos são privilegiadas soluções porque são mais simples de gerir e de fiscalizar. É paradigmático que nós há uns anos atrás tínhamos imensos problemas de qualidade de água, esses problemas vinham de contaminação pontual, de descargas pontuais nos cursos de água, e depois também uma componente difusa, que é agricultura, pecuária, etc. Nós conseguimos melhorar muito a qualidade nas nossas massas de água, porque pudemos controlar as descargas pontuais. É fácil, vê-se a origem da descarga, trata-se a origem e eliminamos o problema. Ainda temos problemas de descargas acidentais ilegais, mas é fácil fiscalizar o processo. No caso da agricultura, são não sei quantas pessoas a praticar agricultura, no caso da pecuária são não sei quantos animais espalhados pelo território, é difícil estar a fiscalizar o que é que cada um individualmente faz. Esse é um desafio de gestão.

Muitas vezes há uma tendência para privilegiar as águas superficiais. Quando se constrói uma albufeira, cria-se uma grande origem de água e uma torneira que é fácil de dar xis hectómetros a tal senhor. É fácil controlar, mas também as águas subterrâneas, e aí muitas vezes cada um faz um furo, mesmo que tenha a licença, o problema é que tem licença para tirar xis, e se tirar ipslon há uma enorme dificuldade em ir lá ver o que é que ele está a tirar.

São os tais contadores que muitas vezes não existem.

Têm de ser contadores invioláveis. E tem de haver uma sensibilização enorme da população para se cumprirem as leis. Temos de arranjar mecanismos mais inteligentes. As ações de fiscalização têm de começar a receber mais dados, para perceber onde têm de ir. É um problema que exige recursos e um conhecimento muito melhor do território.

O estudo que está a desenvolver fala também dos sistemas de ligação entre as águas superficiais e subterrâneas?

O estudo é a avaliação da disponibilidade de água, superficiais e subterrâneas, e a sua relação com as necessidades de água, que são satisfeitas pelas superficiais e subterrâneas, portanto o índice WEI (Water Explotation Index) é uma relação entre as necessidades de água e as disponibilidades de água que podem ser satisfeitas.

Aponta-se para soluções nesse sentido?

É um estudo que abrange os 89 mil quilómetros quadrados de Portugal e provavelmente outros 89 mil em Espanha. Quando me fala do problema de Odemira, é um caso muito específico para o estudo neste momento. O estudo vai proporcionar à APA elementos que quando se precisar de estudar Odemira eles existem. Neste momento estamos a modelar todas as bacias do país e no caso de Odemira consideramos Santa Clara e a barragem de Morgavel. Estamos a estudar a bacia do Mira como um todo, com uma boa caracterização do que se passa ali. Para uma decisão concreta, já se exige um estudo mais aprofundado para aquela zona, mas os dados de base ficam preparados.

Como é que é possível haver esse sistema integrado entre as águas superficiais e subterrâneas?

Isso resulta do regime natural, do ciclo da água. Não tem princípio, meio e fim, está sempre a circular. É interessante que o ciclo da água é um conceito que só apareceu no século XVIII, só aí é que houve conhecimento científico para perceber como é que o ciclo funciona. Antigamente Aristóteles falava de fontes subterrâneas que alimentavam os rios. Não é verdade, o que há é a chuva que cai sobre o terreno, parte evapora, uma grande parte infiltra-se e fica nas camadas superficiais do solo - a água é captada pelas raízes das plantas e transpiram, é por isso que chamamos de evapotranspiração, as plantas vão buscar a água aos solos porque precisam dos tais nutrientes que vêm dissolvidos na água -, depois há uma parte que atinge os meios subterrâneos. Mais cedo ou mais tarde essa água volta aos cursos de água natural, aos rios. Podemos dizer, de forma simplista, que se a água não for captada nas camadas subterrâneas vai aparecer no rio.

O mundo das águas subterrâneas é bastante complexo porque depende da geologia da zona, há características muito diferentes. Há zonas com boa captação de água, a que chamamos aquíferos, e outras com má capacidade de retenção de água, portanto existem águas subterrâneas mas não em condições para serem exploradas. De qualquer modo, se eu captar águas subterrâneas o caudal dos rios vai diminuir. É o mesmo recurso que estou a gerir, ou capto no rio, ou capto no aquífero, tendo em conta que o aquífero proporciona algum armazenamento temporário, retém ali água. A gestão integrada tem de ser conjunta. Em alguns locais, o problema não é a oferta, é a procura. Tem se diminuir a procura, ou pelo menos não permitir o seu aumento, através do não licenciamento de novas utilizações.

Há mesmo uma grande diferença entre a disponibilidade hídrica entre o Alentejo, o Algarve e o Norte?

Portugal é dividido pelo rio Tejo. Aliás, a Península Ibérica. O rio faz mesmo a divisão. Chove muito mais no Norte. Vai chover menos no Sul do país, e sobretudo de forma irregular.

Sendo o sector da agricultura o que mais utiliza, não devia haver aqui uma solução de mais entendimento entre os ministérios do Ambiente e da Agricultura?

Aí voltamos ao problema da governação. Acho que sim. Infelizmente vejo alguma descoordenação na governação entre a Agricultura e o Ambiente. Por um lado, é esperada pressão que o Ministério da Agricultura faz, mas na prática o que vemos é um certo desentendimento, com o Ministério da Agricultura a aprovar, ou a defender, alguns projectos que não têm viabilidade.

E no Alentejo as áreas de regadio são muito maiores.

É onde hoje em dia a agricultura é rentável. Não demonizo, mas temos de ter cuidado. Há aqui uma questão de governação que a certa altura a agricultura assegura financiamento para certos projectos sem aparentemente haver intervenção do Ministério do Ambiente, para dizer que nem vale a pena arranjar financiamento para esse projecto porque não há água. Depois a certa altura já se criaram expectativas... Choca-me muitas vezes ouvir a ministra da Agricultura [Maria do Céu Antunes] anunciar novos perímetros de rega. Mas isso já passou pelo Ministério do Ambiente? Pode anunciar a intenção, mas não devia, cria expectativas. Também me choca alguns discursos a dizer que a água se perde para o mar.

Mas isso não é um problema?

A água é da natureza, nós é que estamos a pedir emprestada à natureza. Não sou um defensor intransigente dos direitos da natureza, e já há muitos advogados a falarem disso. É interessante, porque começa a haver países em que a natureza tem direitos, mas a verdade é que escoa dos rios e não se perde para o mar, ela está lá a fazer o seu serviço.

Os canais que vêm da albufeira de Santa Clara, construídos nos anos 1960, vão para o mar.

Aí há uma questão hidráulica, que é o controle de sistemas de rega por montante ou por jusante. Há muitos sistemas em que a água é libertada a montante, e a água escoa no canal, os agricultores têm de ir buscar água ao canal. Se não houver sincronização, ao longo do percurso vão sendo captados volumes, e eu quero que no final se desperdice muito pouco. Acontece que às vezes os agricultores não tiram o que estava previsto e há um excedente que é libertado no canal de rega, aí a natureza não tem a ver, aí há um desperdício mesmo. Mas há soluções hidráulicas para resolver o problema. Um armazenamento no final do canal, eventualmente até substituir todo o sistema.

Se nos pusermos no lugar de uma pessoa que tem ali uma horta, cortam-lhes a água este ano, como tem acontecido a pequenos agricultores, os chamados precários. Veem a água que acaba por ir parar ao mar.

Pois, é difícil explicar isso. Realmente exige um estudo do sistema e arranjar forma de não desperdiçar.

Como mensagem, queria dizer que tudo isto é um processo, nós temos de melhorar sempre, reconhecer que muitos dos problemas que existem têm várias causas, falta de financiamento, falta de conhecimento... temos de colmatar essas lacunas, e ir resolvendo os problemas, sempre com uma visão de futuro. E tem de haver uma contribuição de todos. Não vai ser o Estado que vai resolver, não vai ser a iniciativa privada, não vai ser a agricultura. É todos juntos, com vontade de colaborar.