Refugiados aquecem-se com uma fogueira improvisada junto à fronteira polaco-ucraniana | Foto de Tomás Guerreiro
A guerra na Ucrânia já causou mais de três milhões de refugiados e a Polónia recebeu quase dois milhões. A maioria são mulheres e crianças e as organizações humanitárias não têm tido mãos a medir. O Setenta e Quatro esteve na fronteira polaco-ucraniana.
Mais de 2,8 milhões de ucranianos refugiaram-se da guerra nos países vizinhos, abandonando a “terra mãe”. Fizeram-no a pé, de carro ou nos transportes públicos, mulheres com bebés de colo e meninos de levar pela mão atravessam constantemente as fronteiras adensadas por familiares impacientes. Pela fronteira polaco-ucraniana passam organizações humanitárias desordenadas, civis entusiastas e homens que se preparam para o combate.
Os rostos pálidos e esgotados são comuns entre os 1,7 milhões de ucranianos, que para salvarem a vida, abdicaram de tudo aquilo que nela conquistaram, refugiando-se massivamente numa Polónia impreparada, amedrontada e profundamente nacionalista. Habitam temporariamente os centros transitórios de refugiados e movem-se ao ritmo dos transportes de massas e da solidariedade internacional.
Pessoas, provenientes de todo o mundo, aguardam impacientemente nas fronteiras para reencontrarem os familiares. Uma delas é Artem Myronenko ao esperar a mulher e a filha no lado pacífico da fronteira entre a Polónia e a Ucrânia.
Artem é mecânico de automóveis há cinco anos na Polónia, mas nasceu há 28 na Ucrânia. Emigrou por condições económicas, mas, agora, espera que a sua mulher e a sua filha consigam escapar da guerra. “A minha família está perto, assim que chegarem, partirei para a Ucrânia”, diz ao Setenta e Quatro, afirmando-se de peito aberto como futuro soldado.
“Amanhã, o meu sogro vai alistar-se no exército, mas eu não consigo acreditar nesta guerra. Isto é impossível, há 30 anos toda a gente na Rússia e na Bielorrússia diz que somos irmãos, que somos uma grande família, mas eles espetaram-nos uma faca nas costas”, explica Artem num tom de voz timbrado pelo nó na garganta.
“É minha obrigação partir para a Ucrânia. O nosso exército é muito forte, mas o russo também. Todos os homens devem lutar ao lado do exército. Apesar de ser civil, tenho a obrigação de partir”, salienta Artem, enquanto as lágrimas palpitam-se-lhe nos olhos. Fica-se por aqui, as palavras já não lhe saem da boca.
O futuro soldado ucraniano esperou pela família noite adentro junto à fronteira polaca, em Hrebenne, mas ela tarda a chegar. Há mais de 30 horas que a sua mulher e filha saíram de Kryvyi Rih, no sul da Ucrânia, mas nas fronteiras a lentidão influência determinantemente o tempo da travessia.
Grupos de mercenários vestidos de negro preferem não falar ao microfone enquanto aguardam a vez ou momento para saltarem rumo a uma das frentes de combate. Num repente surge um homem alto, seco, encapuçado de amarelo, perguntando aos demais como pode atravessar a fronteira para a Ucrânia. Indicam-lhe um camião de ajuda humanitária e ele embarca cegamente determinado.
Os mercenários cruzam-se com os civis envolvidos na ajuda humanitária. Uma dessas pessoas é Sasha, ucraniano que reside na Polónia há três anos. Decidiu interromper a sua vida profissional para controlar as remessas de ajuda humanitária que atravessam permanentemente a fronteira em Hrebenne, além de encaminhar os refugiados para os respetivos autocarros.
“Estou aqui para verificar se todo o apoio humanitário é entregue nas mãos corretas. Há sempre mãos erradas numa guerra e a polícia não tem tempo. Quero ter a certeza que a ajuda não é extraviada”, conta o homem de 32 anos, que se sente útil ao apoiar a logística associada à ajuda humanitária. “Os refugiados que fogem da guerra precisam de ser suportados, às vezes basta conversar um pouco com eles, também quero ter a certeza de que os estranhos são verificados antes de transportarem as pessoas”, garante.
“Os centros de acolhimento perto da fronteira já estão cheios, por isso enviamos os refugiados para outras cidades no centro ou no norte da Polónia. Pelo menos as pessoas não passam fome nem sede até lá, têm refeições quentes e qualquer coisa para beber aqui, mas nunca seria possível preparar infraestruturas que acolhessem tanta gente”, explica o ucraniano, referindo-se ao caos vislumbrado nas fronteiras.
Os corações abertos acumulam-se nestas fronteiras entre a paz e a guerra, mas escasseiam os braços capazes. Acendem-se fogos com lenhos verdes e há mais fumo do que fogo. Civis provenientes de toda a Europa, mas principalmente do leste europeu e do báltico mobilizaram-se para acolherem esta massa humana. Contudo, toda a generosidade é pouca.
Nas fronteiras, distribuem-se refeições quentes, encaminham-se mulheres e menores para os autocarros, procuram-se familiares, oferecem-se estadias pouco ou nada verificadas. O caos é explorado por uns, mas minimizado por outros.
O escocês David Foc-Pitt transportou num camião a sua empresa de eventos para Medyka na fronteira. Deseja alimentar e proporcionar resguardo a quem necessitar. Arrastou companheiros de todos os cantos da “commonwealth” para ajudarem o povo ucraniano durante o êxodo.
David, que veste um típico saiote apesar das temperaturas negativas que se fazem sentir, carregou três toneladas de comida desde a Escócia: pizzas, sopa, chá, doces e café. Oferece pequenas porções a todas as vítimas da guerra que nesse corredor amórfico de agonia e choque caminham rumo a parte incerta após o controle fronteiriço.
“Alguém quer sopa de feijão?! Está deliciosa esta sopa de feijão!”, ouve-se o escocês anunciar. A boa disposição de David desanuvia, por breves momentos, o corredor humano de perda e dor. A sua infantilidade propositada transforma a fronteira numa feira popular.
“Tenho comida para o cão! Quem quer comida para o cão?”, prega levantando o ânimo de quem o escuta. “Não havia razão para ter as tendas paradas na Escócia, aqui são precisas para abrigar pessoas. Dormimos no camião e poupamos dinheiro para comprar comida. Temos de fazer algo, pois podiam ser a minha mulher ou a minha filha a cruzar esta fronteira”.
David montou três tendas “pretorianas”, para mulheres e crianças esperarem resguardadas do frio pelos autocarros. A família Rybachok abriga-se das temperaturas negativas no interior de uma das tendas.
Roman Rybachok, 15 anos, procura “abrigar-se da guerra” com a mãe e a irmã, por isso fugiram até à Polónia e aguardam o pai, que os irá acolher em Varsóvia, onde trabalha há vários anos. “Não posso dizer que a cidade é bonita, mas todos os meus amigos estão lá e eu perdi contacto com eles, com familiares, com a escola”, conta o jovem ucraniano, referindo-se às perdas irreversíveis provocadas pela guerra, após fugir da sua cidade no centro da Ucrânia.
Por perder a escola, Roman “talvez esteja feliz”. A ironia da pergunta provoca alguns risos débeis na tenda face à resposta incongruente do adolescente. Por vezes é imperativo sorrir para não chorar. “Espero conseguir seguir com a minha vida na Polónia”, diz esperançoso e derrotado. Entretanto, o cão da família atira-se a ladrar ao fotógrafo e a mãe diz que está muito nervoso, que o cão passou por muito, pede desculpa.
“Planeio voltar à Ucrânia, tenho lá todas as coisas, a família, os amigos, até a escola. Espero mesmo regressar”, desabafa Roman.
Thierry Senez é o primeiro médico na fronteira de Medyka. Está inserido no Grupo de Intervenção e Socorro Francês, atualmente em missão para o Estado. “Acolhemos refugiados que apresentam condições gerais de hipotermia ou muita fome, após andarem muitíssimos quilómetros a pé”, explica o francês de 65 anos, instalado imediatamente após a fronteira.
“Desde que chegamos que tratámos cerca de quarenta pacientes que exigiam perícia médica, pois há uma população relativamente envelhecida com deficiências por vezes significativas. Algumas pessoas podem sofrer psicologicamente por muito tempo se não forem adequadamente tratadas relativamente ao evento que acabou de ocorrer”, prevê Thierry.
No vaivém de autocarros e de comboios, os campos de refugiados improvisados tornaram-se ponto de partida e de chegada para vagas massivas de refugiados que atravessam constantemente as fronteiras polacas. Após algum descanso e algumas horas de sono, os ucranianos são transportados para outros países do leste ou do centro europeu.
A assistência médica é insuficiente e os caixotes de ajuda humanitária são despejados pelo chão, para que gente vasculhe por agasalhos e enfrente as temperaturas negativas. As crianças e os cães caminham pelo lixo abandonado no exterior dos centros de acolhimento transitórios. No interior desses recintos, o cheiro ácido dos corpos e do cansaço torna-se insuportável. Não há desodorizante que abafe o suor de uma migração forçada e violenta.
No centro de refugiados instalado nos arredores de Przemysl, uma pequena cidade localizada na fronteira polaca e convertida desde o princípio da guerra numa “boom city”, adotou-se um supermercado abandonado da marca Tesco para albergar uma incomportável massa humana. A cidade já foi ponto de passagem de 300 mil refugiados em apenas duas semanas, de acordo com o presidente do município, Wojciech Bakun.
Os comboios oriundos da Ucrânia desembocam a cada cinco horas na gare de Przemysl e podem transportar até duas mil pessoas. “A Câmara Municipal, as escolas e os transportes públicos funcionam normalmente, apenas há dois pontos essenciais de receção, aqui na estação de comboios e em Tesco. O centro de acolhimento transitório esteve cheio, mas agora estão apenas 700 pessoas e conseguimos receber temporariamente entre 2.000 a 3.000 refugiados”, explica o presidente do município.
Wojciech Bakun diz que a resposta das autoridades “dependerá de como a situação se desenvolver no lado ucraniano”. No entanto, o autarca não esclarece qual a missão das centenas de soldados norte-americanos, que em bandos se passeiam pela cidade.
Mariia Brodska tem 23 anos, nasceu nos arredores de Kiev e pernoitou no Tesco, com milhares de pessoas deitadas em macas lado a lado, onde o odor intenso e a transpiração de milhares de corpos invade o recinto. Contudo, ela está feliz por estar aqui e não estar na guerra, como o marido.
“Estou feliz por estar aqui, as pessoas ajudam-nos, temos comida quente, chá, café, casa de banho, as pessoas são muito educadas e estamos bem, mas na Ucrânia era realmente horrível e ficamos muito cansados. No entanto, os nossos maridos continuam lá, para salvarem a terra mãe”, conta Mariia.
A jovem ucraniana tem uma ideia de qual o percurso que quer seguir, uma atitude algo invulgar na desorientação generalizada. “Queremos ir de autocarro para Dortmund na Alemanha e as pessoas prometem-nos um quarto ou um apartamento, talvez trabalhar e ganhar algum dinheiro, mas espero que não seja por muito tempo, que seja no máximo um mês, porque quero voltar para a minha família, para o meu pai, para o meu marido”, desabafa Mariia sobre as saudades de tudo aquilo que tinha e que não coube na mala.
“Quero paz no mundo inteiro, não guerras. Por favor parem a guerra, é horrível, eu odeio-o, quero ir para casa e estar com a minha família, também é muito difícil estar aqui, quando sabemos que os nossos familiares estão na Ucrânia, para salvarem as nossas casas e o nosso país”, chora Mariia.
Vários campos de refugiados foram instalados por toda a Polónia. Francesco Sinchetto, 34 anos, coordena a operação clínica da organização não-governamental Intersos em Korczowa. O hospital de campanha está instalado num dos maiores centros transitórios na Polónia.
“Há algumas crianças recém-nascidas e os principais sintomas estão relacionados com o frio, gripe, cansaço muscular, sintomas derivados das longas viagens", disse Francesco Sinchetto.
“Em seis dias vimos cerca de 600 pacientes. Essencialmente, isto é um centro comercial convertido num centro de trânsito. Há uma abundância de suplementos médicos fornecidos pela sociedade civil, mas quase não há organizações a trabalharem aqui”, afirma Francesco.
“Trabalhamos em colaboração com a equipa paramédica do município, cerca de 30% das pessoas são crianças, 40% são mulheres e 20% homens, este é um dos maiores centros de trânsito na região, por aqui passam seis mil pessoas por dia e há duas mil camas no interior”, informa Francesco, adiantando que a polícia polaca não permite fotografias no interior do recinto industrial. “A maioria dos refugiados permanece algumas horas ou até uma noite.”
A maioria dos refugiados são ucranianos, mas também há pessoas provenientes do Uzbequistão, do Azerbaijão e de outras nacionalistas, continua o profissional de ajuda humanitária. “Há algumas crianças recém-nascidas e os principais sintomas estão relacionados com o frio, gripe, cansaço muscular, sintomas derivados das longas viagens.”
Os médicos não têm tido mãos a medir, pois, muitos dos refugiados tinham problemas de saúde prévios à invasão russa da Ucrânia. “Os sintomas mais graves revelam-se em pessoas que pararam os seus tratamentos, por estarem longe dos hospitais, o que pode ser muito perigoso. Quando testemunhamos casos graves, imediatamente redirecionamo-los para o hospital”, explica o coordenador da operação clínica da Intersos. E dá exemplos: “duas crianças com cancro, sendo que uma foi de helicóptero para o hospital de Varsóvia, porque não conseguia continuar a viagem de autocarro”.
Há também o risco de doenças surgirem nos centros que acolhem os refugiados, devido às fracas condições sanitárias, algo que já aconteceu no passado. “As condições sanitárias deveriam ser melhoradas, porque as pessoas continuam a chegar e não há espaço, o centro está superlotado. De momento é bastante caótico, apesar de a resposta positiva do município e da sociedade civil, a capacidade de coordenação é bastante limitada”, conclui Francesco.
Na segunda maior cidade da Polónia, Cracóvia, a 250 quilómetros da fronteira com a Ucrânia, medicamentos e equipamentos militares estão a ser recolhidos por organizações civis e enviados para os soldados ucranianos em Lviv. Isto enquanto mulheres e crianças ucranianas chegam aos milhares à cidade e pernoitam nos dormitórios improvisados nas estações de comboios e de autocarros. Seguem depois para outros países do Leste europeu, ou então alojam-se nalguma pensão.
Na estação de comboios de Cracóvia o frenesim de deslocados ucranianos é imenso. Muitos pernoitam nos abrigos improvisados por voluntários polacos ou por voluntários ucranianos residentes na Polónia. Dezenas de polícias patrulham a estação. O ambiente é taciturno; o rosto das pessoas é pesado e a vida prossegue empacotada em pequenas malas — o medo, a desconfiança e a ansiedade pairam no ar.
Há laços fraternos estabelecidos entre a Polónia e a Ucrânia, tanto pela comunidade ucraniana residente na Polónia, como pelo renascimento de fantasmas comuns da História.
Volodimir tem 17 anos, nasceu na Ucrânia, mas reside na Polónia há três. Voluntariou-se para ajudar os seus conterrâneos em êxodo pela principal estação de comboios de Cracóvia. Apoia os refugiados de guerra com alimentos, orientações, tradução, o que for necessário. Nas 20 horas em que esteve a fazer voluntariado, estimou cerca de 400 refugiados provenientes de Przemysl, a tal cidade polaca situada na fronteira com a Ucrânia.
“É a melhor maneira de ajudar o meu povo, a minha nação e a minha casa. É difícil de explicar, [sinto] uma mistura de tristeza, revolta e desapontamento”, afirma. “Algumas pessoas procuram viagens para a Alemanha, para a República Checa ou para a Áustria, outras ficam aqui por mais tempo.” Volodimir refere-se aos corpos estafados e amontoados pelo chão ou prostrados a dormir em bancos da estação. E, mais uma vez, o odor do cansaço inunda o ar dos dormitórios improvisados por escuteiros e voluntários.
Os rostos pálidos, desancados, esgotados, não permitem fotografias. Ocupam cantos vazios da estação, exprimindo o cansaço objetivo da guerra: não há glórias, nem vitórias; só um profundo sentimento de perda e de injustiça. Não há alento. Não há ânimo. Mas há consciência de que a vida é mais valiosa do que a morte; e a paz muito mais preciosa do que a guerra. Algum companheirismo e amor-próprio.
Kseniia e Ivan, mãe e filho, demoraram um dia inteiro para fazer o percurso de Kiev até Chernivtsi, cidade ucraniana na fronteira com a Roménia. Depois esperaram três dias para atravessarem a fronteira, onde se despediram do pai e do marido antes de darem o salto para a Europa.
Mãe e filho estão há quatro dias a viver na estação de comboios em Cracóvia, mas esperam regressar à Ucrânia em breve. “A viagem foi terrível. 24 horas com helicópteros e aviões a sobrevoar-nos”, recorda Kseniia, ex-programadora informática especializada na linguagem de Java.
A mãe de Kseniia continua em Kiev — é velha demais para abandonar o país. Ainda assim, Kseniia partiu, acompanhada pelo filho de dez anos, um cão e duas mochilas. Agora viajará para Boleslaw, pequena vila na Polónia, onde espera encontrar a generosidade de um lar amigo.
Há laços fraternos estabelecidos entre a Polónia e a Ucrânia, tanto pela comunidade ucraniana residente na Polónia, como pelo renascimento de fantasmas comuns da História, que atormentam os cidadãos polacos ampliando-lhes o sentimento de compaixão. Além da vaga enorme de refugiados, segundo dados oficiais do governo polaco, cerca de 620 mil ucranianos residiam na Polónia antes da guerra.
Oleh Zarishnak é um deles, nasceu há 25 anos em Vinnytsia, a oeste do rio Danápris. Estuda Direito há quatro anos em Cracóvia e está a escrever uma tese de mestrado sobre a proliferação de armamento nuclear pelo mundo. A tese ocupa-lhe boa parte do tempo; está mergulhado em tratados internacionais, na lógica de produção e acumulação de armamento nuclear, sendo que antes de escolher o tema da dissertação nunca havia pensado que o seu país tivesse de lidar com uma chantagem deste tipo.
“A Ucrânia entregou as suas armas nucleares a troco de garantias internacionais de segurança e de soberania do seu território. Mas para que servem essas garantias que nunca foram sequer especificadas, e quais são as consequências do seu incumprimento?”, questiona Oleh, referindo-se à ameaça nuclear que paira depois da invasão da Rússia. Além de escrever a tese, Oleh trabalha em part-time numa pousada. Por estes dias é constante a chegada de mulheres assustadas. Carregam pela mão pequenas malas; trazem crianças de olhos espantados e cabelos curtos.
A família mais próxima de Oleh está na Ucrânia. O pai e o irmão não podem sair do país e a mãe não sai sem eles. Oleh desespera na Polónia. Sente-se culpado e obrigado a fazer alguma coisa por quem está do outro lado. Comprou um conjunto de medicamentos para enviar aos soldados ucranianos: “Gazes hemostáticas, comprimidos hemostáticos para evitar a coagulação do sangue, Celox em ampolas ou substitutos, torniquetes militares, bandas de compressão, curativos oclusivos”.
Os medicamentos e os utensílios necessários para curar feridas de guerra foram-lhe indicados por um movimento civil organizado no submundo de Cracóvia. Este grupo dedica-se à angariação e à compra de medicação e equipamento militar secundário, que é posteriormente empacotado e transportado até aos soldados ucranianos em Lviv.
Esses movimentos são liderados por jovens que veem na guerra um caminho para a libertação da Ucrânia. Na sua maioria são ucranianos residentes na Polónia, e alguns estão dispostos a combater pela pátria num futuro próximo. Estão equipados com fardas, botas, capacetes, coletes à prova de balas, camuflados e caixas de medicação para transportarem até Lviv. Estão bem organizados e operam sob algum secretismo, porque receiam eventuais sabotagens durante o transporte daqueles materiais.
Os bens são entregues num local público e depois deslocados para um armazém e organizados por dezenas de voluntários até serem transportados para os soldados na Ucrânia. Um dos responsáveis pela organização, Serhii Chupryna, 25 anos, explica que são todos voluntários. “Somos um grupo de voluntários que fazemos tudo pela Ucrânia, nomeadamente recolhendo apoio médico e militar. Procuramos patrocinadores e fundos monetários para podermos fazer isso”.
Uma batalha silenciosa travada no campo das informações obriga a que todos os cuidados sejam poucos. A desconfiança e o medo também assolam os polacos. A cada passo pedem documentos ou questionam identidades alheias. Vivem de olhos postos numa guerra a poucos quilómetros de distância que empurra mulheres e crianças para o exílio e os homens para a lama.
Apoiar
o Setenta
e Quatro
O Setenta e Quatro precisa de leitoras e de leitores, de apoio financeiro, para continuar. Em troca damos tudo o que tivermos para dar. Acesso antecipado às edições semanais e às investigações, conversas e publicações exclusivas, partilha de ideias e muita boa disposição.