Os líderes mundiais chegaram, fizeram as suas promessas e em poucos dias foram-se embora. Foi assim a primeira semana da vigésima-sexta conferência das Nações Unidas dedicada às alterações climáticas, a COP26.
No terreno ficaram ministros, diplomatas e milhares de negociadores que irão agora esmiuçar cada compromisso, declaração e acordo, lutando para que os documentos finais estejam em conformidade com os interesses dos órgãos que representam. Mas os interesses nem sempre coincidem. E é por isso que é nesta fase que se descortina se temos de facto uma boa ou má cimeira.
A imprensa mundial também ficou em força, aparentemente mais atenta a certas discrepâncias e idiossincrasias políticas. Mas se os jornalistas estão este ano mais disponíveis para dar voz aos críticos da cimeira, também se viram com menos acesso a reuniões, negociações e mesmo sessões principais. Não só porque as medidas de segurança relativas à covid-19 têm dificultado muito as coisas à organização e participantes da COP, como também porque o próprio recinto tem mais de Labirinto de Creta que de campus diplomático.
A meio da semana, a impossibilidade de uma ministra israelita entrar no recinto devido ao uso de cadeira de rodas criou uma crise diplomática de todo o tamanho. O próprio primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, se viu obrigado a pedir desculpas pelo incómodo.
A COP26 começou em aura tenebrosa, mas não devido à sua data de abertura ter calhado no Halloween. A verdade é que a maioria dos delegados e representantes políticos já chegaram a Glasgow, na Escócia, com pouca convicção nas promessas e compromissos que viriam a propor horas depois. Para o maior encontro diplomático do século, não foi um bom começo.
No seu comunicado de abertura, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, catalogou a ideia de “estarmos no bom caminho” como uma total “ilusão”. E quando os primeiros acordos desta cimeira começaram a vir a público, percebeu-se o porquê da sua desilusão.
Na terça-feira, 100 das 197 partes envolvidas na COP26 assinaram o compromisso de parar e reverter o desmatamento de cerca de 85% das florestas mundiais até 2030. A Declaração das Florestas veio dedicar 19,2 mil milhões de dólares à preservação de área florestal, mas deixa no ar mais perguntas do que respostas.
A declaração é fiável?
Este não é o primeiro acordo a tentar reverter o desmatamento. Em 2014, durante a Cimeira do Clima das Nações Unidas (o segundo maior encontro sobre o tema depois da, e este ano em paralelo com, a COP) em Nova Iorque, assinou-se uma primeira Declaração das Florestas. Teve mais de 200 organizações apoiantes, tanto do setor público, como do privado. Juntas prometeram reduzir o desmantelamento em 50% em 2020 e acabar por completo com o problema já em 2030. O desmatamento não parou de aumentar nos últimos sete anos.
Os assinantes são fiáveis?
Um dos principais visados é o Brasil, país com a segunda maior área florestal no mundo. País também liderado pelo presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro, uma das grandes ausências da cimeira.
Num vídeo enviado aos organizadores da COP26, o presidente brasileiro diz comprometer-se a acabar com o desmatamento ilegal até à próxima década. Mas o seu próprio governo é mundialmente conhecido por ter permitido a subida exponencial da desflorestação da Amazónia nos últimos anos. Segundo o Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE), só entre janeiro e agosto deste ano, a floresta amazónica perdeu 102,42 km² para a mineração.
O INPE, um instituto federal, não diferencia nos seus dados o desmatamento legal e ilegal. Pouca, se alguma, fiscalização ocorre em zonas indígenas ou de conservação, cuja demarcação a administração de Bolsonaro tem vindo a promover em prol da mineração nesses territórios. Números da Imazon (Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazónia) mostram a icónica floresta tropical a perder mais de 10,476 km² entre 2020 e 2021. Muitos ativistas e investigadores alertam que a destruição pode ser ainda maior que os dados oficiais deixam transparecer.
Estamos a proteger o que é para ser protegido?
Se bem que a declaração de terça-feira mencione o "uso sustentável da terra", a ONU e as suas comissões ainda não fazem distinção entre uma floresta repleta de biodiversidade e uma mata de eucaliptos no coração da Beira Litoral. Há florestas na Europa – Portugal não é exceção – que se destinam quase que exclusivamente à produção industrial de produtos de consumo doméstico. A União Europeia, da qual muitos dos assinantes fazem parte, depende fortemente das paletes de madeira como substituto do carvão para produção de energia. Não se sabe se a luta contra o desmantelamento protege as florestas mundiais ou dá carta branca à industria da madeira para expandir.
Já a Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, foi uma carta fora do baralho ao apresentar o Compromisso Global de Metano. A guinada no discurso sobre as emissões de gás metano – tantas vezes ignoradas pela diplomacia climática – é bem vinda. O CH4 tem um efeito vinte vezes superior ao dióxido de carbono no que toca ao aquecimento global. Mas se para uns o objectivo de reduzir em 30% as emissões de CH4 na próxima década é promissor, para outros existe o receio do Compromisso vir desviar a atenção da longa batalha já travada na redução de emissões de CO2.
Entre terça e quarta-feira começou a investida do setor privado, e em especial do financeiro. Num anúncio extremamente espalhafatoso, o antigo governador do Banco de Inglaterra, Mark Carney, veio dizer ao mundo que até então não tinha havido "dinheiro suficiente no mundo para costear a transição" para energias renováveis até 2050. Mas, apontou Carney, graças a uma heróica coligação de bancos e fundos de investimento – entre eles a CGD e a gigante BlackRock – há agora 1.3 triliões de dólares em ativos dedicados ao erradicar das emissões de gases de efeito de estufa.
No entanto, há dúvidas consideráveis sobre a viabilidade do programa – voluntário e não fiscalizado – e sobre as consequências que o anúncio terá nas negociações das contribuições de cada país, as famosas NDCs.
“As somas avançadas pelo sector financeiro parecem promissoras, mas precisamos ter certeza de que os governos não irão privatizar a ‘transição verde’ confiando que os mercados mostrarão o caminho", disse Simon Youel da campanha Positive Money ao Setenta e Quatro. "Uma transição verde verdadeiramente justa deve ser impulsionada por acção governamental e não pode depender de um greenwashing lucrativo aos investidores privados."
Outros grupos alertam para como os valores apontados não serão utilizados naquilo que é de facto necessário fazer para mover as economias mundiais para processos de zero teor carbónico.
Aos olhos da mais famosa ambientalista do século XXI, Greta Thunberg, esta COP pode ainda não ter chegado ao fim mas já é a cimeira "mais 'excluinte' de sempre". Ou, como escreveu no Twitter na quinta-feira: "Isto já não é uma conferência sobre o clima. Isto é um festival de greenwashing para o Norte Global. Uma celebração de duas semanas dos negócios do costume e de blá, blá, blá."
#COP26 has been named the must excluding COP ever.
— Greta Thunberg (@GretaThunberg) November 4, 2021
This is no longer a climate conference.
This is a Global North greenwash festival.
A two week celebration of business as usual and blah blah blah.
O português Martim Pocinho é uma das dezenas de milhares de pessoas que se irão manifestar este sábado pelas ruas de Glasgow contra as alterações climáticas. Pelo mundo haverá 200 eventos idênticos, 100 dos quais dentro do Reino Unido. A liderar a marcha, que passará em frente da COP26, vai estar não só Greta como também as jovens activistas Vanessa Nakate e Mitzi Jonelle Tan.
Mas ainda antes dos protestos que se avizinham já o Martim está em modo de campanha. Veio desde Manchester até Glasgow de bicicleta com um grupo de amigos. Uma viagem de 400 quilómetros que não foi nada fácil. "É mais ou menos (como) de Faro a Coimbra, então puxa um bocado, mas era o que queríamos", disse o jovem de 33 anos. O Martim e os quatro amigos com que viajou fazem parte da iniciativa Ride The Change (Guia A Mudança) que desafiou centenas de pessoas a pegarem nas bicicletas e a dirigirem-se para a Escócia. O pelotão veio de Londres numa viagem de mais de 700 quilómetros.
"Somos jovens um bocado preocupados com o meio ambiente e com o impacto dos humanos no ambiente", acrescentou o Martim. "[Temos] Um impacto desde a revolução industrial e acho que estamos numa época muito importante onde, se calhar, ainda podemos travar um bocado esse impacto."
A viagem de bicicleta tenta chamar a atenção para essa luta e "para se criar um diálogo", explicou. Depois de seis dias de viagem, Martim chegou a Glasgow na quinta-feira à noite com uma pegada de CO2 nula. Ao contrário da grande maioria, senão todos, os líderes mundiais que prometem combater as alterações climáticas.