O que é a COP, a conferência das Nações Unidas dedicada às alterações climáticas, e que peso tem nas decisões sobre o futuro do planeta? Ao longo da história, momentos como o do Acordo de Paris pareciam ser positivos, mas os avanços foram lentos e os compromissos ignorados. O que acontece, afinal, na cimeira mais importante da crise climática que vivemos, e o que pode ser diferente desta vez?
Entre os dias 31 de outubro e 12 de novembro, grande parte do mundo vai estar virado para Glasgow, na Escócia, onde vai decorrer a COP26. É ali que se decide, durante vários dias de negociações (algumas com sessões abertas, outras à porta fechada), de que forma cada país vai contribuir para a neutralidade carbónica e a diminuição de emissão de gases com efeito de estufa. Este deveria ser o tema principal da cimeira, mas a amplitude das negociações e temas em cima da mesa vão ser extensíveis a outras questões e passam por outras prioridades.
A COP26 em Glasgow estava marcada para 2020, mas foi adiada devido ao surto de covid-19. A situação do mundo, entretanto, piorou. Os países mais pobres estão mais vulneráveis, os países mais ricos estão mais preocupados em recuperar uma economia pós-pandemia. Este é o momento em que as nações apresentam os seus planos nacionais, compromisso previsto no Acordo de Paris em 2015 (em que se definiu que os Estados apresentam planos de cinco em cinco anos).
São chamados de NDC (nationally determined contributions) e o objetivo da sua elaboração é o corte de emissões até 2030 e medidas de adaptação ao impacto das alterações climáticas. Vão estar presentes mais de 120 líderes mundiais e mais de 25 mil delegados dos 197 países que compõem a COP. É o maior encontro diplomático na Grã-Bretanha desde a II Guerra Mundial.
As expectativas são muitas, não só para o enquadramento global da descarbonização, como também para o da transição energética, que apesar de lenta, é inevitável, e que representa uma grande transformação na sociedade, tanto a nível de produção como de consumo. Mas qual será, de facto, a realidade apresentada por cada nação? E quais serão as estratégias financeiras?
O Protocolo de Quioto, em 1997, foi a primeira tentativa de formalizar compromissos entre nações. O objetivo era que os países desenvolvidos reduzissem 5% das emissões de gases com efeito de estufa até 2012.
Vamos começar por falar de uma ausência crucial. O presidente Xi Jinping já avisou que não vai estar presente. A China é o maior emissor de gases com efeito de estufa e pretende aumentar a exploração de carvão (segundo a Agência Internacional de Energia, em 2021 a procura deste combustível, aquele que mais lança dióxido de carbono para a atmosfera, aumentou em 60%, e esta procura inclui também países da Europa). Dificilmente a China vai assumir compromissos de diminuir as emissões, mesmo com todas as compensações em desenvolvimento tecnológico para captar CO2 e investimento nas energias renováveis.
O país faz parte do G20, o grupo que representa os países que emitem 80% dos gases com efeito de estufa – China em primeiro lugar, seguido dos Estados Unidos e da Índia. Franz Timmermans, vice-presidente da Comissão Europeia, visitou antecipadamente os líderes da Índia e da Indonésia. John Kerry, responsável pelas negociações a este nível na administração de Joe Biden, vai encontrar-se com representantes da Rússia, da China, da Arábia Saudita e do México. Antes da COP26, o grupo G20 vai encontrar-se numa summit em Roma, nos dias 30 e 31 de outubro.
Estes esforços diplomáticos são necessários, embora muitas vezes frágeis. No ano passado, Donald Trump avisou que estava fora do Acordo de Paris, demarcando-se de elaborar um plano ou sequer de se preocupar com o aumento da temperatura global. Este ano, uma das primeiras ações de Joe Biden após assumir a presidência dos EUA foi reintegrar o país no Acordo de Paris e organizar uma cimeira online sobre o tema das alterações climáticas.
Este pode ser o grande fator de mudança geopolítica e de influência para as decisões e planos de outras nações. No entanto, é um dos países que pretende aumentar a produção de energia a partir de combustíveis fósseis nos próximos anos - tal como a Austrália, Brasil, Canadá, China, Alemanha, Índia, Indonésia, México, Noruega, Rússia, Arábia Saudita, África do Sul, Emirados Árabes Unidos e Reino Unido.
A COP (Conferência das Partes) teve a sua primeira edição em Berlim, na Alemanha, em 1995. Antes disso, a UNFCCC (United Nations Framework Convention on Climate Change; Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas,em português) foi criada em 1992, no Rio de Janeiro, Brasil, e entrou em vigor em março de 1994. Quase todos os países do mundo fazem parte desta convenção (atualmente são 197 partes).
A COP é a reunião anual onde as partes avaliam o crescente aumento de emissões de gases com efeito de estufa e consequente aumento da temperatura global. Perante os dados oficiais (fornecidos por relatórios das Nações Unidas e pelas estatísticas de cada nação) são debatidas as questões relacionadas com as causas antropogénicas deste aumento de emissões e negociadas as estratégias globais para a sua diminuição.
Com sede em Bona, na Alemanha, a UNFCCC é também o quartel-general das políticas climáticas, onde se coordenam os encontros oficiais, as negociações diplomáticas, a elaboração de documentos e relatórios anuais e os planos e direitos de emissões de gases com efeito de estufa de cada país. A presidência da COP tem uma rotatividade entre as diferentes regiões das Nações Unidas. Este ano cabe à Grã-Bretanha.
A mensagem do Peoples’ Summit é muito clara: quem mais sofre com a letargia das decisões políticas e financeiras são os países e as comunidades mais desfavorecidas. É a estas pessoas que a organização quer dar voz.
O Protocolo de Quioto, em 1997, foi a primeira tentativa de formalizar compromissos entre nações. O objetivo era que os países desenvolvidos reduzissem 5% das emissões de gases com efeito de estufa até 2012 – em relação aos números de 1992. As negociações foram tão mediatizadas que ainda hoje fazem parte da memória coletiva. Bill Clinton não conseguiu convencer o Congresso e o protocolo avançou sem o apoio dos Estados Unidos, mas entretanto, no decorrer dos anos em que se tentava atingir os valores estabelecidos em Quioto, concluiu-se que estavam muito aquém do necessário. Foi esse o momento da História em que as emissões de CO2 passaram a ser uma realidade negociável, cotada no mercado bolsista e negociada entre nações.
Foi necessário chegar a 2015 para se voltar a ter esperança e definir-se compromissos. No Acordo de Paris, as partes estabeleceram o objetivo de limitar o aumento de temperatura acima dos níveis pré-industriais e não passar dos 1,5ºC. Para assegurar esta meta, cada país comprometeu-se a delinear um plano de corte de emissões e de adaptação ao impacto das alterações climáticas, assim como de apoio aos países mais desfavorecidos.
Nessa altura, já começavam a ser visíveis as consequências das alterações climáticas. Os fenómenos extremos como tempestades, incêndios florestais, degelo e ondas de calor davam sinais de não darem tréguas nas próximas décadas. Os avisos dos cientistas ganharam forma, deixaram de estar remetidos a estudos de projeções que para muitos eram algo pouco palpável e incerto.
Com a perspetiva de um aumento de temperatura muito maior do que o expectável e com impactos mais graves do que os previstos, foi definido que a cada cinco anos as nações têm de apresentar as NDC, planos que incluem a redução de emissões. O ano de 2020 teria sido o primeiro, seguido de 2025 e 2030, quando a redução de emissões deveria chegar aos 55% em relação a 1990.
A grande base que serve de avaliação são os relatórios do IPCC (sigla inglesa para Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas), para os quais centenas de cientistas reúnem dados e pesquisas que fundamentam a situação atual e aquilo que se prevê caso o aumento de emissões se mantenha. Formada em 1988, inicialmente como World Meteorological Organization, esta organização já produziu centenas de relatórios específicos e seis abrangentes (realizados em 1991, 1995, 2001, 2007, 2013 e 2021).
O último relatório, publicado em agosto, confirma que a crise climática é causada pela atividade humana e o impacto tornou-se irreversível em vários casos. O aumento de temperatura é inevitável e terá uma média de 1,5ºC até 2040. Ou seja, as consequências vão durar centenas de anos, mesmo que se cumpram agora os objectivos do Acordo de Paris.
Por outro lado, o relatório sobre lacunas de emissões de 2021 (Emissions Gap Report), divulgado recentemente pelo Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUA), mostra que as medidas apresentadas nos NDC não são suficientes para travar a subida da temperatura global em 1,5ºC.
As propostas de cortes nas emissões apresentadas já por 121 países que estarão na COP estão longe do objetivo (reduzir em 55% as emissões globais até 2030) e as conclusões demonstram que a subida de temperatura, neste contexto, pode atingir os 2,7ºC até 2100. Resta ainda conhecer os planos NDC da China, da Índia e da África do Sul, três dos grandes poluidores, para que este relatório esteja verdadeiramente completo.
São esses números que também fazem parte da grande expectativa para a COP deste ano. Por enquanto, prevê-se um aumento da produção de petróleo, do gás e do carvão, e um investimento global de apenas 20% nas energias renováveis.
Houve ao longo da História outros momentos de esperança que acabaram em grandes falhanços nas cimeiras da COP. Em 2009, em Copenhaga, com Barack Obama na administração norte-americana, o mundo vivia uma crise económica comparável à Grande Depressão, nos anos 1920. Apesar de tudo, a postura de Obama parecia ser a de preocupação com o aumento da temperatura global e a responsabilidade dos Estados Unidos como um dos maiores emissores de gases com efeito de estufa no mundo.
No final de duas semanas onde se reuniram milhares de pessoas, o documento de duas páginas apresentado (discutido à porta fechada pelos líderes e representantes dos EUA, China, Índia, Brasil e África do Sul) era muito modesto, demasiado para aquilo que era esperado. Apenas se reconhecia que as alterações climáticas são um problema que deve ser combatido, e que um aumento de temperatura de 2ºC em relação aos níveis pré-industriais é o limite suportável para a vida no planeta. Nada de compromissos.
Os outros países (ao todo eram então 193) limitaram-se a assinar. Obama saiu de Copenhaga com as metas que já tinha anunciado: de redução de emissões em 17%, enquanto a União Europeia se comprometeu com um corte entre 20% a 30%. Da COP15 saiu também um documento de apoio de 100 mil milhões de dólares por ano aos países mais desfavorecidos a partir de 2020 – o ano passado esses apoios reduziram-se a 80 mil milhões de dólares, e essa é uma das questões que estará em discussão este ano.
Atualmente, vivemos um período idêntico à crise financeira de 2009. De uma forma geral, o contraste entre as declarações dos líderes políticos e as suas ações continuam gritantes. Vive-se também outra situação semelhante a 2009: as tensões entre a China e os EUA. Por essa razão, e por ser o primeiro ano em que serão apresentados os planos de cada parte, a COP26 tem uma importância idêntica à do Acordo de Paris. No entanto, para as Nações Unidas, todas as edições são cruciais, e todos os anos assistimos a alguma frustração por parte desta organização mundial após o fecho das negociações.
Desde a realização da última COP, realizada em Madrid, os avanços foram poucos. A própria cimeira acabou por ser pouco produtiva e cada vez mais com contornos com feira de “soluções verdes”, onde a banca e as empresas trocam interesses e farejam novos investimentos – o dos seguros relacionados com o impacto alterações climáticas é um dos exemplos.
Desde aí, os avisos do secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, têm sido vários. O objetivo de atingir a neutralidade carbónica e a redução de emissões em 55% até 2030 está longe de ser alcançado. Antes pelo contrário, tem aumentado.
“Uma semana antes da COP26, ainda estamos no caminho para uma subida de temperatura catastrófica de 2,7ºC. Os cientistas são claros nos factos. Os líderes precisam de ser igualmente claros nos seus planos para evitar uma catástrofe climática”, escrevia no Twitter há poucos dias.
A 11 de outubro, Patrícia Espinosa, secretária-executiva da UNCC, dirigiu uma carta aos líderes e ministros dos países LDC (Least Developed Countries) num apelo ao cumprimento de planos. “A emergência climática novamente levou à morte e destruição em todo o mundo. Não preciso dizer isto – as nações menos desenvolvidas continuam a ser afetadas indevidamente, apesar de contribuir muito pouco para as emissões gerais”, escreveu Espinosa.
“O Relatório do IPCC, divulgado no início de agosto, mostrou que, a menos que haja reduções rápidas, sustentadas e em grande escala das emissões de gases de efeito estufa, a meta do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global a 1,5ºC será cada vez mais difícil de alcançar, a menos que ajamos imediatamente para reduzir emissões de gases de efeito estufa em todo o mundo. O Relatório de Síntese do NDC, uma avaliação de todos os planos nacionais de ação climática, mostrou que, sob nosso caminho atual, as temperaturas podem subir para 2,7 ° C, o que terá resultados devastadores para a humanidade.”
A perspetiva é devastadora para aqueles que lidam de perto com a oscilação de intenções e ações concretas por parte dos decisores políticos e dos países mais poluidores. A urgência climática é agora. Durante a pandemia, assistimos a um corte de 5,4% das emissões de gases com efeito de estufa, mas na verdade a atmosfera estava a concentrar um novo recorde de 413,4 partes por milhão, um nível nunca registado em dois milhões de anos.
Paralelamente à edição da COP, todos os anos organizações não-governamentais, associações ambientalistas e entidades várias reúnem-se naquilo que se chama Peoples’ Summit, ou contra-COP. Partilha-se conhecimento, criam-se laços, estabelecem-se redes de trabalho e promovem-se alternativas globais e locais.
A contra-COP é uma iniciativa civil que se organiza de forma estruturada e conta com várias colaborações. Além de debates, encontros e conversas, decorrem ações na rua que juntam todos os movimentos. Na COP26, essas ações terão momentos mais fortes nos dias 6 e 7 de novembro.
De uma forma geral, aquilo que este evento pretende é ouvir os jovens, os ativistas, os povos indígenas, os investigadores e todos aqueles que se juntam em movimentos pela justiça climática – incluindo as organizações portuguesas Greve Climática Estudantil e a Climáximo, fundadora do Acordo de Glasgow. Este acordo pretende usar a desobediência civil como alerta para os governos e instituições internacionais e apresenta dados estatísticos que contradizem as divulgações oficiais.
A mensagem do Peoples’ Summit é muito clara nas suas exigências e baseiam-se totalmente na ciência. Têm uma visão global do problema, porque entendem que este é um problema global. Mas mostram que quem mais sofre com a letargia das decisões políticas e financeiras são os países e as comunidades mais desfavorecidas. É a estas pessoas que a organização quer dar voz.
Este ano, a Coalition terá novos aliados, que se juntam não só nos encontros como nas manifestações de rua. Um deles será o movimento Peace & Justice, organizado por Jeremy Corbyn, ex-líder trabalhista, que terá a sua sede no Websters Theatre nos dias 8, 10 e 11 de novembro e no Southside Community Centre de Edimburgo no dia 9. Corbyn será o anfitrião das sessões, que terão a presença de várias personalidades internacionais. Vão acontecer conversas, workshops e performances, uma delas intitulada “Climate Justice Cabaret”.
O programa da COP26 tem cinco temas principais: adaptação e resiliência; natureza; transição energética; transportes; e finanças. Durante as duas semanas do evento, cada dia será dedicado a um dos assuntos, sendo que além destes cinco, haverá também um dedicado ao empoderamento dos jovens e educação e outro dedicado à igualdade de género.
Estes são os temas satélite, mas, na verdade, aquilo que se pretende é analisar as metas de cada país para o corte de emissões de gases com efeito de estufa, assim como definir o valor a pagar pelas emissões de CO2 no mercado de carbono, negociáveis entre nações – há Estados que usam os valores das emissões que não produzem para pagarem partes das suas dívidas soberanas, por exemplo.
Para os ativistas pela justiça climática, o facto de a adaptação ser um dos temas principais da COP é um mau sinal. Significa que de uma forma geral há um sentimento de resignação.
O facto de a adaptação ter um grande destaque, transversal também a outros temas, tem dividido opiniões. Para as organizações oficiais, é a grande oportunidade para traçar planos urgentes e dirigir apoios aos países que serão mais afetados geograficamente.
Como explicava Patricia Espinosa, secretária das Relações Exteriores do México, “a COP 26 também é uma oportunidade para fortalecer os planos nacionais de adaptação, o principal instrumento de adaptação que todos os LDC começaram a formular e implementar. A COP, por exemplo, pode solicitar ao Fundo Verde para o Clima que avance o apoio para a implementação desses planos nacionais de adaptação".
No dia 6 o tema será a natureza e o uso do solo, uma questão que se coaduna com a adaptação às alterações climáticas. Muitas das soluções baseadas na natureza passam também pela mitigação e adaptação. Se os captores de carbono terrestres e marítimos forem preservados, os países estarão a fazer a sua parte no caminho da neutralidade carbónica. O impacto das mudanças que estamos a viver vai ter os seus custos financeiros.
Essa é talvez a razão de este ponto ser tão desenvolvido. A agricultura, a indústria, a construção, o turismo, todos os setores da economia, devem passar por uma nova legislação e regras de uso do solo. Além disso, uma das grandes mensagens explícitas nos relatórios das Nações Unidas é que sem preservar e restaurar os ecossistemas, não vale a pena criar tecnologias para captar dióxido de carbono.
Para os ativistas pela justiça climática, o facto de a adaptação ser um dos temas principais da COP é um mau sinal. Significa que de uma forma geral há um sentimento de resignação, e que mais importante do que cortar as emissões, é procurar oportunidades de negócio nas formas de mitigação e adaptação.
Serão vários dias de conversas, comunicações e debates, de manifestações, de um entra e sai desenfreado da zona azul, exclusiva aos inscritos, e da zona verde da COP, que recebe o público em geral. No final, como sempre, o mais importante será o compromisso firmado entre os grandes responsáveis pela emissão de gases com efeito de estufa. Com a apresentação dos planos nacionais, esse compromisso torna-se vinculativo.
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