Blood & Honour Portugal

BLOOD & HONOUR PORTUGAL

Os Blood & Honour Portugal são o chapter (filial) português da rede internacional neonazi Blood & Honour. O chapter foi criado a partir de uma outra organização, a Ordem Lusa, com o patrocínio de neonazis espanhóis. Dedica-se a organizar concertos neonazis no Porto duas a três vezes por ano. O nome da organização refere-se ao slogan da Juventude Hitleriana “sangue e honra”.

A rede internacional neonazi nasceu no Reino Unido na década de 1980 a partir da junção de várias bandas do circuito bonehead (skinheads de extrema-direita) – Skrewdriver, Brutal Attack, Sudden Impact, No Remorse e Squadron.

"Haverá eventualmente uma guerra racial e temos que ser fortes em número suficiente para vencê-la. Morrerei para manter este país puro e se isso, no final do dia, significar derramamento de sangue, assim será" - Ian Stuart, fundador da Blood & Honour

A organização foi fundada e liderada por Ian Stuart Donaldson, vocalista da banda Skrewdriver, e teve como motivação imediata a desilusão sentida entre a extrema-direita britânica com o National Front, onde desde 1978 as bandas racistas mantinham um circuito de música com o Rock Against Communism (RAC), opositor do circuito antifascista Rock Against Racism.

Stuart e os outros vocalistas rebelaram-se contra o National Front acusando-o de caminhar na direção da tolerância racial. Criaram então os Blood & Honour, reorganizando o circuito musical da extrema-direita britânica, já então internacionalizado por Stuart.

Os Blood & Honour sofreram um duro golpe quando, em 1993, Stuart morreu num acidente de viação. A partir daí, o grupo neonazi Combat 18 (C18), criado para atuar como braço armado e de segurança nos concertos, assumiu as rédeas da organização.

Em 1996, muitas das bandas envolvidas nos Blood & Honour acusaram os C18 (entretanto banidos por terem sido classificados como uma organização terrorista) de lucrarem com a sua música e houve uma cisão que ainda hoje se sente na extrema-direita britânica mais violenta. Uma fação manteve-se leal à ideia de promover a supremacia branca através da música, enquanto a outra favoreceu uma abordagem bem mais extremista: praticar ações terroristas e assassinatos.

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Revista da Blood & Honour Reino Unido nº5
Fanzine da Blood & Honour Reino Unido nº5

Esta divisão fez-se sentir em vários países, como nos Estados Unidos, onde também houve a rutura da filial inicial em duas organizações distintas. No entanto, esta cisão esteve omissa em Portugal pela simples razão de não existir uma filial em solo nacional e, quando passou a existir, ser patrocinada pelos Blood & Honour Espanha, que se tinham mantido fiéis à ideia da promoção da supremacia branca através da música, apesar de também terem membros do C18.

Nasce o chapter em Portugal

Só no final do século XX é que Portugal teve uma filial desta rede neonazi em solo nacional. Em 1998, Miguel Temporão, condenado a dois anos de prisão por ofensas corporais voluntárias na noite do assassínio do militante do Partido Socialista Revolucionário (PSR) José Carvalho, em 1989, aceitou a supervisão dos Blood & Honour espanhóis para a Ordem Lusa, na altura uma das principais organizações da extrema-direita portuguesa, se transformar na filial oficial em solo nacional.

No primeiro número da sua fanzine, de 2001, a Ordem Lusa declarou que “existe para promover e defender a cultura portuguesa e europeia, bem como para apoiar a cultura skinhead”, referindo “não ter objetivos políticos” ao manter a distância do Partido Nacional Renovador (PNR, hoje Ergue-te!), fundado em 2000. Uma orientação que se alinhava perfeitamente com a dos Blood & Honour.

Por sua vez, na sua primeira fanzine, de outubro de 2004, os B&H Portugal apresentaram-se com um artigo intitulado “quem somos e o que fazemos”. A publicação entrevistou duas bandas, uma delas os Ódio, que veio a ser integrada nos Portugal Hammerskins (PHS) fê-lo antes dos confrontos com os PHS – e elogiou Rudolf Hess, figura destacada do regime nazi de Adolf Hitler.

Os partidos de extrema-direita portuguesa nunca deram uma importância de relevo à música como forma de intervenção política e desde o fim do Movimento de Ação Nacional (MAN), em 1992, que a subcultura bonehead carecia de um projeto político que albergasse as várias bandas e grupos.

Daí ter existido em Portugal uma ausência de simbiose entre partidos de extrema-direita e a subcultura musical Oi! (um subgénero do punk rock), pois os primeiros nunca sentiram necessidade de usar a música como meio para atrair jovens e os segundos tiveram falta de vontade em fazer a transição da música para a política organizada, escreveram os politólogos Riccardo Marchi e José Pedro Zúquete no artigo académico The other side of protest music: the Extreme Right and Skinhead Culture in democratic Portugal (2074-2015), de 2016.

Terá sido essa uma das razões para a desconfiança de muitos grupos de boneheads em relação ao surgimento do Partido Nacional Renovador, em 2000, recusando qualquer aproximação formal com o partido. Ainda assim, alguns membros destas bandas, como é o caso do antigo presidente da Causa Identitária e baterista da banda LusitanOi!, Duarte Branquinho, marcaram presença na apresentação do novo partido de extrema-direita.

Nesta altura, a Ordem Lusa era um dos grupos de extrema-direita mais ativos. Divergências no seio do movimento skinhead levaram-na a entrar em confronto direto com a Irmandade Ariana, fundada por Mário Machado nos estabelecimentos prisionais de Lisboa e Caxias entre 1995 e 2000.

A Irmandade Ariana adquiriu consistência e começou a chegar às ruas à medida que os skinheads presos pelo assassínio de Alcindo Monteiro, em 1995, em Lisboa, saíam da prisão, tornando-se hegemónica, escreveu o politólogo Fábio Chang de Almeida no artigo académico A direita radical em Portugal: da Revolução dos Cravos à era da internet, de 2015.

Enquanto a Ordem Lusa se aproximava dos britânicos Blood & Honour, a Irmandade Ariana aproximou-se dos seus rivais, os americanos da Hammerskin Nation. Machado gizou uma estratégia para se tornar hegemónico entre a extrema-direita mais violenta e um primeiro passo era a cooptação ou a eliminação dos seus rivais.

Machado queria, através da Frente Nacional e dos Portugal Hammerskins (PHS), ligar o universo bonehead ao PNR, à semelhança do que acontece ainda hoje com o alemão neonazi NPD, por exemplo. Daí que tenha, em 2003, criado e integrado a banda Ódio (mudou depois de nome para Bullet38 – significa Bala Crossed Hammers) nos PHS – a banda apenas conseguiu lançar um CD, “Morte aos traidores”, representando um falhanço face ao sucesso de outras bandas do circuito.

A hegemonia e o crime organizado dos PHS, não esquecendo os confrontos com os B&H, fragilizaram o campo dos nacionalistas ao atrair a atenção da Polícia Judiciária. Daí que em 2009, quando os PHS perdiam a força de outrora, devido à atenção das autoridades judiciais, alguns nacionalistas tenham aproveitado a ocasião para finalmente os denunciar, ainda que de forma anónima, em blogues criados para o efeito.

Foi o caso do blogue “Nacionalistas Contra a Delinquência 2”, fazendo-o com grande pormenor de nomes, locais e intenções. 

Citando excertos da referida denúncia anónima do dia 13 de abril de 2009:

“No que toca a intimidação e agressões por parte da PHS a outros Nacionalistas o historial é longo. Inclui facadas a elementos da B&H Espanha e da Ordem Lusa em 2002. Em 2004 uma “visita” a casa de um elemento da B&H/C18 Portugal, na qual agrediu o elemento e ameaçou a sua família, acabando mesmo por o agredir, no mesmo ano registou-se ainda a agressão ao vocalista da banda Endovélico”.

“Agressões e “visitas” a casas de vários nacionalistas em Lisboa e na margem sul em 2005 foram uma prática corrente. Já em 2006 na mata de Alvalade o Mário Machado disparou sobre dois nacionalistas da margem sul, o Fernando e o Luís.”

“À B&H Portugal a PHS tentou extorquir parte das receitas dos concertos e da venda de material nacionalista, invadiu um supermercado no Porto onde trabalhava um membro da B&H e também ameaçou as famílias dos membros da B&H.”

“Em 2008 e 2009 continuaram a espalhar o terror no seio da família nacionalista Portuguesa, ameaçaram de morte vários nacionalistas e as respetivas famílias, inclusivamente membros da Volksfront Portugal e ex-membros da PHS, como o Paulo “Bootboy” e o Pedro “Arduno” (que roubou os “negócios” ao Mário Machado enquanto este estava detido) e agrediram vários camaradas à porta do conhecido Disorder.”

Esta versão é corroborada, na sua generalidade, pela Polícia Judiciária. “[OS PHS] tentavam aglutinar outros movimentos. Uns por negociação, outros por intimidação”, disse em tribunal o inspetor-chefe da PJ Pedro Prata, citado pelo Correio da Manhã. O inspetor-chefe explicou que 12 membros dos PHS se dirigiram ao Porto com o intuito de “ajustar contas com o movimento Blood & Honour”, sediado em Matosinhos.

Atualmente, os PHS e os Blood & Honour já não estão em guerra, tendo dividido o território nacional entre si. Os primeiros estão sediados em Matosinhos, no Porto, cabendo-lhes no geral o norte do país, enquanto os segundos estão concentrados em Lisboa, ficando com o centro e sul de Portugal.

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Revista nº1 da Blood & Honour Portugal, de 2001
Revista nº1 da Blood & Honour Portugal, de outubro de 2004

No entanto, era suposto ter havido em maio de 2020, em Lisboa, um concerto com bandas nazis. Devido à pandemia o Governo decretou o encerramento de fronteiras, impedindo a sua realização. Não se sabe quem estava a organizar o evento, além de uma página de Facebook chamada Lisbon Gig, mas as bandas convidadas – a japonesa Agrroknuckle, a espanhola Thumbscrew e a britânica Tank Turret, a que se juntariam “convidados especiais” vindos da Escócia, estão ligadas ao movimento Rock Against Communism, com fortes ligações ao grupo neonazi Blood & Honour.

Um dos emails para a compra de bilhetes liga a Lisbon Gig a uma editora discográfica de extrema-direita não registada legalmente e que se dedica aos géneros punk e rock and roll: a Discos de Merda. Tem apenas uma página no site de música Discogs. Já o evento internacional foi criado e é gerido pela Hostile Class Records, sediada em Burbank, Illinois, Estados Unidos, e em Valência, Espanha. Está na lista dos grupos de música de ódio da Southern Poverty Law Center.

Mas houve um concerto anterior, organizado a 2 de novembro de 2019 em Matosinhos, no Porto, pelo Blood & Honour Portugal. O cartaz contou com as bandas neonazis alemãs Blutzeugen e Sachsonia, a britânica Whitelaw, a norte-americana Post Mortem e a francesa Match Retour. A maior parte está ligada ao circuito do Rock Against Communism.

Os B&H organizam concertos duas a três vezes por ano (antes da pandemia de covid-19). Têm cerca de duas dezenas de membros e, nos últimos anos, têm vindo a recrutar mais, sabe o Setenta e Quatro, mas a pandemia de covid-19 veio limitar a organização de concertos. Não se lhes conhecem, como acontece com os PHS, atos violentos nas ruas portuguesas, o que não é o caso além-fronteiras.

No seu relatório anual de 2019, a Europol alertou para a existência de ligações internacionais do B&H. “Em Portugal, o Blood & Honour, o Portugal Hammer Skins e o recém-criado movimento neonazi Nova Ordem Social estão ativos tanto a nível nacional como internacional”, lê-se no documento.

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