Movimento de Acção Portuguesa

MOVIMENTO DE ACÇÃO PORTUGUESA

O Movimento de Acção Portuguesa (MAP) rivalizou com o Partido Nacionalista Português pelo título de formação política mais radical entre a extrema-direita portuguesa. Foi fundado entre maio e junho de 1974 por dois reputados intelectuais fascistas, Florentino Goulart Nogueira e Rodrigo Emílio Alarcão Ribeiro de Melo, e nunca se constituiu como partido. Foi ilegalizado na sequência da intentona do 28 de Setembro de 1974.

No início de maio de 1974, quando a Revolução de Abril dava os seus primeiros passos, a extrema-direita portuguesa estava desnorteada e sem rumo, ainda a digerir as alterações nas relações de poder introduzidas pelo recém-nascido regime democrático. Mas isso não a impediu de dar os primeiros sinais no caminho de reorganização.

“Integralistas em matéria de fé, integralistas em ordem à doutrina, integracionistas quanto ao Ultramar.” – Emílio Rodrigo na obra Em Nome do MAP, de 1975

A componente maioritária da direita nacional-revolucionária tinha aderido aos planos federalistas do general António de Spínola; a minoritária, por sua vez, recusava qualquer cedência à democratização de Abril, principalmente no que dizia respeito às colónias.

Esta ala minoritária, representada por Rodrigo Emílio e Goulart Nogueira, ambos poetas, deu origem ao MAP e marcou uma linha de continuidade relativamente aos setores ultra do Estado Novo, que na fase final da ditadura tentaram travar a chamada Primavera Marcelista.

O MAP assumiu sem rebuço o seu ideário antidemocrático e colonialista, reclamando a herança teórica do Integralismo Lusitano, movimento tradicionalista monárquico e que esteve na origem ideológica dos Camisas Azuis de Rolão Preto. O objetivo do movimento era “fazer infletir o rumo trágico dos acontecimentos desencadeados pelo 25 de Abril” e todo o seu Manifesto programático se opôs aos princípios da Revolução de Abril, assumindo um profundo cariz anticomunista.

Uma das maiores dificuldades em abordar o MAP prende-se com a escassa documentação disponível sobre o mesmo. Esta realidade impede-nos, ao contrário do que é possível fazer em relação aos outros partidos de extrema-direita que existiram entre maio e setembro de 1974, de ter uma perceção clara acerca da sua estrutura, do seu corpo dirigente, dos seus quadros, do seu programa político e da sua real influência.

Com efeito, um dos poucos documentos de que dispomos para compreender o Movimento foi editado depois da sua ilegalização e dissolução e redigido, sem surpresas, por Rodrigo Emílio.

O movimento nasceu no seguimento de uma reunião fracassada entre o general Kaúlza de Arriaga, um dos principais líderes militares dos ultras, e jovens radicais, entre os quais Rodrigo Emílio, na sede da Junta de Energia Nuclear, em Lisboa, para criar um partido, conta o politólogo Riccardo Marchi no livro À Direita da Revolução - Resistência e Contra-Revolução no PREC [1974-1975]. Não houve pontos de convergência suficientes, marcados por desconfianças entre Kaúlza e os jovens radicais, mas nem por isso deixaram de continuar a reunir-se. 

Houve uma segunda reunião no mesmo local, agora com o general a dizer que os grupos económicos Champalimaud, Mello e Espírito Santo, apoiantes da ditadura fascista, estavam disponíveis para apoiar a criação de vários partidos coordenados entre si para travar a Revolução de Abril e a percecionada ameaça comunista. Foi mais uma garantia para mostrar que a ideia de um novo partido, ou de vários, tinha pernas para andar. E um dos financiadores do MAP foi mesmo Kaúlza, revela-nos Marchi.

Por fim, numa terceira reunião, Kaúlza convidou Rodrigo Emílio, que também veio a destacar-se como ideólogo do Movimento de Acção Nacional (MAN), a criar um partido de extrema-direita que ajudasse os restantes a ficarem sem o rótulo de fascistas. Emílio aceitou a ideia, mas começou a atuar de forma autónoma, organizando várias reuniões para se criarem os alicerces desse novo projeto político.

O intelectual de extrema-direita e o seu círculo político próximo consideravam que a guerra civil em Portugal era uma inevitabilidade por causa do avanço da esquerda revolucionária. Acreditavam que a democracia nascida da Revolução de Abril era ainda mais persecutória e intolerante do que o regime ditatorial deposto. E, portanto, argumentavam ser necessário prepararem-se para esse confronto o mais rapidamente possível, estabelecendo contactos com financiadores de peso, com militares de extrema-direita e com os restantes partidos que estavam a ser criados. Tudo isso sem nunca pôr em causa a integridade territorial do Portugal “pluricontinental”.

Esta posição era acompanhada por uma significativa desconfiança para com a elite do Estado Novo. Corriam, na altura, informações de boca em boca de que a elite fascista sabia estar previsto um golpe para o dia 25 de Abril de 1974 e que nada fez para o impedir. Um dos nomes apontados para essa inoperância foi precisamente o do chefe da ala militar dos ultras, Kaúlza de Arriaga.

Além disso, nos últimos anos do Estado Novo, chegou inclusive a falar-se de um golpe de Estado palaciano liderado pelo general para travar a abertura feita pelo Presidente do Conselho de Ministros, Marcello Caetano, mas o militar recusou-o publicamente a posteriori, em junho de 1976. Não obstante, os indivíduos que vieram a criar o MAP estavam a preparar-se para um eventual golpe que levasse à destituição de Caetano.

Entre dezembro de 1973 e janeiro de 1974, este grupo começou a criar os seus primeiros “poços de armas”, com explosivos e detonadores, em Alcochete. O material militar veio dos quartéis militares da Legião Portuguesa e dos arsenais particulares, diz Marchi. Material, acreditavam, que poderia ter sido usado para travar o golpe do Movimento dos Capitães, mas as lideranças militares do regime fascista faltaram à chamada, desertaram.

Foi neste contexto político de desilusão e desconfianças mútuas que Rodrigo Emílio estabeleceu a sede do MAP na Rua Borges Carneiro, numa antiga instalação do Secretariado Nacional de Informação. A Comissão Central do Movimento foi composta por si, por Luís de Sena Esteves e por Alberto Correia de Barros, enquanto António José de Brito ficou responsável pelo Porto e António José Almeida pelo Comité Nacional de Acção Revolucionária (CNAR). Este último funcionava como braço armado do MAP, que se dedicaria aos confrontos de rua e manifestações e que acabou por fazer apenas pichagens com simbologia nacional-socialista. 

No seu Manifesto Programático, aditado ao livro Em Nome do MAP, de Rodrigo Emílio e publicado em 1976, o movimento não tem qualquer pudor em se opor ao que a Revolução de Abril representava, ao contrário de outras forças políticas de extrema-direita que tentavam usar um discurso reacionário mais velado.

O MAP defendia a unidade nacional, ou seja, opunha-se à independência das colónias porque “a perda temporária dessa independência, as mutilações ou fragmentações que quaisquer forças imponham à nossa Pátria, são contrárias à existência livre e una do Povo Português”; era apologista da autoridade e da ordem, propondo que os partidos internacionalistas fossem ilegalizados; subordinava os direitos dos indivíduos ao interesse da comunidade; repudiava o “dogma da luta de classes”; condenava o espírito de divisão partidarista; e, por fim, defendia a libertação da cultura, isto é, rejeitava o alegado domínio do marxismo na sociedade e nas suas instituições.

Situação que, defendia, vinha já do anterior regime.

Este último ponto faz-nos recordar o atual discurso de muita direita portuguesa sobre a suposta hegemonia do “marxismo cultural”. “A ditadura intelectual da esquerda, que data já do anterior regime, encontra-se agora em vias de institucionalização, estendendo-se em plenitude às escolas e a toda a vida portuguesa. É necessário combatê-la, mediante a reestruturação da cultura autêntica, com base na disciplina da inteligência, na reflexão metafisicamente aprofundada e no desprezo por modos e superficialidades facciosas – uma cultura, por definição, nacional-universalista”, lê-se no Manifesto Programático do MAP.

O MAP dedicou-se a recrutar militantes entre os grupos nacionais-revolucionários e da defunta Legião Portuguesa, numa tentativa de aglutinar os ultras do Estado Novo. Alguns dos legionários mais conhecidos aderiram ao movimento, como Vasco Centeno Barata, José Rebordão Esteves Pinto, Walter Ventura e Delfim Fuentes Mendes. Mas a grande adesão, e que confirmou as ligações do MAP às altas esferas do salazarismo aos olhos da esquerda, foi a atribuição da presidência honorária do movimento a Guilherme Braga da Cruz, antigo reitor da Universidade de Coimbra. Guilherme é pai de Manuel Braga da Cruz, reitor da Universidade Católica entre 2000 e 2012.

Ao contrário de outras forças da extrema-direita portuguesa, o MAP recusou qualquer aproximação à política spinolista de criação de um projeto federalista para as colónias e Rodrigo Emílio chegou mesmo a tecer duras críticas ao general. Considerava-o o principal responsável pela “tragédia sem nome que se abateu sobre a flagelada Terra Portuguesa”. Mas a influência do movimento até à intentona golpista do 28 de Setembro foi reduzida, pois ainda se encontrava em fase de estruturação, admitiu mais tarde Rodrigo Emílio.

No rescaldo do putsch falhado, a imprensa noticiou que um dos alvos do plano era Vasco Gonçalves que, alegadamente, seria assassinado. A janela a partir da qual o tiro fatal deveria ter sido disparado por um atirador furtivo situava-se, claro está, na sede do MAP. Mais tarde, veio a comprovar-se que a janela difundida na imprensa, embora se situasse num apartamento do mesmo prédio, não pertencia ao movimento.

Não obstante, a Comissão de Inquérito ao 28 de Setembro considerou o MAP “um grupo de perigosos ativistas que poderia inclusive dedicar-se à prática de ações específicas, das quais se não excluíam mesmo os atentados”.

O MAP foi ilegalizado na sequência do 28 de Setembro. Os seus militantes integraram depois as redes bombistas de extrema-direita, dando-lhes acesso aos “poços de armas”. Estas foram mesmo usadas durante o Verão Quente de 1975.

Jornalismo independente e de confiança. É isso que o Setenta e Quatro quer levar até ao teu e-mail. Inscreve-te já! 

O Setenta e Quatro assegura a total confidencialidade e segurança dos teus dados, em estrito cumprimento do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD). Garantimos que os mesmos não serão transmitidos a terceiros e que só serão mantidos enquanto o desejares. Podes solicitar a alteração dos teus dados ou a sua remoção integral a qualquer momento através do email geral@setentaequatro.pt