"Bairro Meu", um projeto que quer dar ao Bairro Quinta do Loureiro oportunidades para sonhar. Fotografia: Bia, uma das crianças que participou na exposição.
Há 21 anos que os moradores do Bairro Quinta do Loureiro, em Lisboa, lutam contra a exclusão social. O projeto "Bairro Meu" dá rostos e nomes a quem lá vive, faz tela para combater estigmas. Fomos conhecer este lugar que não quer ser apagado do mapa.
“Na Mouraria canta um rufia, choram guitarras/ Amor de ciúme, cinzas e lume, dor e pecado/ Tudo isto existe, tudo isto é triste, tudo isto é fado.” Este era o cantarolar que se ouvia no Bairro Quinta do Loureiro, no Vale de Alcântara, em Lisboa. Não vinha da voz de Amália, mas de uma “alma” fiel que a recorda na sua Rádio. Quitéria de Oliveira, de 91 anos, conhece o bairro como poucos. Só se lembra de viver por aqueles lados. A diferença é que antes chamava-se Casal Ventoso.
À porta da antiga junta de freguesia, agora lugar onde a associação It’s About Impact se localiza, conta que quando era “garota”, subia às cadeiras de sua casa com o xaile da mãe. Voltava-se para a janela e cantava. Cantava como se não houvesse amanhã, porque a probabilidade de voltar a acontecer era quase nula. “Neste lugar éramos sempre colocados à prova”, disse.
Não se lembra da última vez que foi à escola, mas repetia “tim-tim por tim-tim” o que ouvia. Reconhece que precisavam de uma ajuda para poder sonhar mais alto. E continuam a aguardá-la.
Assinalando mais de 20 anos da requalificação do bairro Casal Ventoso, o luto por um lugar que Lisboa quis apagar do mapa continua. Desde o final da década de 90 que a transição dos bairros resultantes do Casal Ventoso – Quinta da Cabrinha, Quinta do Loureiro e Ceuta Sul - se foi construindo aos poucos. Agora já não se veem tendas amontoadas ou lixo por toda a parte. Os moradores dizem que se sente tensão. Medo, nem sempre. No entanto, os temas que continuam a estar na ordem do dia colocam o bairro num lugar distante do que ele é realmente. Vítor Santos, morador e ativista de velha guarda, desabafa que “nem tudo se resume à droga, aos conflitos e à sujidade”.
Envolvido numa rua paralela de dois edifícios que ligam a zona, é no centro do bairro que as cadeiras e mesas viram local de convívio. As paredes estão pintadas de murais. Alguns deles são memoriais de quem por ali passou. Outros representam algo que está por dizer.
Voltar à “ilha” no centro de Lisboa, onde o que o rodeia é bem mais agitado do que as águas do mar, o Bairro Quinta do Loureiro tem vindo a transformar-se, mas há um medo que nasce de novo: o estigma.
Este lugar foi pensado como o recomeço que todos esperavam. Ainda assim, isso não se verificou. As caras que se conheciam durante anos e anos deixaram de se ver. A degradação dos lotes habitacionais tornou-se cada vez mais real e, apesar da palavra proibida – a droga - não rondar as portas, as rusgas não deixaram de fazer parte do dia-a-dia.
Para João Santos, um dos jovens que faz do olhar a sua arte, o medo chega-lhe do outro lado: a polícia. Ainda não passou por situações semelhantes, mas alguns dos seus amigos já foram alvo de revista. O pequeno João tem 14 anos e os amigos rondam a mesma idade.
Na escola, não gosta das brincadeiras que outros colegas lhe propõem. “Eles começam a pedir para transportar coisas, como saquinhos pequenos com terra ou para pegar em objetos que não são nossos e levá-los.”, conta.
Antes de participar no workshop que completou uma das primeiras fases do projeto “Bairro Meu”, lecionado pelo fotógrafo premiado Daniel Rodrigues e que partiu da associação It’s About Impact, não tinha sonhos. Hoje, não se enche de meias medidas no que toca às suas ambições. Quer ser fotógrafo profissional, mas não quer que aquela seja a sua morada quando for mais velho.
A experiência do jovem não é única. Ao longo desta visita, pessoas locais identificam situações de rusga que acontecem regularmente, todas elas sem a presença de um parente ou tutor. “Os miúdos assustam-se. O medo é-lhes implícito neste tipo de ações que, quanto sei, são ilegais”, denunciam ao Setenta e Quatro.
No código Penal, o artigo 175º deixa esta questão clara: “a revista deve respeitar a dignidade pessoal e, na medida do possível, o pudor do visado.” Lê-se também que “a autoridade policial deve proceder à revista preventiva a menores sujeitos a internamento num centro tutelar ou a quem deseje lá entrar (...) E ainda noutras circunstâncias justificadas em função do seu grau de segurança.”
A presença de forças de segurança naquele local não é novidade para ninguém. No entanto, para os que procuram paz num lugar que continua a dar largos passos de evolução comunitária e para a associação que trabalha com o objetivo de desmistificar o medo e a exclusão social em que aquele bairro se insere, “torna-se difícil presenciar coisas destas”.
Perto do coração da cidade, a Quinta do Bairro do Loureiro encheu os vários lotes e andares com os seus 395 novos moradores. Nasceu do outro lado da avenida. Foi o segundo bairro a ser construído para efeitos de realojamento, uns metros abaixo de onde estava edificado o Casal Ventoso. Entre o final dos anos 1998 e 2002, o realojamento decorria.
Aqui, ouvem-se os carros a passar. Não há muito ruído, mas o burburinho é algo que não falha. As senhoras que cantam também conversam tempos a fio, até ao telefone. Irene Castro, de 75 anos, gosta de vir para a rua conversar com quem está do outro lado da linha. Diz ser agradável. “Enquanto tiver alguém que me ajude a subir e a descer, continuarei a fazê-lo.” É como a voz. Promete cantar até que a voz lhe doa. O mesmo acontece com as presenças regulares nos vários cafés das esquinas dos lotes habitacionais. Das cartas aos relatos de futebol, os moradores entram de lábios cerrados, mas não é algo que dure muito tempo.
Continuamos a percorrer o bairro. Avizinhava-se um percurso repleto de beatas, pastilhas elásticas já entranhadas no solo e sacos vazios. Quem nos continuou a acompanhar foram a Ana Marta Carvoeiro e o pequeno João. Fazíamos esta caminhada no início do mês de dezembro, mas Carvoeiro recordava como seria se fosse no Verão: “costumavam colocar pequenas piscinas com água para as crianças e, enquanto foi possível, tínhamos um galinheiro e um pequeno espaço com hortinhas. Os animais da quinta também continuavam por lá e eram cuidados sempre que havia responsáveis disponíveis."
No Loureiro tenta-se reanimar a vida bairrista que se foi perdendo. O projeto “Bairro Meu” é reflexo disso. O fio condutor que se foi estruturando entre gerações - começando na fotografia, seguindo-se o fado, o vídeo e a arte urbana – não substitui o que era rotina na encosta, no entanto, une quem vive no bairro, rodeado de estigmas.
Quando José Godinho, presidente da junta de Freguesia de Alcântara, visitava o antigo bairro, os curiosos não se deixavam ficar para trás. Para quem não procurava vender ou consumir estupefacientes, "o Casal Ventoso era um segredo bem guardado da encosta." Poucos lá entravam, porque nem se atreviam. Desde 1983 que o autarca ocupava o cargo.
As instituições municipais e o entretanto extinto Gabinete de Reconversão do Casal Ventoso seriam os responsáveis por dar início a este processo de transferência. A ideia terá partido no primeiro mandato de Jorge Sampaio, com a coligação de PS e PCP na Câmara Municipal de Lisboa (CMP). O objetivo autárquico era a “eliminação das barracas na cidade” e teve aval no governo de Cavaco Silva.
O cenário era “degradante”. Vítor Santos, morador que acompanhou toda a evolução do bairro, afirma que, naquela altura, a decisão terá sido unânime. Nasceu no bairro. Pisa aquele chão há mais de 55 anos, “34 no antigo e 21 no novo bairro.”
Pertencente ao Lisboa Futebol Clube (LFC) e tendo trabalhado com diversos projetos no local, como é o caso do “Bairro Meu” e o “Projeto Alkantara”, identifica queixas das famílias que ali residem. “A transição foi dura, até pela forma como foram distribuídos pelos diferentes núcleos habitacionais. Não digo que esta transição não fosse necessária, no entanto, era importante um maior acompanhamento e trabalho no território para que estas pessoas, ainda que realojadas, não se sentissem sem chão”, explica.
Ainda que as críticas dos locais, que reclamam o facto do processo de realojamento não ter tido em conta as suas necessidades de bem-estar, acompanhamento social e de inclusão, o relatório internacional de 2015 do Central Europeu de Monitorização das Drogas não concorda. Aponta algumas políticas concretizadas em Lisboa positivamente, entre elas, a reconversão do Casal Ventoso.
“O meu bairro sou eu.” Estas são as palavras que soam e que cruzam um destino comum: o bairro.
Apesar deste estar a “chegar à idade adulta”, os problemas antigos ainda se mantêm. Além do ambiente nebuloso entre residentes e entidades municipais - que reconhecem ter melhorado - o tráfico e consumo de droga não desapareceram totalmente. Mesmo que em proporções menores, desde 2019 que os moradores dizem que há andares e casas alugadas para os consumidores, ainda que o contrato habitacional de cada inquilino preveja a anulação do acordo caso tal se verifique. No caso da Quinta do Loureiro, chegam a ocupar os átrios dos apartamentos.
O telefone toca. Do outro lado é Vítor Santos. A primeira vez que se cruzou com o Setenta e Quatro foi na Biblioteca Cinema Europa, durante a apresentação da exposição de fotografias do “Bairro Meu”, da autoria de jovens moradores entre os 7 e 14 anos. Ouviram-se “urras” do LFC que recebeu também um prémio por se manter em primeiro lugar nos campeonatos locais. Nesse dia não faltavam brilhos nos olhos e sorrisos que marcavam qualquer um que por lá passasse. Quer a ministra da Cultura, Graça Fonseca, quer os representantes da junta de freguesia de Campo de Ourique louvavam as iniciativas. Já o presidente da assembleia-geral do clube, fiel à casa habitual, orgulha-se do percurso que os mais jovens estão a fazer.
Os pequenos e as pequenas ainda andam na escola. Perceberam que gostam mais das artes e do futebol do que das aulas de matemática. Já têm mais ou menos ideia do que querem fazer. A luz certa, o obturador pronto e os muitos planos possíveis a aproximarem-se. Tudo era estranho, mas interessante. É nesta caminhada que continuam a tentar combater o estigma que já lhes vem “cravado” mesmo antes de nascerem, porque “na verdade, este não é só um bairro”.
A partir do estudo de impacto do ISCTE, realizado em 2021, estima-se que, no que toca à escolaridade, apenas 19,4% da população residente neste bairro frequenta o ensino.
Da carrinha branca de metadona que lá passa todos os dias à sala de consumo vigiado de drogas, as crianças questionam. Envolvido com elas nas mais diversas atividades, Vítor refere que para si é algo alarmante: isto continua a perpetuar a ideia de que neste bairro tudo se resume ao mesmo. Talvez esta sala de consumo seja uma alternativa, ou um meio de deixar de parte o que já estava.”
O psiquiatra Rodrigo Coutinho, da Associação Ares do Pinhal, que teve uma intervenção essencial no Casal Ventoso, avançou em entrevista ao Diário de Notícias, em 2019, que “o problema da droga nunca será erradicado. Podemos é ter uma situação mais controlada”. Acompanha os consumidores e ajudava na sua reconversão. Esta ideia não é contestada pelos moradores. Reconhecem, sim, que existe um problema, no entanto, quer as associações que trabalham no local, quer eles mesmos não pretendem que isto seja a memória que ficará futuramente do Bairro Quinta do Loureiro.
“O problema da droga é algo que me incomoda, mas não é só aqui. É por Lisboa inteira. Vais ao centro da cidade, nas grandes zonas metropolitanas e perguntam-te se queres haxixe. É importante fazer uma intervenção na cidade em geral”, reitera Vítor.
Demolir o Casal Ventoso foi, em tempos, a ideia de que a droga em Portugal desapareceria. Ainda assim, o bairro que agora mora do outro lado da Avenida de Ceuta continua a ser alvo dos mesmos adjetivos. Para combater o mesmo é preciso “as entidades políticas, as associações e os órgãos de comunicação remarem para o mesmo lado. E não digo fazer algo sensacionalista, mas não alimentar a ideia de que os bairros são outsiders”, considera Jwana Godinho, diretora da associação It’s About Impact.
Ana Marta Carvoeiro é o reflexo de uma associação que está na Quinta do Loureiro há pouco mais de dois anos. Sob a direção de Jwana Godinho, a It’s About Impact é a união entre o universo artístico e cultural e o impacto social. Depois de surgir uma chamada por parte do Portugal, Inovação Social, a ideia de intervir em bairros a partir de intervenções artísticas no local ganhou vida. “A ideia é que as artes funcionem como um todo. E que a partir deste todo, possam ser catalisadoras de uma reinserção social”, explica a diretora da associação.
Funciona como uma “espécie” de criação de pilotos que, posteriormente possam ser aplicados através de políticas públicas. Trabalham numa perspetiva direta e local que se complementa com os estudos de medição do impacto realizados a partir do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE), universidade com quem têm parceria. É no dia-a-dia que partilham vivências e que percebem “humanamente” como se vive naquele bairro, de que se trata e tudo o que pode receber de bom com a participação artística ativa.
“O propósito das residências artísticas é também projetar do que de bom aqui [bairro] se vive. Esperamos ouvir, daqui a uns anos, um artista dizer ‘eu fiz esta obra no Bairro Quinta do Loureiro’ sem qualquer sacrilégio à mistura”, continua.
Segundo os mediadores de impacto dos estudos realizados, com cerca de 950 indivíduos e 370 famílias, a população que habita o bairro cresceu substancialmente desde 2011. É possível perceber que a maioria das famílias que habitavam o bairro em 2021 já lá residem há mais de 20 anos. Fala-se de um número que ronda as 235 famílias, tendo o seu contrato de habitação sido estabelecido no ano de 2001, aquando do realojamento.
Entre os anos de 2002 e 2014, foram realizados apenas 23 contratos de habitação que, consequentemente, perduraram até 2021. A partir de 2015 até 2017 o número de famílias que começaram a habitar o bairro aumentou ligeiramente para 92. Já nos últimos três anos apenas 19 novas famílias lá entraram.
Ainda presente no estudo, verifica-se que a idade dos moradores que residiam na Quinta do Loureiro em 2021 registava uma maior concentração de população na faixa etária dos 25 aos 64 anos (estatística que rondava os 44,5%). Seguia-se a faixa etária da população com idades superiores a 64 anos, o corresponde a cerca de 30% da população residente.
Os mais novos, até aos 24 anos, constituíam 21,1% da população do Bairro, sendo que a mesma aumenta em função da idade, desde o seu nascimento.
Neste “raio-x” à população que habita na Quinta do Loureiro verifica-se também que a maioria dos moradores do Bairro têm nacionalidade portuguesa. Cerca de 94% da população ocupa este lugar, sendo que pouco mais 2% apresenta nacionalidade estrangeira, oriunda de países como Estados Unidos da América, Brasil, Cabo Verde, São Tomé, Angola e Guiné-Bissau. Ainda assim, o mesmo estudo ressalva que uma percentagem corresponde a 3,5% dos residentes no Bairro não têm qualquer informação disponível no que respeita à nacionalidade.
No que toca às condições de ocupação das casas estes mediadores dizem-nos que desde 2011 a maioria dos alojamentos familiares de residência habitual, quer em Campo de Ourique quer na Quinta do Loureiro, são arrendados (54,3% e 97,8%, respetivamente). No Bairro apenas 1,8% dos alojamentos tem o proprietário como ocupante, o que equivale a quatro alojamentos.
Ao longo desta análise e em conversa com os moradores percebemos ainda que a distribuição da população não chegou a todas as frentes. “Não avaliaram as situações das pessoas que estavam no estrangeiro ou presas. Quando regressaram ao bairro não encontraram as suas casas”, explicam.
E isso, segundo Vítor Santos, é um processo que não tem melhorado: “passaram 20 anos e não conseguimos dar habitação a todas as pessoas.”
O mesmo estudo reforça ainda que as áreas dos alojamentos familiares têm uma dimensão entre os 50 e os 100 metros quadrados. Uma realidade que nem sempre foi e é assim. Cerca de 21% dos alojamentos, em 2011, correspondiam a uma área inferior a 50 metros quadrados. Estas casas apresentavam condições básicas de habitação, mas havia um “quase” sempre presente no estudo. “O quadro da freguesia apresenta-se quase com a totalidade dos alojamentos com água, retrete, esgotos e banho. Do total de 10 354 alojamentos familiares de residência habitual existentes na freguesia, 17 não dispõem de água, 31 de retrete, dez de esgotos e 151 não de banho”, lê-se no estudo de impacto.
No contexto do Bairro, 225 alojamentos familiares de residência habitual estão equipados com as condições descritas.
Apesar de a zona estar rodeada de construções do século XX, os 11 edifícios que dão vida à Quinta do Loureiro assinalaram o fim de um período de “rejuvenescimento” da zona. Entre 1981 e 2011 o número de novos edifícios não rondava uma percentagem acima de 8%.
Estes edifícios, erguidos ainda hoje, estendem-se até ao sétimo piso. Está longe de “tocar no céu”, mas para Quitéria Oliveira e Irene Castro é uma missão quase impossível todas as vezes que o elevador avaria. Durante a nossa conversa foram "os garotos" que a ajudaram a subir até chegar à entrada. “Iam dar duas de conversa”, diziam.
Vítor Santos é uma das pessoas que tem reivindicado a situação. “É verdade que as entidades de direito não quiseram dialogar connosco desde a fase inicial do processo. Ao longo dos últimos 20 anos alojaram jovens casais nos pisos térreos e estas senhoras continuam a depender de um elevador que são mais as vezes em que avaria do que as que funciona”, afirma indignado.
Desde os desdobramentos de casas para as famílias, às rendas que não são ajustadas a um bairro social, podendo atingir os 290 euros por mês, atualmente, as desigualdades mantêm-se. Os moradores reconhecem que na altura da transição houve situações que foram ignoradas, principalmente pela Câmara Municipal de Lisboa.
O morador que vive há mais de duas décadas na Quinta do Loureiro destaca ainda as desigualdades perante quem chega, uma vez que as rendas apenas rondam os cinco e dez euros. Este é um dos fatores “deficitários” que têm debatido e que a Câmara Municipal continua a não querer ouvir, de acordo com o mencionado.
“Há condições que temos aqui que nunca tivemos no bairro antigo.” Vítor, como pede para ser tratado, assim como os outros moradores concordam que nos últimos seis anos a realidade melhorou. No entanto, esta é também uma mudança que se deve “à alteração do presidente da junta de freguesia de Alcântara, que ajudou”, afirmam.
Pedro Costa, também conhecido por ser filho do Primeiro-Ministro António Costa, tem motivado estas melhorias. “Ao que parece a segurança melhorou; os transportes públicos já funcionam dentro do bairro, a higiene urbana está muito melhor, temos um parque desportivo e um parque infantil para os miúdos. As coisas estão a melhorar, pouco a pouco”, continua Vítor Santos. Mas esta é uma realidade que nem sempre foi assim.
“O Bairro Meu” foi uma lufada de ar fresco. Quem o diz são os 14 pequenos aprendizes que viram as suas fotografias expostas - entre eles, João, Bia, Daniela Oliveira, Enzo, Eva, Daniela Garcia, Maria, Rodrigo, Tiago – e quem aparece na hora de ponta em frente à junta da freguesia para recordar o momento de inauguração da mesma. O fotógrafo Daniel Rodrigues, português premiado pelo World Press Photo, deu a estas crianças e adolescentes uma oportunidade que de outra forma não teriam: uma máquina analógica para a mão, a aprendizagem com um dos mais conceituados no mundo da fotografia e a promessa de uma exposição onde todos poderiam ver os seus olhares. Algo que considera ter contribuído para a sua realização como profissional e como pessoa. “Ver o sorriso daquelas crianças quando disparavam a analógica. Ouvirem o som e sorrirem acatados como se o barulho fosse influenciar na fotografia são momentos que levo para sempre gravados na minha memória. Não os vou deixar. Aliás, não os quero deixar”, sublinhou.
Retrato a retrato, o projeto desafiou miúdos e graúdos deste bairro de Campo de Ourique a sonhar através das artes e a perspetivar um futuro diferente. É sobre um “segundo olhar” perante um bairro “que ninguém vem”.
Enquanto finalizávamos a nossa conversa com os rostos que deram vida a esta ideia e nos levaram a percorrer histórias e conhecer lugares, decidimos recordar a chegada do Setenta e Quatro ao local.
Eram quase 15 horas quando avistamos o bairro. As ruas pareciam vazias, mas não o estavam. Ouviam-se risos vindos do outro lado do prédio. Prestes a cruzarmos a rua da antiga junta de freguesia, o motorista que nos conduzia até lá recusou-se a parar. “Não a vou deixar aqui”, disse.
Ao longo dos últimos quatro anos foram diversas as viagens que o mesmo motorista fez até este bairro, mas durante aqueles 20 minutos, tempo que nos levou a lá chegar, apenas soube afirmar que não era seguro e que não iria deixar-nos dentro do bairro. Insistimos. Parou e aguardou 15 minutos. No final daquela visita os pequenos e os graúdos conversavam sobre o seu trabalho que como a dona Quitéria diria, “não deve ser pêra doce”. Um pedido de desculpas foi feito e o motorista estava incluído.