Protesto Auchan

Trabalhadores do Auchan acusam empresa de retaliações por terem feito greve

Há meses que trabalhadores do My Auchan na Amadora recusam a exigência da empresa de assumirem a limpeza da loja. Denunciam retaliações que vão da transferência para outra loja até ao despedimento e consideram estar a ser perseguidos por fazerem greve. Auchan rejeita acusações.

Capital/Trabalho
13 Julho 2023

Quase 50 pessoas juntaram-se na segunda-feira, 10 de julho, numa ação de protesto em frente ao Auchan da Amadora. Em causa estão as alegações de oito trabalhadores: dizem-se alvo de perseguição pela empresa. O protesto, composto por trabalhadores, sindicalistas e populares, formou um aparato que condicionou a circulação do trânsito nas ruas Elias Garcia e António Correia.

Enquanto uma pequena mas potente coluna de som, à porta, emitia palavras de ordem gritadas ao microfone - “Auchan, escuta: os trabalhadores estão em luta” - a loja mantinha-se aberta e a funcionar, já com novos funcionários, mas nas duas horas e pouco que o protesto durou não terão entrado mais de meia dúzia de clientes.

Em causa está a suspensão com intenção de despedimento por justa causa desses oito trabalhadores, depois de terem feito três greves contra os baixos salários praticados pela empresa, os horários de trabalho desregulados e, especialmente, a exigência de adicionarem às suas variadas tarefas a obrigação de garantir a limpeza geral da loja.

Essa exigência tem sido feita a todos os funcionários das lojas Auchan, segundo o Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal (CESP). Em janeiro, a cadeia de supermercados dispensou as suas equipas de limpeza. No caso da loja na Amadora, as limpezas eram levadas a cabo por uma única funcionária que trabalhava quatro horas por dia.

Assim, a limpeza dos corredores, do chão da loja, das casas de banho, da área social, dos parques de estacionamento, dos balneários e dos caixotes do lixo passou a estar a cargo dos operadores de loja. “Fizeram pressão para fazermos a limpeza. Não tentaram nenhum acordo, não perguntaram se queríamos ou podíamos. Poderiam fazer uma adenda ao contrato, pagar-nos mais para fazermos a limpeza”, disse ao Setenta e Quatro Carlos Fansoni, um dos trabalhadores suspensos. “A equipa recusou e a empresa começou com retaliações. Primeiro com as ameaças de transferências. Deixámos de poder trocar horários sem justificação.”

Ainda que o protesto desta semana se tenha debruçado sobre a situação específica no My Auchan na Amadora, o CESP tem vindo a denunciar o aumento de inclusão de tarefas de limpeza a fundo nas responsabilidades dos trabalhadores de retalho, como acontece no caso dos supermercados Lidl. Para o sindicato, as grandes cadeias de retalho têm ainda criado constantes entraves aos direitos de livre associação e de greve dos seus trabalhadores, fragilizando a democracia nos locais de trabalho.

Emily Ambrósio, trabalhadora em part-time, também suspensa, considera que a equipa não conseguiria “cumprir todas as suas funções se também tivesse de fazer a limpeza”. “Acabámos por fazer as limpezas básicas da loja. Quando a loja está suja, nós limpamos, mas eles querem limpezas a fundo”, acrescenta Fansoni. Depois da recusa dos trabalhadores, continua Ambrósio, “foi ladeira abaixo”. Houve um braço de ferro.

Três meses depois das limpezas lhes terem sido atribuídas, os trabalhadores da loja avançaram, a 18 de março, com uma primeira greve quase total que levou a loja a fechar, argumentando que as limpezas não deveriam ser feitas por si. A empresa, dizem os trabalhadores, ignorou-os, o braço de ferro manteve-se e, a 24 de abril, o Auchan instaurou processos disciplinares aos trabalhadores que se recusaram a fazer a limpeza geral da loja. Os trabalhadores recorreram e os processos acabaram por ser arquivados, mas a contestação não se ficou por aí.

Os trabalhadores voltaram a entrar em greve no 1º de Maio, esta convocada pelo CESP, mantendo as suas exigências: aumento geral dos salários, horários regulados e fim da exigência da limpeza da loja pelos operadores de supermercado. A adesão à greve foi maior que na anterior e, para evitar o encerramento da loja, denunciou o sindicato, a empresa substituiu os grevistas por trabalhadores de outras lojas, o que é ilegal de acordo com o Código de Trabalho. Seguiu-se mais uma greve, a terceira, a 28 de junho, desta vez com menos trabalhadores, com a loja a manter-se aberta.

Uma semana depois, a 5 de julho, os responsáveis da empresa comunicaram aos trabalhadores que fizeram greve de que seriam transferidos para outras lojas longe da sua área de residência. Como reação a esta decisão da empresa, os trabalhadores convocaram um plenário, encerrando a loja para o efeito. A empresa chamou a PSP e os funcionários foram identificados, dizendo-se “intimidados”.

“A presença da polícia foi bastante desagradável. Fui intimidada, fui identificada, supostamente porque fechámos a loja. A empresa foi informada que iria haver plenário naquele dia, não tomou as medidas necessárias porque não quis”, disse Lídia Jesus, uma das trabalhadoras que participou no plenário. “Foi triste. Foi uma baixeza muito grande da Auchan, e uma falta de respeito para com os trabalhadores. É indigno o que estão a fazer connosco.”

O choque não se ficou por aqui. Dois dias depois do plenário, a delegada sindical, eleita no plenário, e outros dois trabalhadores receberam uma carta a informá-los da intenção de despedimento. Os restantes trabalhadores receberam-nas durante o fim-de-semana. “Falámos com os recursos humanos da Auchan. Eles disseram ‘ou limpam ou têm processo disciplinar’. E nós vamos lutar até às últimas instâncias. Fomos chantageados. Tivemos orientações da nossa advogada para não aceitar mais reuniões. Nas reuniões que tivemos, eles tinham testemunhas, e nós não”, conta Eloísa Ângelo.

No caso da delegada sindical, a empresa acusou-a de ter “adotado comportamentos que, a confirmarem-se, são suscetíveis de configurar uma violação muito grave dos seus deveres laborais, nomeadamente do dever de obediência às ordens e instruções da empregadora e dos superiores hierárquicos, (…) e suscetíveis de colocar em causa a confiança que a Empresa em si deposita”. A carta termina informando-a de ter sido “deliberado instaurar-lhe Procedimento Disciplinar com vista ao seu despedimento com justa causa”, com “suspensão preventiva” por a sua presença na empresa ser “inconveniente para a preservação de um são ambiente de trabalho”.

“Estamos indignados. Eles não têm razão para nos fazer isto. Sempre fizemos um excelente trabalho. Nós cuidávamos de tudo aqui na loja, agora tratam-nos assim e não percebemos porquê”, disse ao Setenta e Quatro Eloísa Ângelo, a delegada sindical visada. A insatisfação não começou agora, apenas ganhou uma nova dimensão com as exigências de limpeza: “Há um descontentamento que já vem de há algum tempo. Os meus colegas estão há cerca de quatro anos na empresa. Já receberam prémios e bónus, que depois foram cortados. No Natal passado, não houve bónus nenhum. Os benefícios foram sendo cortados. Vi os meus colegas desmotivados”.

O CESP tentou reunir-se com a empresa para tentar chegar a um acordo, mas, diz, não obteve qualquer resposta – a última reunião aconteceu a 22 de maio, onde se discutiu o assunto, sem que se encontrasse uma alternativa. Dois dias depois, a delegada sindical recebeu a carta de intenção de despedimento.

Contactada pelo Setenta e Quatro, a Auchan refutou “totalmente as acusações de que é alvo”, recusando que os despedimentos estejam relacionados com o exercício do direito à greve. “Os oito colaboradores em causa recusam-se a cumprir as suas atividades profissionais, tarefas essas que são desempenhadas por todos os cerca de 8900 colaboradores da Auchan. Como consequência dessa situação, estão a decorrer dois processos disciplinares”, lê-se nas respostas escritas. “Há mais de dois meses que esta situação dura, já tendo sido advertidos os referidos colaboradores várias vezes sobre a não execução de tarefas.”

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