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Munther Amira é um preso político

A prisão de um ativista pacífico e assistente social que se dedica a trabalho comunitário é um sinal inequívoco dos extremos a que chegou a ocupação israelita. Munther Amira é um preso político, como a maioria dos palestinianos detidos nas prisões israelitas sem direito a acusação ou julgamento. É um prisioneiro de consciência e tem de ser libertado.

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28 Dezembro 2023

Arrombaram a porta de casa, depois a do quarto onde dormia. O palestiniano Kareem acordou com vários soldados israelitas a apontarem-lhe as lanternas das suas espingardas de assalto. Arrancaram-no da cama e algemaram-no violentamente, com um dos soldados a bater-lhe no peito. Levaram-no para o jardim, em direção à casa do irmão, o ativista comunitário Munther Amira, onde foi espancado até ser forçado a subir umas escadas, escorregar e bater com a cabeça num pilar. Desmaiou e não se lembra de mais nada.

Aconteceu esta segunda-feira, 18 de dezembro, às 3 horas da manhã, no campo de refugiados palestinianos de Aida, na Cisjordânia. O alvo da operação militar, tudo indica, era Munther Amira, conhecido por toda a Cisjordânia pelo seu trabalho social e de promoção de formas de luta não violenta contra a ocupação israelita. Munther foi detido e desde então nada se sabe sobre ele e o seu estado de saúde, apenas que foi levado para uma base militar israelita nas proximidades.

Não é a primeira vez que Munther é detido. Em dezembro de 2018, foi-o num protesto não violento em nome das crianças e dos adolescentes detidos e aprisionados pelo regime israelita. Amira foi condenado a seis meses de prisão com recurso à chamada Ordem Militar 101, que “proíbe qualquer reunião, vigília, procissão ou publicação relacionada com um assunto político ou suscetível de ser interpretado como político", e ao falso depoimento de um soldado israelita que afirmou ter sido apedrejado por Munther.

Há décadas, principalmente desde a Primeira Intifada (1987-1993), que as operações relâmpago de detenção por militares israelitas se tornaram comuns na vida de milhões de palestinianos. Os militares aparecem na calada da noite, arrombam portas, agridem quem lhes atravessa (ou não) no caminho e detêm quem querem, sem darem qualquer justificação. É uma estratégia para semear o medo permanente.

Os prisioneiros (ou reféns, termo mais adequado) são mantidos em prisões israelitas com leis de Estado de exceção, não conhecem as acusações de que são alvo e, se forem julgados, são-no por tribunais militares. As condições em que são detidos violam os direitos humanos. Podem ser detidos indefinidamente, e qualquer pessoa, incluindo crianças, podem ser vítimas deste sistema judicial opressivo e colonial. Alguns números: estima-se que mais de dez mil crianças palestinianas tenham sido presas nos últimos 20 anos e, desde 20 de novembro, Israel já deteve 880 crianças, diz a revista Time.

O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netenyahu, e o seu governo mais extremista de sempre, aliado a um presidente que diz estarem a defender a “civilização ocidental”, estão a usar os ataques liderados pelo Hamas de 7 de outubro para erradicar os palestinianos da Palestina. Os bombardeamentos e a ofensiva israelita focam-se sobretudo em Gaza, tendo já matado mais de 19 mil palestinianos, milhares deles crianças, mas a Cisjordânia tem sido outro campo de batalha para os militares israelitas. Hospitais já foram bombardeados, casas e estradas destruídas com bulldozers, milhares de palestinianos detidos extrajudicialmente e a violência dos colonos atingiu novos níveis. Tudo com a conivência dos líderes europeus e dos Estados Unidos.

O objetivo de Israel passa por decapitar a resistência palestiniana, não apenas a armada, mas toda. Munther é um dos coordenadores do Comité de Coordenação de Luta Popular, organização que pretende coordenar a resistência não violenta em todos os territórios palestinianos, e faz parte do Centro da Juventude de Aida. Os seus voluntários ajudam as populações indígenas a garantir a sua segurança e o acesso à água, à terra e à educação das crianças e dos jovens. Daí que no final de novembro o diretor desse centro, Anas Abu Srour, também tenha sido detido pelos israelitas.

“Só queremos unir as pessoas, educá-las, explicar-lhes os seus direitos: o direito à liberdade de expressão, de reunião, e de pôr fim à ocupação. Podemos pagar preços muito altos por isso. Lutamos por mais do que a terra. Lutamos por liberdade e dignidade. Por uma democracia que nos dê justiça e paz. Tudo o que não existe, hoje, na nossa terra”, disse Munther Amira em entrevista ao Setenta e Quatro.

A prisão de um ativista pacífico e assistente social que se dedica a trabalho comunitário é um sinal inequívoco dos extremos a que chegou a ocupação israelita. Munther Amira é um preso político, como a maioria dos palestinianos detidos nas prisões israelitas sem direito a acusação ou julgamento. É um prisioneiro de consciência e tem de ser libertado.

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