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Viragem para a direita?

Chega e IL são filhos de Passos Coelho, exercem uma influência crescente num PSD sem resquícios de social-democracia. Ao neoliberalismo do PS, progressista em alguns valores e práticas, opõe-se um neoliberalismo reacionário e autoritário das direitas.

Crónica 74
26 Outubro 2023

A jornalista Ana Sá Lopes defendeu recentemente que “não é fácil ser-se oposição de direita por estes dias”, ao considerar que o governo do PS se teria apropriado do seu programa em matéria de finanças públicas.

Do continuado sacrifício do investimento em infraestruturas e serviços públicos, desta forma cada vez mais degradados, à aposta na redução de impostos diretos, mais progressivos, acompanhado de reforços dos impostos indiretos, mais regressivos, é caso para dizer: não é fácil ser-se defensor de políticas de esquerda por estes dias.

A aposta em novas privatizações – da TAP à EFACEC –, ou numa política de habitação centrada em transferência de rendimentos para os proprietários, sob a forma de benefícios fiscais, por exemplo, só confirmam a orientação neoliberal geral do atual governo.

Esta orientação cria uma necessidade de diferenciação por parte das direitas, dando um novo contributo para um processo de radicalização que vem pelo menos do tempo do governo da troika, cuja herança material e ideológica de resto não foi superada.

Do ponto de vista político-partidário, Chega e IL são filhos de Passos Coelho, exercendo uma influência crescente num PSD já sem resquícios de social-democracia. No fundo, ao neoliberalismo do PS, progressista em alguns valores e práticas, é certo, opor-se-á um neoliberalismo reacionário e autoritário das direitas, cada vez mais atraídas por Meloni e quejandos.

Esta deriva está inscrita no mercado único e na moeda única da União Europeia (UE), na política mais ou menos única no campo da economia política, onde se joga a vida justa ou injusta das classes trabalhadoras. Ao bloquear estruturalmente políticas socialistas dignas desse nome, a UE contribui decisivamente para dar às políticas de direita uma aura de tecno-realismo, o que é meio caminho andado para a vitória.

Juntemos a este quadro mais três elementos, num círculo político vicioso.

Em primeiro lugar, os investimentos ideológicos crescentes de milionários, das televisões aos “stink-tanks” neoliberais, criando um espaço público cada vez mais favorável à radicalização das direitas, até pela censura mediática das propostas da esquerda que não desiste.

Em segundo lugar, uma economia medíocre, mas fortalecida politicamente, assente no nexo estufas-turismo-construção. Assim se produz uma burguesia que vive de salários baixos e que não quer ouvir falar de desmercadorização, seja da força de trabalho, seja da habitação, seja do que for.

Finalmente, uma esquerda – felizmente não toda – que se deixa condicionar por este contexto desfavorável, fazendo propostas cada vez mais temerosas, até porque conformes ao constrangedor quadro europeu.

Esta esquerda bem que podia levar a sério o diagnóstico de um dos ideólogos das atuais direitas, Friedrich Hayek. Em 1949, num período de refluxo do liberalismo económico que lhe era caro, chamava a atenção dos seus companheiros: “Aqueles que se têm dedicado unicamente ao que parece praticável perante o estado atual da opinião descobrem constantemente que até isso se tornou politicamente inviável devido às mudanças numa opinião pública que eles abdicaram de orientar”.

Felizmente, existem mobilizações sociais por uma vida justa, condição necessária para uma viragem à esquerda na opinião pública.

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