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O PISA é bem mais que uma conversa doméstica

Querer interpretar a quebra dos resultados do PISA 2022 como exclusivo de Portugal é como esperar que alguém que se mudou para uma casa no centro da aldeia tivesse, por milagre, sido poupado a uma avalanche que sobre ela se abateu. É ignorar que a descida acontece em linha com a quebra registada na OCDE por causa da pandemia de covid-19.

Crónica 74
7 Dezembro 2023

"Sem precedentes". É assim que a OCDE qualifica a queda generalizada dos resultados na edição de 2022 do PISA (Programme for International Student Assessment), face aos valores médios alcançados pela organização em 2018. São menos 15 pontos a Matemática e menos 10 pontos a Leitura, numa escala de 0 a 1000, quando as pontuações da OCDE nunca oscilaram mais do que 4 pontos nestes domínios, em edições consecutivas do PISA, desde 2020. A literacia em Ciências é a única a não se alterar significativamente.

Portugal acompanha esta tendência de queda significativa de resultados ao nível da OCDE, entre 2018 e 2022, com uma diminuição de 20 pontos a Matemática (-16 na OCDE) e 15 pontos a Leitura (-11 na OCDE). Apenas a Ciências Portugal reduz menos o seu resultado face à quebra do valor médio registado à escala daquela organização (-8 pontos, que comparam com os -12 pontos da OCDE). Seja como for, em qualquer dos casos, e como assinalado no relatório nacional, estamos perante diferenças sem significado estatístico. Ou seja, não relevantes.

A principal causa para esta queda sem precedentes e generalizada de resultados, que se materializa na evolução das médias da OCDE, decorre fundamentalmente, como era de prever, do impacto da pandemia COVID-19 nas escolas, nos alunos e nas suas aprendizagens. De facto, até países que normalmente se destacam nesta aferição comparativa internacional caem nas pontuações. Aliás, em casos como os da Alemanha, França, Países Baixos, Finlândia ou Noruega, essa queda nos resultados é bem mais significativa que a registada em Portugal.

Nada disto impede, contudo, que vários dos nossos liberais de serviço, como Alexandre Homem Cristo ou o líder da Iniciativa Liberal, Rui Rocha, se apressassem a qualificar de "descalabro" a quebra de resultados de Portugal no PISA. Isto é, como se esta fosse uma originalidade da nossa paróquia e como se não tivéssemos todos atravessado uma pandemia. Havendo mesmo quem chegue, como o cratista João Maroco, a apontar o dedo ao fim dos exames do 4º e 6º ano como causa da quebra nos resultados. Sim, os exames do 4º e 6º ano que já quase nenhum país faz, há muito tempo, por essa Europa fora.

Assim lhes escapa, advertida ou inadvertidamente, o traço principal que sobressai da participação de Portugal na aferição internacional do PISA ao longo do tempo. Isto é, o notável percurso de aproximação gradual do nosso país às médias da OCDE nas diferentes literacias, sensivelmente durante a primeira década deste século (que Crato apelidou de "década perdida" da Educação), tendo Portugal partido, em 2000, de uma posição muito desfavorável. E passando, desde então, a fazer parte do conjunto de países com resultados próximos das médias da OCDE, acompanhando-as, como sucede precisamente entre 2018 e 2022.

Por isso, querer interpretar a quebra dos resultados de Portugal no PISA 2022, ignorando que essa descida ocorre em linha com a quebra registada na OCDE, em resultado do impacto da pandemia, é como esperar que alguém que se mudou para uma casa no centro da aldeia tivesse, por milagre, sido poupado a uma avalanche que sobre ela se abateu.

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