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Lisboa: Novas procuras de habitação e recomposição social urbana

No total de casas ocupadas em Lisboa entre 2016 e 2021, cerca de uma em cada cinco foi adquirida ou arrendada por estrangeiros. Esta realidade é indissociável da procura imobiliária internacional e do fenómeno turístico em que a capital se tornou. 

Crónica 74
3 Agosto 2023

Na última década, segundo os censos de 2021, a Área Metropolitana de Lisboa (AML) aumentou em cerca de 1,7% a população residente (2,4% se excluirmos Lisboa), sendo que a capital perdeu aproximadamente 7 mil habitantes (-1,2%). Por nacionalidades, porém, Lisboa regista uma perda de 27 mil residentes nacionais (-5,3%), que é parcialmente compensada por um aumento de residentes estrangeiros (cerca de 21 mil, ou seja 60%), que representam, em 2021, 10% do total da população residente (eram 6% em 2011).

O aumento de residentes com nacionalidade estrangeira é, na verdade, relativamente recente e indissociável da aceleração do fenómeno turístico e da procura imobiliária internacional, iniciada em meados da década. De facto, também de acordo com os dados dos últimos censos, a percentagem de alojamentos ocupados por estrangeiros nos últimos 5 anos (face a 2021), ronda os 20% do total na cidade de Lisboa.

Dito de outro modo, no total de casas ocupadas em Lisboa entre 2016 e 2021, cerca de 1 em cada 5 foi adquirida ou arrendada por cidadãos de nacionalidade estrangeira, assumindo esse contingente (relativo aos últimos cinco anos) uma proporção de 7 em cada 10 casas ocupadas por estrangeiros.

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Estes valores globais ocultam, naturalmente, realidades socioespaciais muito distintas. Nas freguesias do centro (e em particular do centro histórico), por exemplo, encontramos valores acima da média em termos de casas ocupadas por estrangeiros nos últimos cinco anos face ao total (observando-se valores acima de 30% nos casos de Arroios, Misericórdia, Santo António, São Vicente e Estrela, com Santa Maria Maior a atingir uma proporção de 45%). Ao mesmo tempo que freguesias próximas do centro histórico (Alcântara, Campo de Ourique, Estrela e São Vicente) assumem valores relativos de alojamentos ocupados por cidadãos estrangeiros entre 2016 e 2021 (face ao total) acima de 75%, indiciando, portanto, tratar-se de freguesias que só mais recentemente começaram a ser "descobertas" por cidadãos não nacionais.

Para quem continua a tentar desvalorizar o peso das novas procuras de habitação, neste caso associadas ao investimento estrangeiro, na crise habitacional que o país está a atravessar (e que incide de forma particular nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, a par da região do Algarve) – persistindo assim na ideia simplista de que apenas "faltam casas" – estes valores deveriam ser tidos em conta. Desde logo, porque estamos perante uma procura que se diferencia pela sua maior capacidade financeira (tanto na aquisição como no arrendamento) e que é, além disso, potencialmente inesgotável.

Não por acaso, o jornal britânico The Guardian dedicou recentemente um texto à crise de habitação em Portugal, identificando alguns dos diversos fatores que, relacionados com o investimento e especulação internacionais – numa dinâmica que é na verdade mais ampla, afetando igualmente outros países europeus) –, contribuem para a explicar.

Acrescente-se, aliás, que para compreender realmente a subida dos preços da habitação no nosso país, ao longo dos últimos anos, é mesmo fundamental considerar o efeito conjugado desses fatores e perceber a sua incidência territorial cumulativa. Sem isso, dificilmente se poderá partir de um diagnóstico assente nas verdadeiras causas da crise para desenhar as políticas e as respostas que a permitem efetivamente ultrapassar.

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