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Lisboa dos Pequenitos, que Moedas crê ser sua

Enquanto houver gente a viver em Lisboa, que não seja nómada digital ou detentor de visto gold, haverá sempre espaço para expulsar mais moradores e trazer mais turistas. Pouco importa a qualidade de vida dos lisboetas, desde que possam entrar milhões de turistas na cidade todos os dias para comer um típico pastel de bacalhau com queijo da serra.

Crónica 74
17 Agosto 2023

Há coisas tão pequenas como estarmos sempre a pôr-nos em bicos dos pés, desesperados pela aprovação daqueles que achamos serem maiores. Portugal, no geral, adora fazê-lo, tendo agora um presidente da Câmara de Lisboa que é disso epítome. O menino Carlos vive para ter atenção dos estrangeiros, dos ricos, dos governos de outros países e, claro, do Papa, a quem se pudesse beijava a mão todos os dias ao acordar, e não tem a mínima vergonha desse constante tirar de calcanhares do chão, e esticar-se todo para que reparem nele.

Até me admira como é que a Cristina Ferreira, quando ele chega ao pé de si no palco das Cristina Talks (não consigo escrever este nome sem me rir um pouco), não lhe afagou ternamente a cabeça e lhe deu um saquinho de gomas, depois de o ter baptizado para sempre como “menino Carlos”.

Reparem. Uma das primeiras coisas que disse no seu mandato foi que a sua prioridade eram os investidores imobiliários. E assim tem cumprido. Sejam os grandes investidores, ou os proprietários de alojamento local, a pedir para rebolar e dar a pata, o menino Carlos apresenta-se para o truque.

Volta e meia, dá entrevistas para um órgão de comunicação social estrangeiro nas quais lhe é difícil esconder o orgulho imenso de ser o mayor e o maior, ou o maior e o mayor, como preferirem. Tece sempre rasgadíssimos elogios à cidade, com esperança de que os elogios se reflictam nele quando a entrevista é publicada. Numa destas, ainda há dias, disse que “estamos muito longe de ter excesso de turismo”. Claro que estamos. Enquanto houver gente a viver em Lisboa, que não seja nómada digital ou detentor de visto gold, haverá sempre espaço para expulsar mais moradores e trazer mais turistas. Pouco importa a qualidade de vida dos lisboetas, desde que possam entrar milhões de turistas na cidade todos os dias para comer um típico pastel de bacalhau com queijo da serra.

No mais recente caso de esticanço dos gémeos quase ao nível de ficar com cãibras, quis, sozinho, dar o nome de Manuel Clemente (não me levem a mal não escrever o “Dom”, mas além de já não vivemos no tempo do cardeal de Richelieu, custa-me que alguém que protegeu abusadores de menores ainda tenha um título destes) à ponte sobre o rio Trancão. Sabemos como tudo correu e acabou. Patético, no mínimo.

Atenção, eu não tenho um ódio de estimação pelo menino Carlos, nada contra a pessoa em si. Mas custa-me mesmo muito ter a mínima simpatia por quem governa para agradar aos turistas, aos investidores e aos padres, enquanto ignora olimpicamente a crise da habitação, as pessoas sem-abrigo, os trabalhadores e os imigrantes que não têm direito a ser tratados por expats.

Por isso, já dizia a minha avó: quem muito para impressionar se põe em bicos dos pés, acabado só rodeado de má rês.*

*é mentira, não foi nada a minha avó, inventei agora.

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