Frente Nacional (2004)

FRENTE NACIONAL (2004)

Nasceu na internet e depressa se transformou num ponto de confluência da extrema-direita portuguesa. Fundada em 2004 por Mário Machado, a Frente Nacional teve como objetivo influenciar a liderança do Partido Nacional Renovador (PNR, hoje Ergue-te!)) e acabou por ser o seu braço armado nas ruas, sendo responsável por uma série de agressões a militantes de esquerda. A sua dissolução foi anunciada em tribunal em 2008, na sequência de uma megaoperação da Polícia Judiciária.

Fragmentado e carente de uma liderança, o movimento bonehead (skinheads de extrema-direita) não conseguia ter expressão política organizada. Foi neste contexto que Mário Machado, então fundador da Irmandade Ariana Portugal nas prisões de Caxias e Lisboa, onde esteve quatro anos preso por agressões a seis negros na noite de 10 de junho de 1995, assumiu as rédeas do movimento.

“Mete-se uma suástica à porta de casa. Se essa pessoa continuar a portar-se mal, o carro é incendiado, por exemplo" – disse Mário Machado ao Público, em 2005.

O seu objetivo? Ganhar cada vez mais poder dentro do PNR e federar a extrema-direita sob o seu estandarte, ser o líder incontestado. Ou seja, tornar-se um dia hegemónico neste quadrante político usando os Portugal Hammerskins (PHS) como braço armado para os seus intentos. E, para isso, delineou uma estratégia de reorganização da extrema-direita violenta em três fases.

A primeira fase. Pouco depois de sair da prisão, Machado oficilizou em 2002 o pedido de adesão à Hammerskin Nation para criar um chapter (filial) da rede internacional em solo nacional  o grupo passou a filial de pleno direito em 2005. O seu objetivo era reorganizar o movimento bonehead no país com os PHS, tornando-os hegemónicos no circuito, absorvendo grupos rivais pela via da negociação ou da intimidação, e atuarem como braço armado de Machado. Transformar soldados de rua em soldados políticos, resumiu na altura o líder bonehead. Nunca o conseguiu.

Enquanto esperava pela oficialização do chapter, e uma vez que já tinha os PHS estruturados, Machado avançou com a segunda fase da estratégia: a criação de uma rede estruturada na Internet que pudesse aglutinar a até então muito fragmentada e marginalizada extrema-direita, dando origem a debates ideológicos e estratégicos e divulgando propaganda. Foi uma ideia inspirada no neonazi NPD alemão, com a qual Machado mantinha contactos próximos.

O antigo cabo da Força Aérea aliou-se então a Vasco Leitão, na altura dirigente do PNR, para fundar em 2004 o Fórum Nacional. Desde o seu início que foi palpável o desejo de profissionalização, replicando métodos de fóruns alemães semelhantes. Tinha uma equipa dedicada à produção diária de conteúdos e dois moderadores que monitorizavam constantemente as várias seções do fórum. A plataforma transformou-se num intenso espaço de debate para a extrema-direita, ao ponto de ter quase 20 mil utilizadores.

Este sucesso permitiu-lhe dar o seu terceiro e último passo na estratégia. Em 2004, foi fundada a Frente Nacional com o objetivo de influenciar a liderança do PNR, o então principal partido da extrema-direita portuguesa, e de atuar nas ruas.

O seu programa foi inspirado no do partido de Adolf Hitler, o Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, “atualizado para a nossa época”, explicou na altura Machado ao Público, na edição de 19 de junho de 2005. Ou seja, defendia a instituição da pena de morte para traficantes de droga, a ilegalização da interrupção voluntária da gravidez, a gratuitidade da saúde e da educação para portugueses e a ilegalização de “grupos subversivos como Maçonaria, PCP, PS, PSD, BE, SOS Racismo, Opus Dei, ILGA e Opus Gay”, instituindo um regime totalitário.

A Frente Nacional conseguiu aglutinar elementos boneheads e não boneheads, apesar dos primeiros terem uma grande preponderância nas decisões da organização – os PHS tinham lugares cativos na direção da FN. A liderança de Machado do Grupo 1143, uma claque sportinguista de extrema-direita no seio da Juventude Leonina, foi outro pilar da sua estratégia de reorganização e recrutamento para a extrema-direita. As claques de futebol sempre foram um terreno fértil para isso. 

As três dimensões da estratégia deveriam funcionar em complemento e alimentar-se umas às outras. Os PHS permitiam manter o controlo da Frente Nacional e eliminavam os adversários internos e do circuito da subcultura bonehead; o Grupo 1143 e o Fórum Nacional servia como ferramenta de recrutamento para os PHS e Frente Nacional, de divulgação de propaganda e de definição de estratégias; e a Frente Nacional como instrumento de conquista de influência no seio do PNR e como braço armado.

Em 2005, Machado aderiu ao PNR e estabeleceu uma aliança com José Pinto-Coelho, facilitando a sua eleição para a liderança do partido de extrema-direita. Em troca da adesão, o PNR “ganhou” mais de uma centena de militantes, dispostos a atos de violência, muitos deles recrutados entre as camadas mais jovens da população.

A direção do partido chegou inclusive a distinguir Machado como “militante ativista do ano” em 2005, enquanto este classificava o PNR como a única organização legal com “bastantes componentes nacional-socialistas”, citado pela mesma edição do Público.

“Sou amigo do Mário, é um excelente nacionalista. Aprovo todos os tipos de nacionalismo, de toda a gente que ama a sua pátria. O Mário foi a face mais visível da fase impulsionadora do nacionalismo”, disse José Pinto-Coelho em entrevista ao semanário SOL, na edição de 14 de abril de 2007.

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José Pinto-Coelho (ao centro) com Mário Machado (à direita)
José Pinto-Coelho (ao centro) com Mário Machado (à direita)

A relação tornou-se tão próxima que Machado dava “instruções ao nível de intervenções públicas, iniciativas do partido e até de distribuição de cargos dentro do PNR”, disseram fontes da Polícia Judiciária ao Correio da Manhã, baseando-se em escutas telefónicas.

Situação negada pelo presidente do PNR. “É claro como água que eu também estive sob escuta, mas não recebi quaisquer instruções partidárias. Sou um grande amigo do Mário Machado e claro que trocamos impressões sobre tudo, mas ele nunca me deu instruções”, reagiu em novembro de 2007 o presidente do PNR, citado pelo mesmo jornal.

Um dos objetivos da Frente Nacional era, como não podia deixar de ser, o alargamento da sua militância. Daí que o recrutamento de jovens tenha sido uma das suas prioridades. Os que demonstrassem maior “potencial” eram também recrutados para os PHS, vendo-se obrigados a provar a sua lealdade com atos de extrema violência contra minorias étnicas e sexuais e adversários ideológicos.

“Os jovens com idades entre os 16 e os 21 representam 60% do universo nacionalista, isto segundo um estudo que fizemos no Fórum Nacional. E também percebemos isso nas atividades e eventos que realizamos, portanto é natural que tenhamos algum apoio nas escolas, pois é onde se encontra a maior parte dos indivíduos desse escalão etário”, disse Machado ao Diário de Notícias, na edição de 12 de dezembro de 2005. “As claques são compostas por adolescentes e jovens na sua maioria, por isso a mesma analogia aplica-se nessa situação.”

A Frente Nacional transformou-se no braço armado do PNR ao garantir a segurança dos protestos e eventos por si organizados, enquanto perseguia os seus adversários ideológicos e pessoas que não se encaixavam na sua idealizada sociedade pura e racialmente homogénea.

Criminalidade

A violência foi um traço marcante da Frente Nacional. Em 2004, fotografias de 23 jovens ilustraram o Fórum Nacional. Era, nada mais nada menos, que uma lista de alvos a abater e, curiosamente, os visados eram todos elementos dos Skinheads Against Racial Prejudice (SHARP), inimigos dos cabeças rapadas de extrema-direita.

Seis dos 23 jovens foram violentamente agredidos ou ameaçados com armas de fogo. Foi o caso de um membro da claque do Estoril ligado à esquerda radical e de uma rapariga de Corroios, no concelho do Seixal, espancada a pontapé por dois boneheads e que ficou com quatro dentes partidos. Uma outra vítima conseguiu identificar os agressores e lançou a PJ no seu encalço.

Machado participou direta ou indiretamente nestas agressões, escreveu o Expresso na sua edição de 26 de maio de 2007. “Deu indicações precisas sobre as moradas e os locais onde costumavam parar todos os outros”, garantiu uma fonte policial ao semanário. E os responsáveis, apuraram as autoridades mais tarde, foram elementos dos PHS.

“Fizemos um site com as moradas dos nossos inimigos, fotografámos o sítio onde trabalham, carros, etc. e eles, só de saberem que nós tínhamos essas informações, nunca mais saíram à rua”, vangloriou-se Machado ao Público. “Mete-se uma suástica à porta de casa. Se essa pessoa continuar a portar-se mal, o carro é incendiado, por exemplo".

As manifestações de rua foram outro marco da organização de extrema-direita. Na sequência do falso caso do arrastão na Praia de Carcavelos, na Linha de Cascais, a 10 de junho de 2005, a extrema-direita aproveitou para avançar com o seu discurso racista e xenófobo, relacionando criminalidade à origem étnico-racial. O PNR convocou a “Marcha contra a criminalidade” e a Frente Nacional e a Causa Identitária, criada nesse ano e a primeira organização identitária em Portugal, marcaram presença.

Os 300 militantes de extrema-direita – mil nas contas do PNR – marcharam em Lisboa, entre a Praça do Martim Moniz e o Rossio, a 18 de junho desse ano e, durante o discurso de Humberto Nuno Oliveira, do PNR, dois dos manifestantes fizeram a saudação nazi.

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Notícia do Jornal de Noíticas, publicada na edição de 14 de setembro de 2005
Notícia do Jornal de Notícias, publicada na edição de 14 de setembro de 2005

A manifestação foi encarada como um sucesso pela liderança da Frente Nacional, que considerou ser um bom momento para manter a atividade. Foi então que, a 20 de agosto de 2005, o movimento organizou, em frente à Embaixada da Alemanha, no Campo Mártires da Pátria, em Lisboa, uma homenagem ao nazi Rudolf Hess, figura de destaque do regime de Adolf Hitler.

Aconteceu ao mesmo tempo que ações semelhantes na Alemanha, Dinamarca e Suécia e acabou pouco depois de alguns neonazis desfraldarem bandeiras do orgulho branco e faixas com teor fascista. A polícia interveio e em menos de meia hora os manifestantes tinham debandado.

“Existem apenas duas formas de chegar ao povo: a democrática e a outra. A outra é talvez a única que os políticos compreendem. Talvez um dia quando aparecerem pendurados no Terreiro do Paço eles compreendam que os nacionalistas também têm direito de ter a sua voz”, disse no protesto Mário Machado, citado pela edição de 21 de agosto de 2005 do Correio da Manhã.

Semanas depois, em 17 de setembro de 2005, a extrema-direita regressou às ruas para um novo protesto convocado pelo PNR, desta vez contra o alegado lobby gay, uma das tradicionais obsessões da extrema-direita. Membros da Frente Nacional e da Causa Identitária marcaram presença no que foi a última grande demonstração de cooperação entre as três organizações.

A Causa Identitária tinha começado a ganhar destaque no universo da extrema-direita, propagando a sua mundividência identitária e pondo em causa o objetivo hegemónico da Frente Nacional, e Mário Machado não gostou. Os boneheads dos PHS começaram a sua ofensiva, levando o primeiro presidente da CI, Rui Pereira, ex-membro do Movimento de Ação Nacional (MAN), a demitir-se e Duarte Branquinho a assumir a liderança da organização identitária.

Foi então que se deu uma cisão no seio dos identitários, liderada por João Martins, condenado a 17 anos de prisão pelo assassínio de Alcindo Monteiro, em 1995. Martins começou a dialogar com dissidentes da Frente Nacional, críticos da hegemonia dos PHS, e a tensão continuou a subir, mas as autoridades acabaram por se interpor.

Na sequência de uma reportagem da RTP, de 2006, em que Machado mostrou uma caçadeira e disse que os nacionalistas estavam, se necessário, preparados para a luta armada, a PJ avançou e deteve, no dia seguinte, o líder dos PHS e da Frente Nacional. E quem saiu em sua defesa foi nada menos nada mais que o presidente do PNR.

“Estamos solidários com Mário Machado. Acho que isto tudo foi arquitetado. Parece estranho um mandado de busca e detenção após um programa de televisão”, disse José Pinto-Coelho à Lusa a 7 de junho de 2006.

Machado vitimizou-se alegando ser um “preso político”, mas de pouco lhe serviu. A então Direção Central de Combate ao Banditismo (hoje Unidade Contraterrorismo) da Polícia Judiciária desencadeou meses depois, a 18 de abril de 2007, a primeira megaoperação contra os boneheads. As lideranças do PHS e da Frente Nacional, que se cruzavam, ficaram debilitadas.

Foram realizadas 58 buscas domiciliárias, estiveram envolvidos 190 inspetores e foram detidos 31 elementos dos PHS e da Frente Nacional, dos quais 27 em flagrante delito por terem armas proibidas, entre os quais Machado. A Frente Nacional nunca mais recuperou a força que antes tinha e o PNR ficou para sempre marcado pela colagem aos boneheads.

Machado e outros 35 arguidos, dos quais 13 faziam parte dos PHS, foram acusados pelos crimes de discriminação racial, agressões, sequestro e posse ilegal de armas.

O julgamento começou em abril de 2008 e o líder bonehead foi condenado, em outubro de 2008, pelo Tribunal Criminal de Monsanto a quatro anos e dez meses de prisão efetiva por discriminação racial, coação agravada, posse de arma ilegal, ameaças e dano e ofensa à integridade física qualificada. Dos outros 35 arguidos, cinco foram condenados a prisão efetiva, 17 ficaram com pena suspensa, outros cinco acabaram absolvidos e sete a pagarem multas.

O antigo cabo da Força Aérea tentou transformar soldados de rua em soldados políticos e falhou. O PNR ficou para sempre marcado pela colagem aos boneheads e a Frente Nacional nunca mais recuperou, tendo desaparecido pouco depois. “Hoje, pode dizer-se que a Frente Nacional já se dissolveu. Há elementos nossos no Conselho Nacional do PNR”, disse Machado em abril de 2008, na terceira sessão do julgamento.

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