Frente Nacional (1980)

FRENTE NACIONAL (1980)

Começou como pequeno grupo de intelectuais e agitadores políticos em torno do semanário de extrema-direita A Rua e evoluiu para o partido Frente Nacional. A nova força política integrou, com o MIRN e com o Partido da Democracia Cristã (PDC), uma efémera coligação eleitoral alternativa à Aliança Democrática (AD) nas legislativas de 1980. A coligação sofreu um resultado desastroso e o partido cessou a sua atividade no mesmo ano em que nasceu.

Criada com a ambição de federar o nacionalismo-revolucionário e os vários grupúsculos de extrema-direita órfãos do salazarismo, a Frente Nacional não aguentou o embate do primeiro revés eleitoral.

Tudo começou em abril de 1976, quando foi criado o semanário A Rua, impulsionado por Manuel Maria Múrias, jornalista ligado ao Estado Novo e saneado da RTP a 2 de maio de 1974. A publicação foi, nos quatro anos da sua existência, a voz mais marcante da extrema-direita portuguesa.

“Negamo-nos a discutir o Absoluto que nos fez – e em nome do futuro. Portugal é a nossa salvação. Assim Deus o quis. Discuti-lo é como se discutíssemos a nossa própria essência – o Espírito move o corpo na via da Redenção. Nenhuma maioria é legítima para o pôr em causa” - editorial n'A Rua de 27 de março de 1980.

Nesses quatro anos, Múrias foi alvo de dezenas de processos judiciais por difamação e, em 1979, chegou mesmo a ser condenado e a cumprir sete meses na prisão de Linhó, por difamar Mário Soares. Também apoiou, em 1976, a candidatura anticomunista do general Ramalho Eanes para o Palácio de Belém e a candidatura de Diogo Freitas do Amaral para a presidência do CDS.

O semanário tornou-se ponto de confluência para a discussão de estratégias e táticas para a extrema-direita se voltar a unir, com o objetivo de se criar uma frente ampla. A defendida por A Rua era a da via eleitoral, ao contrário de outros grupos de extrema-direita, focados no combate cultural, por exemplo, e por isso começou por apostar as suas fichas no Centro Democrático e Social (CDS), partido que inicialmente o financiava.

Entretanto, o conceito de “frente nacional”, basilar para o objetivo de federar a extrema-direita, foi ganhando tração entre alguns intelectuais da extrema-direita portuguesa como a melhor solução organizativa para combater a pretensa hegemonia marxista na sociedade, fosse na comunicação social ou nos estabelecimentos de ensino públicos, como as universidades.

No cerne do conceito estava uma profunda desconfiança em relação à democracia e aos partidos ditos do sistema, onde o “tudo pela nação, nada contra a nação” de António de Oliveira Salazar encaixa que nem uma luva. Uma desconfiança que já vinha, diga-se, desde a queda do Estado Novo.

“Com efeito, os portugueses que põem a Nação acima de internacionais partidaristas não costumam repartir-se por setores, ou por bandos. Constituem uma grande Frente Nacional em que na realidade se integram aqueles que, por desculpável equívoco, se envolveram em cores partidárias”, escreveu Soares Martinez, figura tutelar da extrema-direita portuguesa e que pertenceu à Frente Nacional, no nº130 d’A Rua, de 7 de dezembro de 1978.

Pretendia-se, portanto, o regresso a uma ordem política nos antípodas do rumo que o país estava a seguir, assumindo-se, sem hesitações, saudosista do “Portugal pluricontinental”, onde nação e “direita” se sobrepunham e confundiam.

Mas, em termos práticos, o primeiro passo do grupo d’A Rua foi apoiar Francisco Lucas Pires, dirigente do CDS com passado em organizações nacionais-revolucionárias em Coimbra na década de 1960 e que passou pelo Movimento Federalista Português – Partido do Progresso (MFP-PP), para assumir a liderança do partido, disputando-a com Freitas do Amaral.

Porém, Lucas Pires recusou-se a ser o líder da extrema-direita dentro do CDS e, pressionado internamente, Freitas do Amaral conseguiu evitar a deriva direitista dos democratas-cristãos – nos anos pós-Revolução, o CDS tentou evitar constantemente o rótulo fascista.

Estratégia eleitoral alternativa

Sem sucesso no seio do CDS, o grupo de Múrias apostou numa via alternativa, também eleitoral, agora com o Partido da Democracia Cristã (PDC). Ao mesmo tempo, o grupo d’A Rua distanciou-se da Aliança Democrática, coligação entre o CDS, o Partido Popular Monárquico (PPM) e o Partido Social-Democrata (PSD), por entender que tinha caminhado para o centro ao convidar antigos socialistas, denominados “Reformadores”, para as suas fileiras.

A via eleitoral independente era então o único caminho. O primeiro (tímido) passo nesse sentido aconteceu nas eleições legislativas de 1979, a primeira grande oportunidade, quando intelectuais do semanário A Rua se juntaram às listas do PDC com o estatuto de independentes. Nessas eleições, a “coligação” obteve o melhor resultado absoluto da extrema-direita em legislativas até aos dias de hoje: mais de 72 mil votos, 1,2% dos votos.

Entusiasmados e entendendo que a AD estava a caminhar para o centro, de que havia um espaço político para explorar e ocupar, os independentes continuaram a aproximar-se do PDC para uma segunda coligação, desta vez nas legislativas de 1980.

Não quiseram continuar como simples grupo de independentes e, portanto, criaram uma força política própria que desse uma nova consistência à coligação, acreditando que esta continuaria a sua tendência de crescimento eleitoral. Pensavam que conseguiriam eleger deputados para a Assembleia da República e chamaram-lhe Frente Nacional.

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Capa do semanário A Rua de 20 de julho de 1977
Capa do semanário A Rua de 20 de julho de 1977 que elogia o ditador António de Oliveira Salazar

A Frente Nacional foi oficialmente anunciada nas páginas d’A Rua a 27 de março de 1980 proclamando que “África começa em Vilar Formoso”. Múrias era o líder, Diogo Miranda Barbosa um dos quadros mais destacados e porta-voz oficial e o empresário Bernardo Guedes da Silva um dos seus financiadores, com interesses na África lusófona.

Este último apoiou a iniciativa essencialmente por razões económicas, por defender um projeto de federalização das antigas colónias à imagem da britânica Commonwealth (e do projeto federalista do general António de Spínola) em detrimento da pertença de Portugal à Comunidade Económica Europeia (CEE) – mais tarde União Europeia.

Numa conferência no Instituto Universitário de Évora, em 1979, Bernardo Guedes da Silva elencou o que já na altura se poderiam considerar as bases do neocolonialismo, chegando mesmo a falar em “reconquista” do orgulho imperial. “Fazer um grande espaço económico com os países africanos de língua portuguesa será, neste momento, a forma inicial da ‘reconquista’; não da reconquista de outros espaços ou povos, mas, tão somente, a reconquista de nós próprios”, disse o financiador da Frente Nacional.

O objetivo global da Frente Nacional também não era pequeno. Múrias manifestou, no editorial de A Rua em que apresenta o partido, a convicção de que a nova formação seria, finalmente, a estrutura capaz de federar “todas as forças da Direita” e “dos que, não discutindo a Pátria, exigem angustiadamente a reformulação total, não apenas dos costumes, mas de todo o quadro institucional e constitucional”.

A extrema-direita estava fragmentada, com vários partidos, grupos, publicações, movimentos políticos em disputa entre si, e sem uma estratégia política unificada, o tal conceito de “frente nacional”.

“Temos os meios, podemos construir os quadros. Aceitamos todas as adesões e colaborações, no quadro da mais absoluta paridade, e sem ambições de chefia, pensando só no interesse nacional. Quem não quiser vir que não venha; mas quem quiser que se apresse. O tempo é pouco e o trabalho é muito”, declarou o líder da Frente Nacional no mesmo editorial.

A Frente Nacional fundava a sua mundividência no nacionalismo consubstanciado no mito do império pluricontinental português, condenava sistematicamente a descolonização e celebrava o exemplo dos militares portugueses e do ditador António de Oliveira Salazar na Guerra Colonial (1961-1974).

Também tinha um discurso profundamente antidemocrático, camuflado numa narrativa antissistema. “Podem vir connosco os que, não discutindo a Pátria, exigem angustiadamente a reformulação total, não apenas dos costumes, mas de todo o quadro institucional e constitucional. Se não discutirmos os homens, verificaremos que são o Sistema mais a sua ideologia os responsáveis pela paralisia geral: é o sistema e a sua ideologia o que nós mais combatemos”, escreveu Múrias.

Poder-se-ia pensar que a adesão à participação em eleições democráticas poderia representar uma certa moderação política, o abraço à legitimidade do regime democrático, mas Múrias não deixou de o refutar sem demoras. “Não aceitamos nem este parlamentarismo sediço e italianizado, nem o Estado mais ou menos centralizado, concentracionário e burocrático que nos querem subministrar”, escreveu o dirigente no texto de apresentação da força política, acrescentando que as maiorias eleitorais, independentemente do seu peso, jamais poderiam pôr em causa “o Corpo e o Espírito da Nação, velha de oito séculos”.

Exigia que voltassem a ser tornados inquestionáveis e supremos os valores de Deus, da pátria, da família, da autoridade e do trabalho e que os governos da nação se comportassem como defensores do compromisso nacionalista entre passado, presente e futuro.

“Negamo-nos a discutir o Absoluto que nos fez – e em nome do futuro. Portugal é a nossa salvação. Assim Deus o quis. Discuti-lo é como se discutíssemos a nossa própria essência – o Espírito move o corpo na via da Redenção. Nenhuma maioria é legítima para o pôr em causa”, escreveu Múrias no mesmo texto.

À semelhança da restante extrema-direita, a Frente Nacional também era profundamente anticomunista, ao ponto de defender o regresso da ilegalização do Partido Comunista Português (PCP), encarado como partido antinacional, materialista, quinta coluna dos interesses soviéticos.

“Claramente verificamos que não é possível governar Portugal enquanto o Partido Comunista usufruir de legalidade: máquina de guerra financiada pelo estrangeiro, o PC controla e domina estruturas básicas no aparelho estatal e no sindical; como um senhor feudal tem as suas tropas armadas e acoitadas em vastos territórios. Enquanto a lei lho consentir será sempre um elemento de distúrbio e de subversão”, escreveu Múrias no editorial de anúncio da nova força política, a 27 de março de 1980.

Balde de água fria

A linha política da Frente Nacional foi apresentada de forma mais aprofundada no seu primeiro e único congresso, em julho de 1980. E as dificuldades surgiram logo nesse momento, quando o financiador do projeto Bernardo Guedes da Silva, que também tinha apoiado a criação de um outro partido de extrema-direita, o Reunir Para Reconstruir (RPR), abandonou o partido. Opunha-se à estratégia de Múrias de se aproximar do PDC. O financiador queria uma força política independente e que não alinhasse em coligações para se assumir entre a extrema-direita.

Múrias saiu vencedor dessa disputa e a aproximação ao PDC continuou a todo o gás. Nas legislativas de 5 de outubro de 1980, as listas de candidatos da coligação foram compostas por elementos do MIRN, do PDC e da Frente Nacional – depois dos dois primeiros terem, num primeiro momento, tentado reaproximar-se da AD, sem sucesso.

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Cartaz da coligação PDC, PDP e Frente Nacional nas legislativas de 1980
Panfleto da coligação PDC, PDP e Frente Nacional nas legislativas de 1980

Queriam conquistar assentos parlamentares, acreditando que a ascensão eleitoral continuaria, mas a realidade foi outra: apanharam um banho de água fria, caindo dos 72 mil votos em 1979 para perto dos 24 mil em 1980, uma perda de 47 mil. Caíram dos 1,2% dos votos para os 0,4%, perdendo dois terços do eleitorado.

“A direita deixou de existir, ou talvez nunca tenha existido… ou aqueles envolvidos tenham tido um emprego no Estado e juntado-se [sic] à coligação [AD]. [A direita reduziu-se] às margens com uma ideologia que o público rejeita como sendo paixão incompreensível como é típico das próprias massas”, escreveu Múrias no semanário por si dirigido, a 9 de outubro de 1980, no rescaldo das eleições.

A AD conquistou muito do eleitorado que havia votado, um ano antes, na coligação direitista, consolidando o centro-direita, e o ânimo esmoreceu abruptamente entre as fileiras da Frente Nacional. Importantes quadros e intelectuais de direita tinham-se distanciado da coligação e isso teve o seu peso.

O semanário A Rua, pressionado pelo esgotamento financeiro e pelo afastamento dos principais patrocinadores, que passaram a apostar todas as fichas na AD, deixou de existir poucos meses depois e a Frente Nacional, que à semelhança do MIRN queria federar a extrema-direita, também fechou portas. O MIRN foi outra das baixas da coligação falhada, com o PDC a ser o único a manter-se ativo, até desaparecer definitivamente em 2004, quando já não concorria às legislativas desde 1987.

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