Força Nacional-Nova Monarquia

FORÇA NACIONAL-NOVA MONARQUIA

A Força Nacional-Nova Monarquia nasceu em 1983 a partir da Juventude Popular Monárquica e tentou ser a congénere portuguesa da francesa Frente Nacional de Jean-Marie Le Pen. Foi liderada por Miguel Castelo-Branco, hoje na Nova Portugalidade, e estabeleceu ligações internacionais com a francesa Frente Nacional, com o neofascista Movimento Sociale Italiano e com Blas Piñar, da espanhola Fuerza Nova.

A linha política da Nova Monarquia começou por se inspirar nos valores cristãos, na doutrina social da Igreja e na defesa da família tradicional como a primeira célula da sociedade, rejeitando liminarmente a luta de classes. Não se definia como antidemocrática, mas opunha-se à representação da comunidade política por partidos, considerando ainda o ditador António de Oliveira Salazar um dos mais importantes estadistas do século XX.

"A Nova Monarquia é uma organização supra partidária que luta pela restauração da dignidade nacional, pugnando por um reencontro da pátria com a sua raiz católica e missionária, e do Estado com a sua estrutura monárquica vertical" – panfleto da Nova Monarquia

"A minha opinião sobre ele [Salazar] limita-se ao seguinte: foi o maior estadista português, superior aos políticos desta terceira república. Conseguiu sobrepor em conjunturas dificílimas o interesse nacional aos grupos económicos e políticos que, rotativamente, têm ocupado o poder neste país desde a revolução de 1820", disse em 1989 Miguel Castelo-Branco, citado pelo jornal Século Ilustrado. "Foi um sossego de 38 anos", continuou, referindo-se a uma ditadura que silenciou a sociedade e torturou os seus opositores políticos. 

No seu discurso oficial, a Nova Monarquia rejeitava o fascismo e o nacional-socialismo, camuflando o seu racismo com a narrativa da defesa de uma sociedade “plurirracial” e o alegado carácter civilizador do nacionalismo português. 

O suficiente para defenderem – eram, aliás, tópicos de eleição para esta força política – o império português e a legitimidade da Guerra Colonial, acusando os militares e políticos de Abril de terem destruído cinco séculos de História com a descolonização. Defendia, em suma, o lusotropicalismo. 

Os resultados das eleições legislativas de 25 de Abril de 1983 foram duros para o Partido Popular Monárquico ao ver-se privado dos seis deputados conquistados nas legislativas de 1980 – obteve-os apenas por integrar a coligação de direita Aliança Democrática com o CDS e o PSD. A liderança do partido perdeu credibilidade e entrou em crise, em parte por o líder do partido, Gonçalo Ribeiro Telles, ter defendido o regresso da monarquia constitucional adaptada ao sistema político saído do 25 de Abril de 1974.

A posição não foi aceite entre uma parte do universo monárquico. Insatisfeito com esta situação, um grupo de cinco dezenas de membros da Juventude Monárquica Portuguesa, liderados pelos irmãos Nuno e Miguel Castelo-Branco, decidiu criar a Nova Monarquia.

Foi tornada pública a 5 de outubro de 1983 e entre os seus fundadores, conta o politólogo Riccardo Marchi no livro The Portuguese Far Right: Between Late Authoritarianism and Democracy (1945-2015), de 2018, estavam importantes veteranos da extrema-direita portuguesa, saudosistas do salazarismo e do império colonial: o nacional-sindicalista João Taborda, o neointegralista Mário Saraiva, o salazarista Jacinto Ferreira, o poeta fascista António Manuel Couto Viana e Francisco Van Uden, militar e ex-operacional da organização bombista Exército de Libertação de Portugal (ELP).

A nova força política posicionou-se à direita do PPM e quis recuperar o municipalismo, uma posição que caraterizou o Integralismo Lusitano, movimento tradicionalista antiparlamentar que se opunha à Implantação da República (incluindo o Estado Novo) e à monarquia constitucional. Os líderes do integralismo, à exceção de uns quantos, acabaram por se vergar perante Oliveira de António Salazar na década de 1930.

Na sua versão municipalista, a Nova Monarquia defendia a implementação de um sistema com duas câmaras parlamentares: a primeira reservada aos partidos, a segunda, com algumas semelhanças com o corporativismo, para efeitos de representação dos vários setores da sociedade: económicos, profissionais e culturais.

Mas o seu discurso, mais refinado que o de certa extrema-direita portuguesa da altura, não condizia com as suas ligações internacionais.

A radicalização com influências de fora

Em processo de radicalização acelerada, os jovens desta organização de extrema-direita reforçaram a sua posição no final da década de 1980, corporizada pelo seu secretário-geral, Miguel Castelo-Branco – o suficiente para forçar a alteração do nome para Força Nacional-Nova Monarquia. O objetivo era simples: alargar-se a todo o universo nacionalista para ser capaz de atrair novos membros para lá do microcosmos monárquico.

"A Força Nacional-Nova Monarquia é uma organização política suprapartidária, fundada por um grupo de monárquicos, mas aberta a todos os que, embora não sendo monárquicos, querem igualmente intervir na vida política, social e cultural do nosso país, defendendo a identidade do povo português e a primazia do interesse nacional em todos os domínios", lê-se na proposta de manifesto da nova força política. "É essencialmente um movimento de renovação espiritual da nação e, portanto, vocacionado para a formação integral dos jovens". 

Os principais dinamizadores da Força Nacional-Nova Monarquia foram António Manuel Couto Viana, Miguel Castelo-Branco, Faria de Morais, Eduardo Quinhones, Nuno Castelo-Branco, Helena Lopes, Gamboa Alves, Diogo Rodrigues e Eduarda Gomes, entre outros. 

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Cartaz da visita a Portugal do neofascista espanhol Blas Piñar
Cartaz da vinda a Portugal do neofascista Blas Piñar

Miguel Castelo-Branco foi o rosto dessa radicalização e as relações internacionais a sua ferramenta. O primeiro momento de internacionalização aconteceu a 20 de novembro de 1988, quando o secretário-geral marcou presença numa cerimónia em Espanha, organizada pela extrema-direita daquele país, para celebrar os ditadores fascistas Francisco Franco e José António Primo de Rivera.

Nesse evento, diz Marchi, Castelo Branco conheceu Blas Piñar, da Frente Nacional espanhola – continuadora da extinta Fuerza Nueva – e delegados do Movimento Sociale Italiano e da francesa Frente Nacional. Esses contactos abriram-lhe as portas de um novo mundo e, em 1989, o secretário-geral voltou a sair do território português para participar no II Congresso da espanhola Frente Nacional, onde conheceu Jean-Marie Le Pen.

Trocaram ideias e Le Pen acabou por enviar delegados franceses a Portugal para se estudar a possibilidade de se criar uma Frente Nacional portuguesa, que federasse a extrema-direita, há muito fragmentada, ao atrair elementos do MIRN, do Partido da Democracia Cristã (PDC) e outros grupelhos. A ideia era que Força Nacional-Nova Monarquia fosse o embrião e a espinha dorsal do ressurgimento da extrema-direita em Portugal.

Foi então que, a 11 de maio de 1989, Blas Piñar veio a Portugal para participar numa conferência sobre o futuro da Europa, coincidindo com o centenário do nascimento do ditador António de Oliveira Salazar. O evento foi organizado por Castelo Branco e Pedro Soares Martinez, professor de Direito, conhecido veterano de extrema-direita e membro da ala ultra do Estado Novo. O evento teve algum sucesso, contando com mais de duas centenas de participantes das mais variadas organizações de extrema-direita, entre os quais o salazarista Alberto Franco Nogueira e Jaime Nogueira Pinto.

Apesar do relativo sucesso em número de participantes, a meio da conferência no Hotel Roma, em Lisboa, uma dezena de boneheads do Movimento de Acção Nacional (MAN) tomou o palco. Gritaram “morte aos partidos, morte às eleições burguesas, morte à democracia” enquanto faziam a saudação fascista e desfraldavam bandeiras com a cruz celta. Castelo Branco ainda tentou assumir o controlo da situação, diz Marchi, mas os danos já estavam causados: a sua força política ficou colada aos boneheads, conhecidos pela violência que praticavam nas ruas de Lisboa e Porto.

Além disso, a imprensa portuguesa começou então a especular sobre a possibilidade de surgir um novo partido de extrema-direita que conseguisse federar esse quadrante político para concorrer às eleições europeias de 18 de junho de 1989. As reuniões internacionais mantiveram-se e, a 11 e 12 de junho de 1989, os partidos do grupo parlamentar europeu da extrema-direita encontraram-se em Portugal.

Jean-Marie Le Pen, da Frente Nacional francesa, foi a cara mais conhecida entre o grupo composto pelo Movimento Sociale Italiano, pelos alemães Republikaner, pelos belgas do Vlaams Block e pelos escoceses do Partido Nacionalista (não oficialmente), que ainda tinha uma fação protofascista chamada Sion nan Gaidheal.

Os presentes discutiram a estratégia para as eleições europeias e, pelo meio, Le Pen aproveitou para se encontrar com Castelo Branco e avançar com a criação de uma Frente Nacional portuguesa. Mas, de acordo com o relato de Marchi, o líder francês intrometeu-se em demasia no programa político, na estratégia, na estrutura e na agenda da futura formação política e o projeto acabou por não avançar.

Gorada a ideia de federar a extrema-direita, tal não impediu que a Força Nacional-Nova Monarquia se tentasse transformar num partido político. No verão de 1989, Miguel Castelo Branco acelerou o processo para formalizar a organização como partido e, em eterna disputa com o PPM, anunciou que já tinha listas prontas para as autárquicas em Lisboa, Porto e Coimbra.

Miguel Castelo-Branco chegou inclusive a avançar publicamente o antigo vice-presidente da União Nacional, Francisco Casal-Ribeiro, como cabeça-de-lista a Lisboa, mas este desmentiu-o e o projeto de candidatura às autárquicas ruiu. "Conversaram comigo, mas disse logo que não. Para além disso, neste omento a Força Nacional nem sequer é um partido político. Por isso, por agora, essa possibilidade está completamente afastada", disse na altura o antigo vice-pesidente da União Nacional ao jornal O Independente

Não demorou muito para que a Força Nacional-Nova Monarquia entrasse em letargia profunda e acabasse por desaparecer.

Le Pen regressou a Portugal em julho de 1990 para mais um encontro de eurodeputados de extrema-direita em Sesimbra, depois de outros três países terem recusado que este evento se realizasse no seu território. Questionado sobre os motivos para o Governo português nada ter feito a esse respeito, o primeiro-ministro de então, Aníbal Cavaco Silva, respondeu que repudiava as ideias dos eurodeputados, mas que este encontro já tinha acontecido nos dois anos anteriores.

“São deputados europeus e, como deputados europeus, gozam de liberdade de circulação em todos os países da Europa comunitária”, justificou-se o então primeiro-ministro, mais tarde Presidente da República.

Posição não partilhada por centenas de cidadãos, que, a 5 de julho de 1990, publicaram no jornal Público um abaixo-assinado em que repudiavam a vinda do líder de extrema-direita. “Os cidadãos abaixo-assinados consideram os membros do Grupo Técnico das Direitas Europeias, reunidos em Sesimbra, pessoas não gratas aos portugueses”, lê-se no abaixo-assinado.

Nesse ano, a polémica acerca da vinda a Portugal da francesa Frente Nacional não ficaria por aqui. Na conferência de imprensa de Le Pen, em que este acusou Mário Soares de ser estalinista, Francisco Louçã, então líder do trotskista Partido Socialista Revolucionário (PSR) , interrompeu-o fazendo uma pergunta provocatória, ao que o chefe da extrema-direita francesa decidiu abandonar a sala. 

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