Causa Identitária

CAUSA IDENTITÁRIA

Criada em 2005, a Causa Identitária foi a primeira organização de identitários em Portugal. Viu no Partido Nacional Renovador (PNR, hoje Ergue-te!) um aliado e teve a Frente Nacional de Mário Machado como adversária. Queria criar uma elite de militantes de extrema-direita com o objetivo de propagar a mundividência identitária entre a extrema-direita portuguesa. Mas as lutas fratricidas e a sua incapacidade em profissionalizar a militância levou ao seu desaparecimento em 2010.

Os identitários enquadram-se no campo do etnonacionalismo e, normalmente, dedicam-se a ações de propaganda e ativismo metapolítico, com o objetivo de moldar e influenciar a opinião pública. Embora as linhas não sejam muito claras entre diferentes versões do nacionalismo radical de direita, a enfase das organizações etnonacionalistas costuma estar no combate cultural e não tanto no racismo biológico, embora a sua ação seja racista por excelência – a identidade etnocultural é sempre branca e cristã, e muitas vezes admitem a defesa da “cultura branca”.

"Os portugueses encontram-se hoje mergulhados num processo de aculturação, resultado do desaparecimento das referências culturais, que conduz inevitavelmente à perda da nossa identidade específica, isto é, aquilo que nos torna únicos e distintos dos outros povos" - panfleto da Causa Identitária

Na sua variante europeia, os identitários são muitas vezes jovens hipsters com formação acima da média,  preocupados com a preservação do que dizem ser a cultura “nativa” e virados para o ativismo comunitário. Creem que está a acontecer uma “grande substituição” dos brancos europeus por parte de imigrantes e comunidades muçulmanas.

Origem da Causa Identitária

Pouco depois de sair da prisão, onde cumpriu uma pena de nove anos e quatro meses pelo assassínio de Alcindo Monteiro, João Martins reuniu um grupo de nacionalistas com passado no Movimento de Acão Nacional (MAN) e criou a Causa Identitária, conta o politólogo Riccardo Marchi no livro The Portuguese Far Right: Between Late Authoritarianism and Democracy (1945-2015), de 2018. Martins convidou para a presidência Rui Pereira, também ex-MAN e nessa altura membro da Comissão Política do PNR.

A Causa Identitária foi lançada a 1 de maio de 2005, para celebrar o Dia do Trabalhador com uma narrativa nacionalista; mas foi apenas legalizada como associação em junho de 2007, dois anos depois de ter iniciado as suas atividades políticas. O seu objetivo era “criar as condições necessárias para uma Revolução Europeia” e combater o chamado “politicamente correto”, o multiculturalismo, a globalização neoliberal e a imigração. 

A organização pretendia criar uma elite de militantes de extrema-direita, tanto intelectuais como ativistas de rua, com o objetivo de propagar a mundividência identitária entre a extrema-direita portuguesa.

Estabeleceu relações internacionais com outros identitários europeus e publicou um jornal oficial, a Voz Dissidente, de julho de 2005 até 2009, e três números da revista O Identitário, entre março de 2008 e janeiro de 2009.

Em termos organizativos, a Causa Identitária também teve na sua órbita duas organizações identitárias locais e regionais: a Santarém Identitária e a Algarve Identitária. Ambas tiveram blogues, onde se comentava a situação política nacional e internacional e se promoviam os eventos da associação, principalmente os internacionais. Estas organizações locais foram o resultado prático da estratégia localista da Causa Identitária, inspirada nos franceses do Bloc Identitaire.

Num dos seus panfletos, a Causa Identitária afirmou que os portugueses estavam a ser vítimas do “desaparecimento de referências culturais que conduz inevitavelmente à perda da nossa identidade específica”. “Concebemos o nosso povo como uma realidade biocultural, fruto da procedência de um tronco comum europeu”, lê-se na Declaração de Princípios da associação.

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Cartaz do 1º de Maio da Causa Identitária
Cartaz de divulgação de evento da Causa Identitária no 1º de Maio de 2006

A Causa Identitária defendia a imediata expulsão de todos os estrangeiros “delinquentes”, o aumento da pena para crimes de sangue para 30 anos e a alteração da lei da nacionalidade para estipular apenas o ius sanguinis. Também queria a “participação ativa dos cidadãos nos seus bairros e comunidades locais” – milícias – em articulação com a polícia e autoridades municipais.

Apesar do 25 de Abril de 1974 e da descolonização, uma parte muito significativa da extrema-direita portuguesa manteve-se saudosista do império e defensora do discurso “multirracial”, mas aos poucos uma nova tendência se fez sentir com uma linha etnonacionalista e com enfoque na identidade de pertença europeia – o Movimento de Acção Nacional (MAN) foi o primeiro grande passo orgânico neste sentido, na segunda metade da década de 1980.

Os chamados identitários, na sua versão portuguesa, recusam focar-se na história colonial, optando pela defesa da identidade biológica e cultural nacional contra uma alegada invasão muçulmana e globalização neoliberal – a Causa Identitária opôs-se à entrada da Turquia na União Europeia com um discurso islamofóbico e antiglobalização, por exemplo.

"A alterglobalização propugnada pela extrema-esquerda não é senão uma vigarice. Sob o disfarce de uma contestação de opereta, os alterglobalistas não contestam o fenómeno da globalização, pelo contrário, querem somente juntar à livre circulação de mercadorias, também a de pessoas", lê-se num panfleto da Causa Identitária. "Querem assim 'apagar' as fronteiras entre as Nações, a história e a identidade dos povos, fazendo de tudo isso 'tábua rasa'." 

“Não nos revemos em modelos políticos do passado. O nosso combate situa-se no presente, mas com os olhos postos no futuro e em permanente reverência pelo nosso passado histórico! Respeitamos de forma crítica e intelectual as ideologias doutrora, mas não podemos aspirar a resolver os problemas dos dias de hoje com velhas fórmulas caducas e ultrapassadas”, disse Diogo Canavarro numa entrevista à suposta agência de informação Novo Press, criada pela Causa Identitária, depois de assumir a presidência em 2007.

A maioria dos órgãos sociais eram ocupados por jovens, fossem estudantes ou trabalhadores, a par e passo com elementos de uma anterior geração de militantes de extrema-direita. Daí que um dos principais alvos de recrutamento fossem os jovens, fazendo-lhes promessas de libertação e de fim de angústias – desde que pagassem 50 euros de quotização anual.

“Dirigimo-nos a ti, atrás do teu ecrã. Um gesto, um único gesto e tu serás liberto de todas as dúvidas, das tuas angústias. Um gesto, só um, e tu estarás orgulhoso, orgulhoso por fazer as coisas mexerem, de lutares no quotidiano, no seio da tua comunidade, pela tua família, o teu bairro, a tua localidade, a tua região, o teu país e a tua civilização”, lia-se no Quem Somos da associação.

O grupo tinha ainda um fórum onde se discutia a situação política nacional e internacional, ideologia e História.

Poucos meses depois do lançamento, em 2005, a Causa Identitária organizou uma celebração no 10 de junho de 2005, no centro de Lisboa, e houve confrontos com elementos antifascistas. A imprensa noticiou-o e os identitários ganharam uma notoriedade que lhes permitiu afirmarem-se entre a extrema-direita, enquanto se organizavam em fóruns e blogues na internet.

A Causa Identitária aproveitou o protagonismo mediático e continuou a desenvolver as suas atividades, encontrando um aliado no PNR. Organizaram em conjunto dois protestos: um contra o alegado aumento da microcriminalidade, a 18 de junho de 2005, e um segundo contra o alegado lobby gay e em defesa da família tradicional, a 17 de setembro de 2005. A Frente Nacional, de Mário Machado, também co-organizou esses protestos. 

Desentendimentos

Mas nem tudo correu pelo melhor. À medida que a Causa Identitária conquistava espaço político entre a extrema-direita, a Frente Nacional, com uma parte significativa da sua liderança a pertencer aos Portugal Hammerskins, viu-a como potencial rival e adversário político. As tensões aumentaram, os boneheads de Machado começaram a sua ofensiva e Rui Pereira acabou por se demitir da presidência.

Uma nova figura, até então fora da Causa Identitária, entrou em jogo: Duarte Branquinho. E com ele uma nova estratégia.

Ao contrário do passado, quando os identitários organizavam as suas iniciativas como bem entendiam, sem se preocupar com os outros grupos, Branquinho optou por uma postura de contemporização, de não hostilização da Frente Nacional. Continuou a colaborar com o PNR, mas deixou-lhe (e à Frente Nacional) o monopólio da ação política de rua, focando-se no combate cultural e na formação de quadros, com particular ênfase na organização de debates.

Branquinho esperava assim ter mais margem de manobra para expandir a mundividência identitária entre a extrema-direita e estabelecer contactos internacionais. A Causa Identitária entrou oficialmente na rede internacional identitária a 10 de junho de 2006, quando Branquinho assinou a Declaração de Moscovo, documento que continha os pontos de referência para os portugueses e europeus identitários em termos de ideias, símbolos e práticas militantes.

As relações internacionais da Causa Identitária continuaram a aprofundar-se pela mão de Branquinho. Entre 2 e 8 de outubro de 2006, o líder de extrema-direita marcou presença na XI Mesa Redonda da francesa Terra e Povo (Terre et Peuple, significando adaptação do sangue ao solo), onde aprofundou contactos com congéneres franceses e espanhóis ao ponto de conseguir organizar o primeiro evento identitário internacional em Portugal.

O colóquio “A Nova Reconquista: da Ibéria à Sibéria” aconteceu a 25 de novembro de 2006 e estiveram presentes identitários franceses. Pierre Vial, da associação francesa Terra e Povo, abordou a importância de as organizações identitárias estabelecerem uma rede internacional, e Guillaume Faye (1946-2019), um dos grandes teóricos dos identitários e da nova direita francesa (nouvelle droite) replicou a narrativa das ameaças para o mundo branco com a alegada invasão e colonização da Europa. Cerca de uma centena de militantes de extrema-direita marcaram presença.

Porém, nem todos alinharam com esta nova estratégia de enfoque no combate cultural e no estabelecimento de relações internacionais, deixando o combate político para o PNR e Frente Nacional. Formou-se então uma nova fação de descontentes, encabeçada por João Martins, que defendia o regresso à estratégia inicial: combate cultural acompanhado de combate político.

A fação dissidente criticou Branquinho e acabou por abandonar a organização identitária, entrando depois em conversações com militantes que saíram da Frente Nacional em oposição à hegemonia dos boneheads dos Portugal Hammerskins (PHS).

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Primeiro número da revista Identitário, da Causa Identitária
Primeiro número da revista Identitário, publicado pela Causa Identitária em março de 2008. Fonte: Ephemera - Biblioteca e Arquivo de José Pacheco Pereira

Machado não gostou destas movimentações e a rivalidade com Martins subiu de tom. Mas, pouco depois, a 18 de abril de 2007, a Direção Central de Combate ao Banditismo (hoje Unidade Contraterrorismo) da Polícia Judiciária, desencadeou a primeira megaoperação contra os boneheads e a sua liderança: 58 buscas domiciliárias, 190 inspetores envolvidos e 31 detidos, dos quais 27 em flagrante delito por terem armas proibidas. Entre eles encontrava-se Mário Machado.

A Frente Nacional nunca mais recuperou a força que antes tinha e o PNR ficou para sempre marcado pela colagem aos boneheads.

Com a liderança da Frente Nacional fragilizada pelas autoridades, a estratégia de contemporização de Branquinho deixou de fazer sentido e, no verão de 2007, abandonou a liderança da organização na sequência de uma assembleia-geral da Causa Identitária. Branquinho, que mais tarde foi diretor do jornal O Diabo, criou depois a organização identitária Terra e Povo, inspirada na organização francesa com o mesmo nome, acabando por desaparecer em 2011. 

Começou então a terceira fase da Causa Identitária, corporizada pela presidência de Diogo Canavarro, na altura estudante universitário, pela vice-presidência de João Pais do Amaral, atualmente dirigente do PNR (hoje Ergue-te!), e pelo secretário-geral Rolando Mateus, então gerente comercial com 36 anos.

A nova direção conseguiu manter algum dinamismo nas atividades da Causa Identitária, organizando o segundo encontro internacional em Portugal, a sua grande bandeira. Aconteceu a 23 de fevereiro de 2008 e serviu para fortalecer os laços com os identitários espanhóis, na figura de Eduardo Nuñez, da Asamblea Identitária, e com os franceses, representados por Philipe Vardon, da Nissa Rebela, e por Fabrice Robert, do Bloc Identitaire.

Um militante identitário português explicou no evento a sua experiência ativista entre os identitários italianos do CasaPound, nomeadamente com ocupações de casas devolutas. À última hora, o líder do CasaPound, Gianluca Iannone, não compareceu, mas veio a Portugal em setembro desse mesmo ano para espalhar o identitarismo, conta Marchi.

Mais de um ano depois, a 17 e 18 de outubro de 2009, uma delegação da Causa Identitária participou na IV Convenção Identitária em Orange, França. O propósito da delegação passou, segundo Marchi, no livro já aqui referido, pelo objetivo exclusivo de aprender com os seus congéneres franceses sobre a estratégia localista.

No entanto, e à medida que a primeira década do século XXI terminava, a Causa Identitária foi perdendo capacidade de atração e mobilização, com a sua militância a morrer lentamente. A organização padeceu dos mesmos problemas que outros grupos de extrema-direita: incapacidade para se profissionalizarem e de desenvolver uma base militante definitiva, segundo Marchi. Foram incapazes de transformar um movimento espontâneo numa organização consolidada com a potencialidade de vir a ser um partido político ou grupo de pressão.

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