Historiadora e professora titular da Howard University, em Washington DC, nos Estados Unidos. Autora e editora de mais de treze livros sobre a história e a memória da escravatura no mundo atlântico. Membro da comissão científica do Projeto da UNESCO Rota das pessoas escravizadas (antigo Projeto Rota do Escravo).

A solidão do historiador: O consenso COVID-19 como história do tempo presente

O livro The Covid Consensus: The Global Assault on Democracy and the Poor — A Critique from the Left, de Toby Green e Thomas Fazi, mistura história e jornalismo para analisar o tempo presente enquanto este se desenrola. Nos últimos trinta e quatro meses, Green foi o único académico a denunciar os impactos da pandemia, e das medidas tomadas para a mitigar, em África e no Sul Global, e a debater esses impactos na esfera pública.

Recensão
16 Fevereiro 2023

Nos últimos 15 anos, o historiador Toby Green dedicou o seu trabalho ao estudo da história da África Ocidental e ao aumento das desigualdades económicas durante a era do comércio atlântico de escravizados e do colonialismo. Em 2019, apenas um ano antes da pandemia global de COVID-19 atingir o mundo, Green publicou A Fistful of Shells: West Africa from the Rise of the Slave Trade to the Age of Revolution (“Um punhado de conchas: a África Ocidental desde a ascensão do comércio de escravos até à era da revolução”) um importante livro, cuja tradução em português do Brasil está por vir, que recebeu vários prémios, e que aborda as raízes históricas das desigualdades económicas e sociais que assolaram África a partir do final do século XV. 

Green também tem sido um zeloso defensor da investigação e do ensino da história africana. Não só desenvolve colaborações com académicos de vários países do continente africano e do Sul Global, como também é o coordenador do comité Fontes Historiae Africanae da Academia Britânica, que vem investindo na publicação de fontes primárias da história africana.

Após um ano de pandemia, surpreendi-me ao encontrar Green no Twitter, onde estou há mais de uma década. Até 2020, ele não estava nas redes sociais onde muitos de nós, historiadores, participamos em debates públicos e divulgamos os nossos próprios trabalhos. 

Em fevereiro de 2021, Green já tinha apresentado A Fistful of Shells no #slaveryarchive book club, uma iniciativa organizada por mim e mais três colegas académicos, desde julho de 2020, para discutir livros sobre a história da escravidão e o mundo atlântico, numa época em que nenhum de nós podia lançar os seus livros nos ambientes habituais, como universidades e livrarias. 

Image
covid consensus capa
Capa do livro de Toby Green e Thomas Fazi, publicado pela Hurst Publishers em 2021

No final de 2021, soube que, enquanto estávamos confinados, Green havia escrito e publicado The Covid Consensus: The New Politics of Global Inequality (“O Consenso Covid: A Nova Política de Desigualdade Global”) em julho desse ano. O livro narra os tempos horríveis que vivemos no primeiro ano de pandemia. 

Sendo eu uma historiadora da diáspora africana que usa o trabalho de Green, não poderia ignorar o livro, embora a minha abordagem pessoal da pandemia tenha sido, desde o começo, a de abraçar totalmente o consenso COVID-19 que o autor desmonta no seu livro. 

Por causa da minha própria ignorância sobre o assunto, e porque abracei totalmente esse consenso, li com ceticismo a primeira edição do livro. Mas Green tinha acabado de publicar o incrível Fistful of Shells; eu sabia que ele deveria ter alguma razão. Além disso, não posso discordar do argumento principal do livro sobre os efeitos nefastos dos confinamentos (lockdowns) no Sul Global, especialmente em África, e sobre como essas restrições levaram ao aprofundar de desigualdades.

Comecei então a acompanhar o trabalho de Green no website Collateral Global, uma rede liderada por um grupo de estudiosos com o objetivo de entender os impactos da COVID-19 nas nossas sociedades. Como parte dessa iniciativa, Green liderou uma série de entrevistas estruturadas e não estruturadas. Através dessas histórias orais da pandemia, o historiador criou, consciente ou inconscientemente, uma rica coleção de testemunhos associados às experiências vividas durante esses trágicos últimos três anos. Muitas dessas entrevistas são com académicos africanos. 

Nos últimos trinta e quatro meses, Green foi o único historiador, entre os académicos da Europa e da América do Norte, a persistentemente retraçar e denunciar os impactos da pandemia em África e no Sul Global e a debater esses impactos na esfera pública. Green alertou sobre os efeitos negativos de medidas como longos confinamentos como os impostos na França, no Reino Unido e, principalmente, na China.

Também criticou o encerramento de escolas e o impacto da imposição do uso de máscaras, especialmente nas crianças. Mais importante, ele criticou publicamente as medidas restritivas, como os rígidos confinamentos impostos a países do Sul Global, como Angola e Senegal, onde a maioria da população depende de sair de casa para ganhar a vida, porque a economia informal é o que prevalece.

Como muitos académicos, tirando passar o dia inteiro no meu escritório escrevendo e ensinando não me lembro muito bem do que aconteceu entre março de 2020 e janeiro de 2022. As informações que recebi durante o longo primeiro ano da pandemia foram totalmente mediadas pelo medo e pela descrença. Estava entre o pequeno grupo de indivíduos privilegiados que podiam trabalhar no seu escritório doméstico. Como professora titular, continuei pagando a renda do meu apartamento aquecido e com Internet de alta velocidade, iPad, laptop e iPhone e, assim, protegendo a mim e ao meu marido do vírus.

Green foi o único historiador da Europa e da América do Norte, a denunciar os impactos da pandemia na África e no Sul Global.

Já em meados de março de 2020, começámos a usar máscaras cirúrgicas e luvas. Nessa mesma época, comecei a dar aulas online. Alguns dias depois recebemos a notícia de que shoppings, bibliotecas e museus estariam fechados por tempo indeterminado. O confinamento e as medidas de distanciamento social começaram no estado da Virgínia, onde moro, quando o governador declarou uma ordem de “fique em casa” a 30 de março de 2020.

Entre maio de 2020 e agosto de 2021, encomendámos as nossas compras online e interrompemos quase todas as atividades externas. Abandonámos rapidamente as máscaras cirúrgicas para usar caras máscaras KN95 todas as vezes que saíamos do apartamento para usar o elevador e ir buscar um pacote, para fazer as nossas caminhadas matinais diárias e até para andar de bicicleta, mais tarde, durante o verão de 2020. 

Esses eram os únicos momentos em que saíamos. Já em janeiro de 2021, recebi a minha primeira dose da vacina, depois uma segunda dose em fevereiro de 2021, depois uma primeira dose de reforço em outubro de 2021 e um segundo reforço em abril de 2022, para um total de quatro doses da vacina da Pfizer.

Ou seja, seguimos de A a Z a cartilha oficial para evitar o vírus. Não temos filhos; portanto, não tive de lidar com os desafios da educação domiciliar. Não cuidamos de nenhum idoso. Até hoje, nem eu nem o meu marido apanhámos COVID-19 e nenhum membro da minha família próxima ficou gravemente doente ou morreu de COVID-19 ou causas relacionadas. 

Essa longa e chata introdução serve para dizer que, até março de 2020, Green era um historiador da África e das desigualdades económicas. Quanto a mim, também historiadora, pude seguir todas as medidas oficiais para me sentir segura durante quase três anos completos de pandemia.

A construção do consenso

Quando a pandemia começou a acalmar, Green, juntamente com o jornalista Thomas Fazi, começou a preparar uma nova edição expandida do livro. Com quase 500 páginas, a segunda edição do livro The Covid Consensus: The Global Assault on Democracy and the Poor? A Critique from the Left (“O Consenso da Covid: O Ataque Global à Democracia e à Pobreza? Uma Crítica da Esquerda”) é duas vezes mais longa do que a primeira. 

Mais refinado e detalhado, o livro beneficia de uma perspetiva mais ampla e distanciada após três anos do início da pandemia global. Dirigido a um público amplo, o que Green e Fazi fazem neste livro é escrever uma história do presente. E escrever histórias do presente é sempre desafiador. 

Como areia movediça, os eventos atuais continuam a desenrolar-se mais rápido que o ritmo do historiador. Além disso, como muitas vezes vivenciamos eventos apenas pela Internet ou pela televisão, podemos levar muito a sério as nossas opiniões informadas. Mas o historiador do presente não é o observador comum dos eventos atuais. O historiador do presente caminha sobre a lâmina fina e afiada dos eventos atuais e, como um tecelão, vai entrelaçando esses eventos e conectando-os ao passado distante. 

A morte é um assunto tabu nas sociedades ocidentais. Portanto, avaliar a morte recente de centenas de milhares de indivíduos num livro é um empreendimento corajoso e arriscado. Em The Covid Consensus, os autores tomaram em mãos essa tarefa. E colocaram os impactos das medidas anti-COVID-19 no continente africano no centro da sua análise.

A primeira edição de The Covid Consensus tinha apenas quatro capítulos, com uma introdução e uma conclusão, enquanto a nova edição, bem mais longa, está dividida em duas partes com nove capítulos, além de uma introdução e uma conclusão. 

A primeira parte estabelece um relato documentado da pandemia entre o final de 2019 e o final de 2021, com o surgimento da variante Omicron. A segunda parte avalia os impactos das medidas restritivas tomadas pelos governos em todo o mundo, nos últimos três anos, para conter a pandemia. A terceira parte cobre o surgimento da COVID-19 na China em 2019. Os autores discutem os eventos conforme eles se desenrolaram naquele confuso início de 2020.

O remédio para o caos criado em África foi fornecer aos países africanos empréstimos do FMI e do Banco Mundial, reacendendo o ciclo de dívida e dependência.

Ao contrário de muitos relatos que vimos na imprensa sobre o surgimento da pandemia, os autores não omitem qualquer versão possível sobre a origem do vírus, incluindo uma origem laboratorial. Embora reconheçam que essa hipótese foi rejeitada por muitos funcionários e cientistas, Green e Fazi enfatizam que, devido à persistente falta de transparência, as especulações persistem e uma resposta conclusiva ainda não foi produzida

Os autores também discutem como as autoridades oficiais da China ou dos Estados Unidos tentaram controlar as informações associadas ao surgimento da pandemia. É quando a colaboração entre um historiador e um jornalista funciona melhor. Aqui, Green e Fazi discutem a definição de pandemia, mostrando como essa definição não só não está congelada no tempo, mas também mudou num período muito recente.

Green e Fazi também comparam a pandemia de COVID-19 a outras epidemias e pandemias recentes como a epidemia de ébola em 2013 e a pandemia de H1N1 (conhecida como gripe suína) de 2009, bem como as medidas tomadas para mitigar a propagação dos vírus associados a elas. 

O livro continua discutindo o surgimento de confinamento massivos na China que rapidamente se expandiram em versões mais leves para vários países da Europa, Américas e Ásia. Uma das contribuições centrais do livro é examinar como a pandemia evoluiu em África. 

Os autores mostram como as medidas de confinamento e distanciamento social foram impostas em vários países, embora se esperasse que infeções, hospitalizações e mortes fossem muito menores em África do que na Europa e nas Américas, especialmente porque a idade média do continente era de 19,8 anos em 2019, e a população de maior risco eram idosos e indivíduos imunocomprometidos.

A reprodução dessas medidas restritivas em África, argumentam os autores, tornou-se um dos principais pilares do consenso COVID-19. No continente africano, as medidas restritivas impediram que homens e mulheres circulassem livremente nas ruas para ganhar a vida. Da mesma forma, o encerramento das escolas durante meses em países africanos, onde não havia infraestrutura para oferecer ensino online, teve um impacto ainda mais dramático nas crianças e nos jovens. 

Green e Fazi discutem as diferentes respostas de vários países africanos a essas medidas. Aqui, os autores argumentam que as medidas de confinamento foram basicamente impostas pela Organização Mundial da Saúde. Essas medidas, afirmam, provocaram mortes e levaram a uma verdadeira devastação socioeconómica global. Então, o remédio para o caos recém-criado foi fornecer aos países africanos empréstimos de instituições como o FMI e o Banco Mundial e, assim, reacender o ciclo de dívida e dependência.

No geral, o livro argumenta que a implementação dessas medidas restritivas — como os lockdowns, mas também as vacinas obrigatórias e mandatos de máscara —, enfraqueceram as democracias e atacaram as liberdades civis na Europa e na América do Norte. Os autores também abordam temas polémicos, como as experiências com a hidroxicloroquina, que ficou conhecida como a droga de Trump, para criar tratamentos preventivos. 

Ainda assim, esta não é uma narrativa seletiva. Os autores revisitam a linha do tempo associada ao uso dessa droga, a sua aprovação, a retratação e os debates levantados por artigos científicos. Além disso, no que diz respeito a África, os médicos africanos empregaram esse medicamento de baixo custo, usado no tratamento da malária, para tratar casos de COVID-19, quando não havia acesso a vacinas e a tratamentos eficazes.

Ao examinar os primeiros meses da pandemia, o livro também enfatiza a conexão entre a falta de tratamentos preventivos e precoces, a inexistência de vacinas e a implementação de lockdowns, já que medidas de distanciamento social se tornaram a única alternativa disponível.

Aqui, o trabalho do historiador está no seu melhor, mostrando como a pandemia de COVID-19 levou ao surgimento de novos parâmetros, como contar cada teste positivo de PCR como um caso de COVID-19, independentemente de o paciente ser sintomático ou assintomático.

Os autores fazem um trabalho minucioso ao explorar todos os debates relacionados a vacinas e tratamentos contra a COVID-19, inclusive aqueles rotulados como polémicos e parte de teorias da conspiração.

Como resultado, os autores concluem que nos primeiros meses da pandemia o aumento de novos “casos” provavelmente foi sobrestimado e “virtualmente sem sentido”. Mas, se assim fosse, como explicar o grande número de internamentos e óbitos? Fornecendo exemplos de diferentes países, como Alemanha, Itália, Reino Unido e Estados Unidos, os autores também afirmam que a contagem foi errónea, porque qualquer pessoa internada no hospital e “que teve resultado positivo recentemente” foi considerada uma paciente COVID-19, independentemente da razão pela qual estava sendo admitida nos hospitais. 

Em última análise, segundo o raciocínio dos autores, o número de casos entre crianças internadas também contribuiu para sobrestimar o impacto do vírus nas crianças. Da mesma forma, todos os falecimentos de pessoas que tiveram um teste positivo para COVID-19, independentemente de outras causas, foram contabilizados como mortes por COVID-19. Em alguns casos, hospitais sobrelotados também provocaram alta mortalidade. 

Ainda assim, apesar de relatar esses debates, os autores reconhecem que não estão qualificados para julgar esses métodos, embora vários especialistas tenham contestado a metodologia de contagem de casos.

Mesmo sendo um livro destinado a um público amplo, os autores fazem um trabalho minucioso ao explorar todos os debates relacionados a vacinas e tratamentos contra a COVID-19, inclusive aqueles que têm sido rotulados como polémicos e parte de teorias da conspiração. 

Os autores também exploram em detalhe os primeiros esforços ocidentais para criar vacinas, incluindo o papel da Fundação Bill e Melinda Gates no financiamento desses esforços, e como o discurso público se construiu à volta da ideia de que os lockdowns eram necessários até que as vacinas fossem aprovadas e disponíveis para todos.

No entanto, é aqui que surge, novamente, outra contradição. Apesar do perfil jovem das populações africanas e do facto de que uma grande parte da população de vários países depende da economia informal que ocorre no espaço público das áreas urbanas e rurais, os países africanos deveriam implementar lockdowns ao mesmo tempo que as nações ricas ocidentais. 

Enquanto isso, as vacinas para a COVID-19 não estavam disponíveis para os países africanos. Os lockdowns e as políticas orientadas para a COVID-19 na África não apenas aumentaram a desnutrição e o desemprego, mas também interromperam as vacinações contra outras doenças que causam mortalidade infantil, como sarampo e poliomielite, que ressurgiram no continente. De facto, essa mesma tendência também é visível em outros países, como Índia, Afeganistão e até no Brasil.

O trabalho do historiador do presente não é traduzir a literatura científica, mas explorar como os estudos e os debates em torno deles evoluíram no quotidiano.

Como a nova edição de The Covid Consensus é muito abrangente e como a pandemia e suas repercussões ainda estão se desenrolando, algumas declarações que exigiriam mais explicação não são totalmente desenvolvidas. Por exemplo, os baixos números de mortalidade na China são declarados, mas não contestados. 

Por vezes, alegam-se possíveis benefícios de tratamentos preventivos e medidas para evitar a COVID-19, mas parece que tais medidas exigiriam mudanças a longo prazo no estilo de vida das populações ocidentais, uma opção que não estava disponível quando a pandemia começou. 

Além disso, sob todas essas questões também está subjacente o profundo problema da privatização dos sistemas de saúde e como as seguradoras de saúde e as empresas farmacêuticas já obtêm lucros imensos em tempos normais, e ainda mais durante a pandemia. No entanto, nenhum desses problemas está realmente no cerne do contexto africano, sobre o qual este livro é o único a abordar. 

Alguns comentadores e estudiosos também podem discordar de algumas afirmações feitas no livro, pois as fontes nem sempre são artigos científicos, mas peças jornalísticas. 

Mesmo assim, o trabalho do historiador do presente não é traduzir a literatura científica para o público, mas sim explorar como esses estudos e os debates em torno desses estudos evoluíram no quotidiano à medida que foram traduzidos para o público em jornais e redes sociais. A colaboração entre um historiador e um jornalista é a combinação perfeita para escrever uma história do presente.

Uma história do presente

The Covid Consensus é uma genealogia da pandemia de COVID-19, uma história exemplar do presente que sobreviverá ao fim da crise atual. Ainda assim, a contribuição imediata mais importante do livro é mostrar como a resposta à pandemia teve um impacto devastador nas populações pobres dos países ricos, mas especialmente como os bloqueios impactaram o continente africano e aumentaram as desigualdades mundiais já existentes. 

Aqui, é importante destacar que, apesar da importância dessas duas contribuições, a maioria dos historiadores, inclusive os historiadores da África, do tráfico atlântico de escravos e da escravidão se recusa a ter essa conversa na esfera pública. Existem várias razões pelas quais esse engajamento não ocorreu até agora.

Em geral, muitos académicos de ciências sociais e humanas abraçaram o slogan “siga a ciência,” confiaram nas vacinas, usaram máscaras e aceitaram as medidas de restrição social impostas, mesmo quando as recomendações oficiais sobre uso de máscara, reuniões públicas, testes, e a proteção prometida fornecida pelas vacinas mudava quase quinzenalmente entre março de 2020 e agosto de 2022. 

Poucos académicos desafiaram o encerramento de escolas e os impactos negativos das restrições sociais na população desprivilegiada e nos países empobrecidos. Ora, como Green e outros autores já discutiram, alguns académicos podem ter temido esses debates porque grupos de extrema-direita, apoiantes de Trump e Bolsonaro, aderiram aos protestos contra o uso de máscaras e contra o confinamento. 

De facto, nas redes sociais raramente há lugar para nuances. As pessoas não leem ou procuram contexto. Em vez disso, a reação comum é tomar partido, imediatamente. Portanto, qualquer intervenção em debates envolvendo a morte num período em que as pessoas vivem em sofrimento é muito perigosa. Mas depois da derrota de Donald Trump em novembro de 2020, dos crescentes índices de vacinação, da criação de novos tratamentos e da queda de Jair Bolsonaro em 2022, não há justificativa para deixar de discutir os impactos causados por essas medidas de mitigação do vírus.

Os historiadores ainda resistem a abordar questões relacionadas com o presente, como o desmantelamento de monumentos e as reparações pela escravidão.

A falta de engajamento académico no debate trazido pelo The Covid Consensus também reflete outras questões importantes. Primeiro, os historiadores ainda resistem a abordar questões relacionadas com o presente. Foi assim inicialmente com outros debates, como o desmantelamento de monumentos e as reparações pela escravidão.

Em segundo lugar, e talvez o elemento mais importante, os académicos ocidentais ignoram a história africana, os eventos atuais no continente africano e, portanto, realmente não se importam com os impactos das medidas restritivas dos últimos três anos em África.

Independentemente de discordar ou apoiar os factos, reivindicações e argumentos feitos no livro de Green e Fazi, temos aqui um modelo de como escrever a história do presente, e que nenhum outro historiador ou jornalista escreveu até agora. O livro também é a única história narrativa da pandemia de COVID-19 e os impactos negativos que os lockdowns indiscriminados tiveram na vida de mulheres, crianças, idosos e pobres através do globo.

Se o ofício do historiador é estudar o passado, entender o presente, com o intuito de construir um futuro melhor, um debate académico, público aberto sobre os últimos três anos de pandemia, o rastro de morte que ela deixou e o fracasso das medidas tomadas para mitigar essas mortes é necessário para que se evitem os mesmos erros no futuro. Green e Fazi começaram. Espero que outros sigam o exemplo.