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Concentração Fim ao Genocídio na Palestina e Justiça para Shireen Abu Akleh | Fotografia: Rafael Moreira 

“Liberdade para a Palestina e justiça para Shireen Abu Akleh”: as palavras que saíram à rua em Lisboa

Centenas de pessoas manifestaram-se em Lisboa. Em solidariedade com a Palestina pediam liberdade e justiça para Shireen Abu Akleh, jornalista do canal Al-Jazeera, que foi assassinada a 11 de maio em Jenin, na Cisjordânia ocupada por Israel. 

Direitos humanos
19 Maio 2022

Pouco passava das seis da tarde quando o Rossio, em Lisboa, se pintou com as cores da bandeira da Palestina. Ouviram-se várias línguas, mas as palavras de luta soavam em uníssono. Do português ao castelhano, do inglês ao árabe: “Resistência não é terrorismo”, “Palestina livre”, “Fim da ocupação genocida, justiça para Shireen”. Chegavam a todos os ouvidos, erguiam-se em cartazes e saíam da boca de quase 300 pessoas.

O nome de Shireen Abu Akleh, jornalista do canal Al-Jazeera assassinada no passado dia 11 de maio em Jenin, na Cisjordânia, vinha “cravado” na memória e numa faixa branca desenhada com o seu rosto. Foi a sua morte que voltou a chamar, ainda que por breves momentos, a atenção europeia e mediática para a Palestina na semana em que se assinalaram os 74 anos do Nakba (a Catástrofe), quando mais de 700 mil palestinianos foram forçados a abandonar pela força as suas casas com a criação do Estado de Israel, em 1948. 

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​A concentração reuniu centenas de pessoas que prestavam solidariedade com a Palestina. |​ Fotografia: Rafael Moreira

“Não nos esqueceremos do seu nome, do seu rosto, nem da bala que a matou.” Imir Adidh vive em Lisboa há quase uma década e a sua voz não se esgota ao gritar estas palavras. Desde cedo que o jovem de 24 anos acompanha os movimentos sociais palestinianos em Portugal. Não podia ser de outra forma, é um dos ‘filhos’ palestinianos que luta ativamente pela liberdade do povo a que pertence.

Junto a um grupo de pessoas que preenchia os espaços vazios do passeio rodeando a estátua do rei D. Pedro IV, Adidh trazia consigo um keffiyeh em tons de vermelho e branco. É um lenço, acessório cultural palestiniano, que se destacava tanto quanto as bandeiras que ondulavam na praça. “Estamos aqui para lembrar as milhares de vidas que se perderam. Pedimos justiça por elas há 74 anos e pedimos justiça pela vida que foi tirada a Shireen”, diz o ativista palestiniano. 

Shireen Abu Akleh era uma veterana do jornalismo palestiniano. Há décadas que a jornalista palestino-americana denunciava os abusos e violências perpetrados pelas autoridades israelitas contra o povo palestiniano. Era das caras mais conhecidas do meio de comunicação Al-Jazeera

Na semana passada, quando se dirigiu ao campo de refugiados palestinianos em Jenin, no norte da Cisjordânia, para cobrir uma incursão israelita, Shireen Abu Akleh foi baleada na cabeça por atiradores israelitas. Usava um capacete e um colete em que se identificava como jornalista, e quando os seus colegas a tentaram acudir, os atiradores não pararam de disparar. 

O ministro da Defesa de Israel, Benny Gantz, prometeu uma investigação à morte da repórter, totalmente pública, e pediu que as autoridades da Palestina entregassem a bala que a matou. Mas a Autoridade Palestiniana já garantiu que não a vai entregar, rejeitando mais uma vez o pedido de Israel para realizar uma investigação conjunta. 

Esta recusa aconteceu na sequência de várias tentativas israelitas para desvalorizar o assassinato e fomentar a dúvida sobre quem matou a jornalista. O primeiro-ministro de Israel, Naftali Bennet, não descartou a hipótese de a repórter ter sido vítima de fogo palestiniano, hipótese que aliás considerou ser provável. Isto porque, de acordo com o governante, havia palestinianos no confronto “a disparar indiscriminadamente” e nenhum militar israelita foi ferido. 

Por sua vez, Riyad Mansur, representante palestiniano nas Nações Unidas, pediu uma “investigação internacional e independente” ao assassinato da repórter da Al-Jazeera, deixando claro não aceitar uma investigação feita por Israel. “Os criminosos não podem investigar-se a si mesmos.”

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Shahd Wadi, investigadora e ativista palestiniana | Fotografia: Rafael Moreira

“Num trágico assassinato premeditado que viola as leis e as normas internacionais, as forças de ocupação israelitas mataram, a sangue-frio, esta jornalista”, lamentou Shahd Wadi, investigadora e ativista palestiniana que abriu o espaço de intervenções. “Abu Akleh foi assassinada por Israel.”

A violência contra a jornalista de 51 anos não se ficou pelo seu assassinato, continuou no seu funeral. No cortejo fúnebre, em Jerusalém, a polícia israelita atacou centenas de pessoas que se reuniram para saudar a vida de Shireen Abu Akleh. Nos vídeos partilhados pela emissora Al-Jazeera, e divulgados por diversas vezes nas redes sociais, as forças israelitas apreenderam bandeiras palestinianas e partiram a janela do carro funerário que transportava o seu corpo, onde voltaram a remover a bandeira que acompanhava o caixão. A violência continuou de tal forma que os palestinianos que carregavam o caixão tiveram de se proteger com apenas uma das mãos para não o deixarem cair. 

A polícia israelita justificou as suas ações dizendo ter sido atingida com “pedras e paus” por parte da multidão e, por isso, recorrido a gás lacrimogéneo e a desferido violentas bastonadas e pontapés. De acordo com os dados do Hospital Red Crescent Society Jerusalém, no decorrer da repressão israelita mais de 30 pessoas ficaram feridas, das quais seis foram hospitalizadas. Mas os jornalistas no local deixaram claro que não houve provocações, apenas o cântico do hino palestiniano e palavras de ordem em homenagem à jornalista. 

Não foi o único ataque das autoridades israelitas a um funeral. Na passada segunda-feira, o funeral do jovem palestiniano Walid Sharif, morto pelas forças de segurança israelitas, também se tornou num alvo. Bandeiras palestinianas marcaram o momento fúnebre e, mais uma vez, as forças israelitas atacaram-no, designando-o como “distúrbios violentos iniciados pela multidão”.

O sentimento de  revolta está bem patente no rosto de Shahd Wadi, ao denunciar que o que se vive em Jenin e em Jerusalém “é apartheid”. “A morte de Shireen veio acordar-nos para uma realidade que não pode cair no esquecimento. Não como o fizeram há 74 anos, quando nos retiraram as nossas casas”.

Na semana em que se assinalou o Nakba, o assassinato da jornalista palestino-americana não deixou de ser um exemplo claro da repressão, física e psicológica, que os palestinianos sofrem diariamente. “Shireen é mais uma mulher que se junta aos milhares e milhares de homens e mulheres que foram assassinados, torturados, presos, humilhados, todos os dias na Palestina, por conta de um projeto de ocupação e limpeza étnica que avança todos os dias ante a observação, a cumplicidade da comunidade internacional”, destacou Carlos Almeida, representante do Movimento Pelos Direitos do Povo Palestiniano e Pela Paz no Médio Oriente, organização que convocou o protesto desta segunda-feira.

 

Catástrofe tem uma palavra: Nakba

Ao fim de 74 anos, a Nakba representa para milhões de palestinianos – os que vivem sob ocupação ou no exílio e a minoria que aceitou integrar um Estado que se define como judaico – “não só um acontecimento histórico, mas uma ferida aberta”, afirmou ao Setenta e Quatro o Capitão de Abril Mário Tomé. “Os palestinianos continuam a sofrer diariamente a separação de famílias, expropriações de terras e a construção de colonatos. O que se passa na Palestina não é apenas uma condição de apartheid. O que se passa na Palestina é um genocídio. É um conceito que está descrito na Carta das Nações Unidas”, disse o dirigente da Associação 25 de Abril.

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O protesto em Lisboa foi também um momento de união simbólica.| Fotografia: Rafael Moreira
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Carlos Almeida, representante do Movimento Pelos Direitos do Povo Palestiniano e Pela Paz no Médio Oriente, alertou com grande indignação para o posicionamento de Portugal e a necessidade de se chamar os órgãos de soberania à razão, nomeadamente o Ministério dos Negócios Estrangeiros. “A posição que o Governo assumiu a propósito do assassinato da Shireen Abu Akleh é indigna.” 

Para o representante do movimento, qualquer dirigente do Governo de Israel poderia ter subscrito este texto. “Em primeiro lugar, a jornalista Shireen Abu Akleh não morreu, foi assassinada. E, no mínimo deveriam ter referido uma investigação independente. Investigação rigorosa dirá o Governo de Israel que também faz.” 

As críticas foram motivadas pelo posicionamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros português via rede social Twitter. “Portugal condena a morte da jornalista Shireen Abu Akleh no exercício das suas funções na Cisjordânia, expressando sinceras condolências à família. Impõe-se uma investigação rigorosa ao incidente. A liberdade de imprensa e a proteção de jornalistas em contexto de conflito são basilares”, lê-se no tweet.

O protesto em Lisboa foi também um momento de união simbólica entre palestinianos e os restantes povos que estão ao seu lado. Dima Mohamed, palestiniana residente em Lisboa e uma das organizadoras da concentração, acredita por isso mesmo que o seu povo não está sozinho na “sua luta justa contra a opressão, a ocupação e o genocídio”. E por isso mesmo decidiu marcar presença no protesto, “para ouvir a voz solidária dos portugueses que também querem falar da solidariedade, que recusam esta cumplicidade silenciosa do mundo sobre o que está a acontecer na Palestina”, disse. 

“Nem todas as vidas têm o mesmo valor na imprensa e nos meios de comunicação social", lamentou a jornalista Ana Naomi de Sousa.

Uma solidariedade que não deixa de ser difícil de alcançar e que tende a piorar com a desinformação e manipulação mediática, alertou. “Os media falam desta situação sem serem claros, apesar de haver pessoas no local a dizerem exatamente o que aconteceu”, critica. “Não foi por isto que a Shireen deu tanto de si.”

A jornalista e realizadora Ana Naomi de Sousa concorda que há uma forma de olhar a informação quando envolve a Palestina e Israel. Em conversa com o Setenta e Quatro deu ainda um exemplo que lhe é próximo: a britânica BBC. “A forma como se focaram na possibilidade de não ter sido uma bala com origens do exército israelita, mas de parte de palestinianos, por exemplo, é uma questão que parte da abordagem de costume”, critica a jornalista. 

Tudo isto acontece num momento em que as tropas israelitas escalaram significativamente a violência e a repressão do povo palestiniano desde o início de 2022, denuncia a Euro-med Human Rights Monitor, organização de defesa dos direitos humanos. Só este ano a organização documentou o homicídio de 47 palestinianos, incluindo oito crianças e duas mulheres, em vários incidentes: “este número representa quase cinco vezes mais o número de palestinianos mortos pelo exército israelita no mesmo período do ano passado.” 

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