Doutorada em História Institucional e Política Contemporânea pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. É historiadora do período contemporâneo português.

Portugal e os refugiados do Holocausto: o colaboracionismo de Salazar

Ensaio
14 Janeiro 2022

Os refugiados continuaram a chegar a Portugal com o intensificar da II Guerra Mundial. Milhares de refugiados entraram no país com vistos que desrespeitavam a circular n.º14 do ministério dos Negócios Estrangeiros: não tinham vistos de país de destino ou passagens compradas num navio para deixarem Portugal. Em Junho de 1940, cerca de 18 mil refugiados juntaram-se em Vilar Formoso, registou Augusto d´Esaguy, da Comissão de Assistência aos Judeus Refugiados em Portugal (Comassis), gerida pela Comunidade Israelita de Lisboa (CIL). A organização detinha apoio monetário da organização judaica norte-americana American Joint Distribution Committee.

Segundo uma estimativa da CIL, teriam entrado em Portugal, de Junho até Agosto de 1940, cerca de 12 mil refugiados, número que em Novembro aumentou para 14 mil. Por sua vez, o Joint assinalou que, entre Junho de 1940 e Maio de 1941, passaram pelo país cerca de 40 mil refugiados. A própria PVDE referiu para esse ano os números de 43.540 entradas e 36.579 saídas de estrangeiros, tendo-se hospedado, em hotéis e pensões, cerca de 49 mil.

O comboio do Luxemburgo

No Verão de 1940, as fronteiras portuguesas foram brevemente fechadas e os refugiados ficaram temporariamente retidos em Vilar Formoso, embora acabassem depois por entrar em Portugal. O mesmo não aconteceu, porém, com 293 judeus vindos do Luxemburgo: a 11 de Novembro de 1940, chegaram à fronteira portuguesa num comboio selado, escoltado por agentes SS da Gestapo uniformizados.

Nesse período, a política nacional-socialista consistia em expulsar o máximo de judeus dos territórios sob domínio alemão e, após a ocupação nazi do Grão-Ducado do Luxemburgo, em Maio de 1940, Gauleiter Gustav Simon, responsável nazi máximo pela ocupação, tentou tornar esse pequeno país o primeiro “livre de judeus”. Começou então a tragédia para os judeus do Luxemburgo: num único dia, a 5 de Setembro, toda a legislação antijudaica foi promulgada no Grão-Ducado.

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Por seu lado, para que a comunidade judaica escapasse às perseguições, o Consistório Israelita intensificou esforços para a sua evacuação do Luxemburgo, em coincidência com a então política nazi de "obrigar os judeus a emigrar”. Passou-se a organizar três vezes por semana um transporte de autocarro, com espaço para 23 judeus de cada vez, através da “linha de “demarcação”, de Dijon até à zona livre de França. Quase dois mil judeus foram assim evacuados do Luxemburgo para o sul de França.

O primeiro transporte de judeus do Luxemburgo para Portugal aconteceu a 8 de Agosto de 1940; primeiro de autocarro, depois de comboio. Ao chegarem a Vilar Formoso, 30 dos passageiros judeus foram bloqueados por falta de passaportes ou vistos, mas acabaram por entrar em Portugal. Um segundo transporte partiu do Luxemburgo em meados de Outubro de 1940 com 123 a 150 passageiros. Foi inicialmente impedido de entrar na fronteira portuguesa, mas também foi depois autorizado a seguir viagem, graças à intercedência de Augusto D´Esaguy.

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pimentel, holocausto
Este ensaio é baseado no livro Holocausto (Temas e Debates, 2020), da autora.

Mas, no “início de Novembro de 1940, um terceiro transporte de 297 judeus, divididos em 14 autocarros partiu para Lisboa”, acompanhado “por agentes da Gestapo”. Ao contrário do que antes acontecera, resolveram acompanhar os passageiros e, na estação de Vilar Formoso, confrontaram-se com a polícia portuguesa, no que resultou num “incidente que se tornou num escândalo diplomático”.

Albert Nussbaum, director do comité de apoio luxemburguês (Comlux), descreveu que “a 11-11 um transporte com 290 israelitas munidos de vistos para Cuba e para Portugal passados em Bruxelas” chegou escoltado pela Gestapo a Vilar Formoso, onde os passageiros ficaram encerrados no comboio, até 19 de Novembro. O “aprisionamento” custou a “vida a uma mulher”, Pearl Greif, de 58 anos.

Albert Nussbaum relatou também o sucedido, num memorando, enviado ao próprio Salazar, datado de 26 de Novembro, onde assinalou que na tarde de dia 19 o comboio regressara a Fuentes de Oñoro (na fronteira espanhola) com “a sua carga de 290 passageiros tristes e desesperados”. Chegaram, no dia seguinte, a Hendaye “num estado de grande exaustão” e, depois, foram reencaminhados para Bayonne, de onde os passageiros foram enviados para o campo de Mousserolles. E lá ficaram encarcerados à guarda de soldados alemães.

Foram então identificados 287 dos 293 passageiros saídos do Luxemburgo com destino a Portugal e, segundo um testemunho, um deles terá morrido já em Espanha, esmagado entre duas carruagens.

Relativamente à documentação dos passageiros, cinco vinham munidos com vistos para a República Dominicana, dez para os Estados Unidos, um para América do Sul, três para Tânger e os restantes para Cuba. O jornal Aufbau deu conta, em final de Março de 1941, da partida dos judeus vindos do Luxemburgo do campo de Mousserolles, destinados a Marseille, onde esperariam por um visto para um país de exílio. Aconteceu a 51 deles que haviam obtido o visto de entrada na República Dominicana, enquanto outros conseguiram, através de parentes e amigos nos EUA, affidavit (certidões necessárias para emigrarem para este país).

Perto de 170 desses judeus tomaram o caminho da chamada “França Livre” de Vichy, mas esta acabou ocupada pelos alemães em Novembro de 1942, e alguns foram enviados para os campos de internamento de Gurs, de Récébedou e de Les Milles. Cerca de 12 conseguiram chegar à Suíça, 14 emigraram para os Estados Unidos, seis para a República Dominicana, dois partiram para a América do Sul, dois para Cuba e um para o Rio de Janeiro, a que se junta outros três que se terão juntado à Resistência em França e Itália.

A 11 de novembro, chega à fronteira de Vilar Formoso um comboio com cerca de 290 refugiados judeus do Luxemburgo, escoltados pela Gestapo. Sob a justificação de que a maioria traria vistos fraudulentos, o comboio foi impedido de entrar em Portugal.

No entanto, 53 dos passageiros acabariam por ser internados em Drancy e deportados para os campos da morte de Majdanek, Sobibor (doze deles), bem como de Auschwitz, no qual apenas sobreviveu Erika Thuna (Brodsky por casamento).

Por que foi travado o terceiro transporte do Luxemburgo? Uma tentativa de resposta foi dada no livro O Comboio do Luxemburgo, onde se concluiu que o nacionalismo de Salazar teve algo a haver com a recusa de entrada do comboio no país. Vinha escoltado por elementos da Gestapo fardados que se dirigiram-se às autoridades policiais portuguesas de forma provocatória.

Em Portugal, ao contrário de Espanha, não era permitido ostentar um uniforme militar de um país estrangeiro. Nunca se saberá verdadeiramente se a provocação dos elementos da Gestapo feita à PVDE potenciou a vontade de não os deixar entrar.

No entanto, os diversos testemunhos de passageiros que o apontam são corroborados por uma nota confidencial do comandante da Guarda Nacional Republicana (GNR) do posto de Vilar Formoso, de 15 de Novembro de 1940, enviada ao ministro do Interior português.

Informado da chegada de um comboio com “300 passageiros alemães (judeus) acompanhados por diversos oficiais alemães”, o comandante disse que a PVDE lhe pedira auxílio, uma vez que “os referidos refugiados estão acompanhados de um oficial alemão e que aguardam em Vilar Formoso ordem para serem internados em Portugal”. Ou seja, no dia 15 de Novembro ainda se pensava que o comboio entraria no país.

Um dos motivos da não-entrada do comboio em Portugal terá sido o facto de uma grande parte dos refugiados judeus do Luxemburgo estarem munidos de vistos cubanos fraudulentos, comprados em Antuérpia, que não permitiam aos seus portadores a partida rápida de Portugal e muito menos para Cuba. Ora, essa situação ia contra a vontade de Salazar, do MNE e da PVDE de manutenção de Portugal apenas como país de trânsito.

Relativamente ao comboio de Novembro também terá contado o facto de muitos dos seus passageiros serem apátridas e o governo do Grão-Ducado no exílio ter estabelecido uma distinção entre estes e os judeus de nacionalidade luxemburguesa, aos quais tentou prestar ajuda.

Portugal e o salvamento de crianças judias de França

Com a chegada de refugiados a Portugal vieram também as organizações internacionais de apoio, anteriormente instaladas em França ou noutros países entretanto ocupados pela Alemanha nazi. Além do Joint, instalaram-se em território português o American Filds Service Committee (AFSC) e o Unitarian Service Committee (USC), que apoiou sobretudo refugiados políticos.

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Criança refugiada em Lisboa | Mundo Gráfico, janeiro de 1941 | Hemeroteca Municipal de Lisboa

O salvamento dos perseguidos pelo regime nacional-socialista teria sido muito mais difícil sem essas organizações, cuja actuação o governo português permitiu. Em Fevereiro de 1941, o Diário de Notícias apresentou nas suas páginas a criação em Portugal de uma secção portuguesa da “União Internacional de Socorros a Crianças”.

Quatro meses depois, em Junho, o jornal O Século noticiava que um grupo de “mais de uma centena de crianças estrangeiras fugidas do horror da guerra ficou ontem albergada na colónia balnear”, localizada na estrada marginal do Estoril. Numa carta de dia 7, Morris C. Troper, presidente do Joint na Europa, informou a primeira dama norte-americana, Eleanor Roosevelt, que essas crianças “pareciam pequenos homens e mulheres de idade, cansados, pálidos, desfeitos” quando chegaram a Portugal. “Nenhum ousava rir alto e poucos sorriam”. A 6 de Setembro, O Século deu conta da chegada a Portugal de mais 56 crianças que iriam partir para os EUA e, em 18 de Abril de 1943, o Diário de Notícias deu conta da partida para Filadélfia de outras 37 crianças.

Residências Fixas

A aquisição de um visto de entrada num país de destino também era muito difícil. Com o início da guerra, países terceiros como a Grã-Bretanha encerraram as suas representações diplomáticas na Alemanha e nos países ocupados e, com o ingresso dos EUA na guerra contra a Alemanha e o Eixo, o mesmo aconteceu com as missões norte-americanas.

Dessa forma, os países neutrais ainda se tornaram mais importantes para os refugiados, pois só nestes podiam solicitar vistos norte-americanos ou recebê-los do Consulado dos EUA, o que nem sempre acontecia. De facto, numa carta de 27 de Agosto de 1940, enviada a B.B. Kullmann, do Alto Comissariado para os Refugiados, Augusto d’Esaguy informou que os consulados em Lisboa recusavam dar vistos a “apátridas”.

Em Portugal apenas se podia entrar com um visto de trânsito, dependente da prévia posse do visto do país de destino, mas a validade de 30 dias do primeiro era insuficiente para os que tinham a sorte de chegar a Portugal à espera do segundo, sujeito a quotas de entrada, que variavam consoante o país de origem dos refugiados.

Quanto às quotas norte-americanas, a organização de auxílio aos refugiados AFSC informou no início de 1941 que vistos com validade de dez meses contemplariam mensalmente mil alemães, mil britânicos e 500 a 800 naturais de outros países europeus.

Tendo em conta todas estas dificuldades, muitos refugiados compravam vistos de entrada, por muito dinheiro, nos consulados de países latino-americanos ou asiáticos. Davam acesso a vistos de trânsito portugueses, mas eram inválidos para continuar a viagem a partir de Lisboa. Sair de Portugal era outra saga.

Os navios eram poucos e as passagens muito caras, já que, devido ao excesso de procura, as companhias de navegação não cessaram de aumentar os preços. Por falta de transporte, milhares de refugiados estavam retidos em Lisboa, e muitos ficavam indocumentados em Portugal por os seus vistos portugueses caducarem. Toda esta situação provocava o desespero dos refugiados, alguns dos quais se suicidavam, como revelou o jornal Aufbau a 7 de Maio de 1941.

Quando, em Junho de 1940, chegou a Portugal uma grande vaga de refugiados, aqueles com visto concedido por Aristides de Sousa Mendes, sem possibilidades de rápida partida para um destino de exílio, foram postos em regime de “residência fixa”: podiam deslocar-se no seu interior, mas careciam de uma autorização da PVDE para sair dos locais onde estavam fixados.

Em grande número e com vistos insuficientes ou caducados, muitos refugiados foram colocados em zonas de "residência fixa", vigiados pela PVDE e impedidos de sair desses locais. Alguns, "por assuntos políticos", foram presos e enviados para o campo de concentração do Tarrafal.

Eram quase todos locais de termas ou balneários onde havia pensões e hotéis, como foram os casos de Caldas da Rainha, da Figueira da Foz e de Curia. Após serem presos pela PVDE, por estarem indocumentados, os refugiados passaram, em 1942, a ser novamente enviados para zonas de “residência fixa”, onde também foram concentrados os refugiados “políticos” ou “sociais”.

À cidade das Caldas da Rainha seguiu-se a vila piscatória da Ericeira, onde o principal problema dos refugiados continuava a ser a proibição de trabalho. A delegação do norte-americano AFSC em Portugal esclareceu a 30 de Outubro de 1942 que essa medida era usada pelas autoridades portuguesas para obrigar “os refugiados a partirem o mais depressa possível”.

Tinha sido acordado entre os comités de auxílio aos refugiados e a PVDE que iriam passar “a ter residência fixa na Ericeira, uma vila de pescadores”. Chegou assim à Ericeira um “grupo de estrangeiros, franceses, polacos, belgas e holandeses, na sua maioria judeus, refugiados em Portugal”, de um primeiro grupo de cerca de 80 pessoas. Estavam “sob vigilância da Polícia Internacional”. 

Fritz Teppich foi um dos enviados para a Ericeira, descrevendo de forma os respectivos habitantes: “homens do mar curtidos pelas tempestades, amadurecidos na pobreza”, os “pequenos burgueses deprimidos” e “gente do campo prudente”. Teppich realçou que a maioria dos refugiados, colocados em “residência fixa” nessa vila, eram “activistas políticos” que tinham estado detidos nos cárceres da PVDE. Os presos estrangeiros eram habitualmente enviados para as prisões do Aljube e do forte de Caxias. Entre 1936 e 1945, houve um total de 329, metade dos quais (173) acabaram por ficar em regime de “residência fixa”, até 130 deles serem expulsos do país.

No entanto, houve casos de alguns que foram enviados para o campo de concentração do Tarrafal, na ilha de Santiago, arquipélago de Cabo Verde. Aconteceu a Erich Trierscheidt, ao polaco Sigmunt Matueswski, aos franceses Joseph Lacoste e Pierre Premorel, ao operário lituano Alberto Grimeja, a Willi Kaleske e a Luís Arguelles, detido “por assuntos políticos”, tal como aos polacos Pinkus Israelski e Abicim Schumann.

Portugal na rota do Holocausto?

No início de 1941, apenas se encontravam em Portugal cerca de seis a 10 mil refugiados, conforme informou o director do Joint na Europa. Por seu turno, o adjunto do Alto-Comissário para os Refugiados, Kuhlmann, relatou que o número de refugiados em Portugal baixou de seis mil para apenas 1.500 entre Maio e Julho de 1941. No final de Agosto de 1941, restavam apenas 1.500 a 2 mil “verdadeiros refugiados”, cujos prazos dos vistos tinham expirado ou que não tinham conseguido obter documentos de entrada, por exemplo nos EUA, por causa de novos regulamentos.

Em Março de 1941, Augusto d´Esaguy foi informado por Arieh Tartakower, do WJC, de que o norte-americano Departamento de Estado tinha decidido não conceder vistos dos EUA a refugiados com família nos países ocupados pelos nazis. Tratou-se da “cláusula de refém”: visava impedir que este pudesse ser vítima de chantagem da parte da Gestapo e forçado a praticar espionagem contra os EUA.

Em resultado desse e de outros factores, apenas entrariam nos EUA 8.150 refugiados em 1941. Por sua vez, nesse mesmo ano e no que se seguiu, o Serviço de Estrangeiros da PVDE apenas concedeu 7.584 vistos de trânsito portugueses, recusando 1.880. A polícia portuguesa só renovava os vistos depois de se assegurar que o refugiado possuía o documento de entrada num país de destino e a duração de um visto passara a ser apenas de dez dias.

Se em 1938, a "solução do problema judaico" passava por expulsar os judeus da Alemanha, em 1942, convencidos da sua vitória, os nazis vão delinear um plano de extermínio total dos judeus na Europa, incluindo nos países neutros. Nesse plano incluíam-se cerca de três mil judeus em Portugal.

Em 1942, continuavam a chegar a Portugal refugiados, habitualmente sem visto português, vindos de França e, no ano seguinte, entraram cerca de 41.000 estrangeiros. Foi, no verão desse ano, que o Reichssicherheitshauptamt (RSHA, Gabinete Central de Segurança nazi, da SS) e, depois, o Auswärtiges Amt (AA, ministérios dos Estrangeiros nazi) questionaram os representantes diplomáticos alemães em Lisboa acerca da possibilidade de o governo de Salazar “impedir a emigração a partir de Portugal” de refugiados judeus.

Por outras palavras, para proibir a saída de judeus da Europa, pois, conforme acrescentaram as autoridades nazis, era do máximo interesse a “apreensão dos judeus”, “no âmbito da solução final da questão judaica na Europa”. No entanto, as autoridades diplomáticas alemãs em Lisboa nem sequer sondaram nesse sentido o governo português.

A correspondência no seio da diplomacia nazi é reveladora de que Portugal, ou qualquer outro país neutro, já estaria incluído no processo da “Solução Final da Questão Judaica”, em andamento desde Outubro de 1941. Na Conferência de Wannsee, realizada em Janeiro de 1942, na qual a SS delineou o plano de genocídio de todos os judeus europeus, foi apresentada uma lista com os judeus que se encontravam nos países neutros. Os cerca de três mil judeus que estavam em Portugal também seriam alvo da “solução final” nazi.

Ligada à mesma questão, Adolf Eichmann queixou-se, em Julho de 1942, ao AA de problemas ocorridos no processo de “emigração para Leste” por via marítima, na “perspectiva da solução do problema judaico”. Eichmann contou que judeus chegados a um porto sueco estavam a tentar escapar por via aérea para Lisboa, onde estaria em marcha um processo de emigração marítima em massa de judeus para o Ultramar. O AA alemão enviou uma carta manuscrita do mesmo teor do RSHA, datada de 22 de Agosto de 1942, com a referência “impedimento de os judeus emigrarem para o Ultramar a partir de Lisboa”, que chegou às mãos do conselheiro diplomático Dietmar.

Dietmar Kollberg, cônsul alemão em Portugal, responderam ao AA da mesma forma que o representante da polícia nazi em Lisboa, Emil Schroeder, já tinha feito ao RSHA: o Estado português nunca impediria, “por razões humanitárias”, a emigração de judeus para fora do País. Por isso, seria inútil pedir ao governo português que mantivesse judeus em Portugal e os expulsasse para a Alemanha, pois só em casos muito especiais a PVDE os escorraçava das suas fronteiras e, quando isso acontecia, fazia-o directamente para Espanha.

Este episódio é não só revelador que os representantes diplomáticos alemães em Lisboa sabiam da inutilidade de pedir ao governo português precisamente o que este não queria: manter os judeus refugiados em Portugal. Também mostra que, conforme a política anti-semita nazi ia mudando, os interesses quer da Alemanha, quer de Portugal divergiam.

Quando a “solução do problema judaico” foi a expulsão dos judeus dos territórios alemães, sobretudo a partir de 1938, os alemães precisavam que outros países europeus os recebessem. No Verão de 1942, já a “solução final” tinha passado a ser a de genocídio dos judeus europeus e, por isso, os nazis queriam mantê-los na Europa, convictos de que ganhariam a guerra e, nesse caso, os judeus refugiados ou nacionais, de Portugal e dos outros países neutros, também seriam incluídos no Holocausto.

O ultimato alemão de 1943

Um relatório da delegação do Joint de Lisboa, provavelmente de final de 1943, afirmou que permaneciam então em Portugal 700 a 800 refugiados. Destes, 300 estavam, em regime de “residência fixa” nas Caldas da Rainha, 125 na Ericeira, perto de 200 em Lisboa e os restantes espalhados pela província, 551 dos quais eram ajudados pelo Joint.

Os Aliados passaram à ofensiva no conflito militar com a invasão do Norte de África em Novembro de 1942 e, meses depois, os alemães sofreram a sua primeira grande derrota às mãos dos soviéticos em Estalinegrado, em Fevereiro de 1943. Sucedeu-se depois o fracasso na Tunísia (Julho) e o desembarque aliado na Sicília, abrindo uma nova frente de guerra. 

Foi neste contexto que a Legação alemã em Lisboa enviou, no início de Fevereiro de 1943, um ofício ao governo português afirmando que, “no interesse da segurança militar” alemã, os judeus estrangeiros nos países ocupados, incluindo os de nacionalidade portuguesa, seriam submetidos a partir de 1 de Abril “às disposições em vigor a respeito de judeus, incluindo a sua distinção, internamento e expulsão ulterior”. “Por motivos de cortesia”, o governo de Salazar teria “a oportunidade de retirar dos referidos territórios sob domínio alemão os judeus de nacionalidade portuguesa” até 31 de Março.

Do Consulado de Portugal em Marseille, Salazar recebeu em 1943 duas listas telegráficas: uma referia 13 judeus de cinco famílias, “titulares (de) documentos (de) identidade passados (por) Portugal”, enquanto outra incluía 18 “israelitas apenas inscritos (no) consulado nessas condições”. Em 27 de Março de 1943, num telegrama, aliás interceptado pelos serviços secretos britânicos, Salazar informou o seu representante diplomático em Berlim que não hesitara em autorizar “concessão de passaportes para Portugal”, justificando-o com o número “reduzido” das 31 pessoas apresentadas pelo Consulado de Marseille.

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Adolf Eichmann no seu julgamento, em Jerusalém, por crimes contra a humanidade. 1961.

Com “respeito a judeus portugueses (da) Alemanha com nacionalidade reconhecida em documentos portugueses da metrópole ou já inscritos regularmente nos nossos consulados nesse país”, o chefe do governo acrescentou que a atitude portuguesa poderia ser a mesma, desde que o seu número não fosse tão avultado que levasse “a crer em abuso”.

Relativamente aos “que reclamam ou alegam simplesmente antiga origem portuguesa”, a questão teria de ser examinada depois da troca de informações com governos de países onde se encontravam. Isto é, com a própria Alemanha nazi. Os cônsules de Portugal em Paris e Bruxelas informaram que em França e na Bélgica, havia, respectivamente, um total de cerca de cem pessoas e “sete judeus portugueses desejando repatriação”.

O ditador português autorizou a repatriação, mas alertou que o “elevado número (de) judeus indicado (pelo) cônsul (em) Paris” obrigava no futuro à inquirição se essas “famílias judias” tinham de facto origem portuguesa ou se estavam simplesmente “matriculadas (no) consulado como nacionais”. Esta autorização obrigou o governo português a apresentar uma lista de dez belgas e 99 judeus, pertencentes a 56 famílias, às autoridades alemãs. Acabaram por chegar às mãos de Adolf Eichmann, desencadeando uma polémica sobre os bens que esses judeus estavam autorizados a levar para Portugal.

A lista foi alargada e, no total, 137 judeus sefarditas de ascendência portuguesa residentes em França acabariam assim por chegar a Portugal. Mais tarde, já no final de Fevereiro de 1944, chegaram ainda a Portugal outros 19 judeus repatriados de França.

Também havia judeus de ascendência portuguesa na Grécia, que capitulara em Junho de 1941 e fora dividida em diversas zonas de ocupação. A Itália invadiu o país e, derrotada, a Alemanha entrou em cena, ocupando o país, o que levou ao atraso da invasão da União Soviética. Quando Itália assinou com os Aliados um armistício, em Setembro de 1943, os alemães ocuparam o resto da Grécia. Deportaram 800 judeus de Atenas, dois mil de Corfu e outros tantos de Rodes para Auschwitz-Birkenau.

A maior comunidade judaica grega, constituída por cerca de 50 mil pessoas, residia em Salónica em 1942. Entre Março e Agosto de 1943, os nazis deportaram mais de 40 mil judeus para Auschwitz-Birkenau, onde foram assassinados à chegada.

Ao chegar o primeiro transporte de Salónica, os alemães registaram, em Auschwitz, 860 judeus de países neutros e inimigos, 511 com a nacionalidade espanhola, 281 com a italiana, cerca de 39 com a turca e seis com a portuguesa.

A 30 de Abril de 1943, o ministro plenipotenciário de Portugal em Berlim, conde Tovar de Lemos, informou o MNE de que só seis elementos da Comunidade Israelita de Salónica desejavam a repatriação para Portugal, mas questionou a regularidade das suas inscrições consulares.

Em Dezembro de 1943, Salazar foi informado que as deportações de judeus em Itália e na Grécia iam começar e o MNE desconfiou dos seus representantes diplomáticos nesses dois países. Por isso, em Janeiro do ano seguinte, o MNE pediu telegraficamente a Tovar para “desatender a pedidos de entrada no país” àqueles com “falta (de) elementos para dar fundamento (à) invocada nacionalidade portuguesa (dos) israelitas (na) Grécia”.

As autoridades portuguesas e alemãs entraram em negociações sobre os judeus com ascendência portuguesa em Atenas. Depois de extensas negociações, os nazis enviaram à legação Legação portuguesa em Berlim uma lista com nomes de 19 judeus de Atenas a 5 de Maio de 1944, reclamando ter ascendência portuguesa (um grupo inicial de 16 e outro de três). Tinham sido “transferidos”, com 155 judeus espanhóis e de outros de países neutrais, para o campo de concentração de Bergen-Belsen. Só no final de Junho desse ano é que o MNE instruiu a Legação de Portugal em Berlim no sentido de proceder urgentemente à repatriação dos judeus de nacionalidade portuguesa que estavam na Grécia.

Pouco menos de duas semanas depois, a Legação de Berlim informou que 19 judeus (incluindo nove menores) iam ser enviados para a fronteira franco-espanhola num comboio transportando cidadãos britânicos, para serem depois trocados em Lisboa por alemães. Foram “superiormente autorizados a entrar em Portugal”, vindos de campos de concentração na Alemanha com um passaporte colectivo, mas quando a autorização de repatriamento portuguesa chegou já tinham sido enviados para outros campos pelos nazis.

Só longos meses depois, em Março de 1945, é que o MNE veio a saber, através de uma circular do Swedish American Life, que os deportados para Bergen-Belsen estavam a salvo sob custódia dos Aliados britânicos e canadianos, embora “num estado de fraqueza deplorável por falta de alimentação”. Pouco depois, o cônsul em Bruxelas, Coelho de Sousa, informou o Palácio das Necessidades da chegada a Antuérpia dos primeiros cinco judeus “procedentes do campo de concentração de Belsen”, aos quais se seguiriam brevemente “mais catorze [sic] indivíduos”.

A comunidade judaica de Salónica foi dizimada pelos nazis, representando um dos episódios mais horríficos da ocupação da Grécia pela Alemanha nazi – um monumento foi erigido em sua memória numa das principais praças da cidade. De uma população estimada em cerca de 50 mil pessoas, apenas dois mil judeus sobreviveram, dos quais 500 por terem conseguido fugir e outros 300 por terem sido transferidos para Espanha, depois de uma passagem pelo campo de concentração de Bergen-Belsen.

Aos massacres na Grécia juntam-se também os da Holanda. Quando o país foi ocupado pelos nazis, em 1940, viviam no seu território cerca de 35 mil sefarditas, a maioria de origem espanhola e 4.303 de ascendência portuguesa. Para escaparem às leis anti-semitas dos ocupantes nazis, afirmaram pertença à Península Ibérica. Fizeram-no com o relatório Investigações Genealógicas sobre Famílias Portuguesas e Espanholas, no qual assinalavam o percurso católico dos seus antepassados (cristãos-novos).

Cerca de 4 mil judeus sefarditas holandeses, de ascendência portuguesa, pediram a intervenção do governo português perante o governo alemão tendo em vista a sua saída dos Países Baixos, ocupados pelos nazis. Salazar nada fez por eles.

O advogado Hans Georg Calmeyer, cidadão alemão conhecido pelas suas posições antinazis, recebeu o documento em mãos em Outubro de 1941 e ficou responsável pela análise do caso. O advogado aceitou, em Agosto de 1942, a argumentação de que alguns desses sefarditas teriam sangue “misturado”. Ficou assim aberta uma porta para casos individuais em que a origem “ariano-portuguesa” fosse “apresentada de forma credível”.

Mas Salazar nada fez por esses judeus da Holanda. Limitou-se a informar, em Março de 1942, a sua Legação em Berlim de que um “categorizado israelita português” apresentara um “pedido (de) judeus holandeses que se dizem de ascendência portuguesa no sentido (da) nossa intervenção junto (d)esse Governo para os deixarem sair dos Países Baixos”.

Salazar pedia para saber se o governo alemão estaria disposto a autorizar a partida dessas famílias israelitas às quais o governo português pudesse vir a reconhecer a ascendência alegada. O “categorizado israelita português” era Moisés Amzalak, presidente da CIL, que relataria ter mostrado a lista de judeus da Holanda a Salazar, que por sua vez terá ficado chocado ao ver que a maioria detinha nomes portugueses.

Salazar informou depois o presidente da CIL dizendo-lhe ter contactado o ministro da Alemanha em Lisboa, Hoyningen-Huene. Disse que este último lhe garantiu que os judeus em causa nada teriam a recear se fossem cidadãos portugueses, pois Portugal era um país neutro. No entanto, se fossem considerados holandeses, seriam encarados como inimigos.

A sorte dos judeus portugueses da Holanda ficou “selada a 2 de Abril de 1943”: Salazar nada fez por eles. Os judeus sefarditas da Holanda reclamando-se de ascendência portuguesa foram incluídos nas deportações dos judeus para Leste, exceptuando 222, que, munidos de certificados de emigração para a Palestina, viriam a ser enviados, no início de 1944, para Bergen-Belsen, para serem trocados por prisioneiros alemães nas mãos dos Aliados.

Do total de 160 mil judeus que viviam na Holanda em 1940, apenas sobreviveram cerca de 20 mil, incluindo 200 judeus sefarditas reclamando-se portugueses. No pós-guerra, o novo chefe da Legação portuguesa em Haia, António Leite de Faria, calculou que, dos cerca de quatro mil membros da comunidade israelita portuguesa da Holanda, apenas se salvaram 500.

Salazar e os refugiados no final da guerra

Em 1944, havia em território português menos de um milhar de refugiados entre judeus e políticos. Os não-judeus, esclareceu na altura o Unitarian Service Committee (USC), sofriam “dificuldades suplementares” por serem considerados comunistas pela polícia portuguesa. Era melhor ser refugiado judeu do que refugiado político, sobre o qual recaía a suspeita policial de se tratar de um comunista.

Entretanto, o relacionamento comercial, institucional e cultural luso-alemão continuava e, em Janeiro de 1944, foi inaugurado em Portugal o Instituto de Cultura Alemã, onde Carl Schmitt apresentou uma conferência em Maio.

Após a morte de Hitler, o governo português mandou colocar a bandeira nacional a meia haste. Portugal foi, também, local de passagem de fugitivos nazis. Em 1946 foram presos em Cascais três noruegueses que haviam pertencido às SS.

Depois de Adolf Hitler se suicidar num bunker em Berlim, o governo português pôs as bandeiras a meia haste em sinal de luto e, terminada a II Guerra Mundial, passou a ter sob sua guarda os edifícios da Legação da Alemanha, da sua Chancelaria e o Consulado Alemão. O Allied Control Council (ACC) exigiu também o fecho das Escolas Alemãs, em Lisboa e no Porto, mas Salazar solicitou, a 9 de Julho de 1945, a devolução do Hospital alemão.

Para a Península Ibérica, incluindo Portugal, fugiram aliás muitos dirigentes nazis, como revelou uma notícia d’O Século. O jornal disse que o governo norte-americano estava a estudar a forma de impedir esse exílio ibérico. E, em 1946, a polícia política prendeu, quando desembarcavam em Cascais, a caminho da Argentina, três noruegueses que haviam pertencido às SS e ao partido colaboracionista de Vidkun Quisling, na Noruega.

Em 1947, permaneciam em Portugal, na estância termal das Caldas de Felgueiras, 56 alemães, entre os quais um jornalista e dois elementos da Abwehr, os serviços secretos militares alemães. Eram os resquícios de um grupo de 420 diplomatas e espiões nazis, chegados à capital portuguesa em Julho de 1944, em navios suecos vindos da América Latina, para serem trocados por cidadãos dos países aliados. Os Aliados solicitaram a sua detenção, mas Portugal recusou com o argumento de dois deles terem nascido no país.

Palavras finais

A Europa “chegou” a Portugal com os refugiados. Os portugueses não puderam mais ignorar, mesmo se o governo de Salazar o escondesse, que também pertenciam ao continente europeu. Na hora da partida, Lisboa simbolizou para os refugiados a despedida, talvez para sempre, dessa mesma Europa que, apesar de tudo, não queriam abandonar.

Assim como chegou a Portugal uma onda de refugiados, assim esta partiu, sem ficarem jornais, associações culturais ou editoras formadas por refugiados. No final da guerra não restou a quem fugia dela e da perseguição nazi mais do que acatar a geral proibição dos direitos de associação, de expressão e de formação de partidos.

Durante a II Guerra Mundial os países neutrais ocuparam uma zona “cinzenta”, para utilizar a qualificação de Primo Levi. O governo ditatorial de Portugal colaborou com a Alemanha nazi ao fornecer-lhe produtos importantes para o seu esforço de guerra, ao possibilitar a propaganda nazi e a actuação das instituições e da espionagem alemãs no país. Mas também ao receber ouro esbulhado pelos nazis aos países ocupados.

As atitudes do governo português em relação aos refugiados foram contraditórias. Dificultou e impediu a sua entrada em Portugal, expulsando alguns. Permitiu o funcionamento de instituições de assistência, mas não colaborou com elas. Muitos mais se poderiam ter salvo.

O ano de 1941 foi aquele em que o regime de Salazar mais se relacionou com as instituições nazis, tanto a nível militar como paramilitar, e com as organizações de juventude e de tempos livres. Fê-lo principalmente depois da invasão da União Soviética pela Alemanha, que começou a 22 de Junho de 1941.

Mas à medida que se foi tornando cada vez mais claro que a Alemanha ia perder a guerra, a neutralidade portuguesa, considerada equidistante ou “geométrica” perante os dois lados do conflito, foi-se tornando mais colaborante com os Aliados. No entanto, se Portugal cedeu aos anglo-americanos uma base nos Açores aos anglo-americanos, apenas decretou o embargo de venda do volfrâmio à Alemanha em 1944.

A atitude relativamente aos refugiados foi contraditória ao nível do governo português, mas era muito difícil, segundo a lei, entrar e permanecer em Portugal. Muitos mais refugiados poderiam ter-se salvo via Portugal, enquanto outros encontraram nele um porto de abrigo, embora transitório.

O governo português permitiu que as organizações de auxílio funcionassem, mas não forneceu assistência directa. Os refugiados que entraram ilegalmente em Portugal permaneceram no país de forma transitória, mas houve casos de expulsão. Entregas de refugiados à Alemanha nazi não parecem ter existido, até porque Portugal não tinha fronteiras com a Alemanha ou com países ocupados por ela.

Por outro lado, há que distinguir entre o Estado português e a população portuguesa. A ditadura usou a PVDE para perseguir refugiados, enquanto a população parece ter sido, de um modo geral, hospitaleira. Os refugiados compravam nas lojas portuguesas e, enquanto tinham dinheiro, se alojavam, ao mesmo tempo que não podiam trabalhar - não entravam em concorrência com os portugueses no mercado de trabalho. As atitudes dos portugueses foram muito diversas.

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Rabino Chaim Kruger e Aristides de Sousa Mendes, junho de 1941 |  Comité Sousa Mendes
Rabino Chaim Kruger e Aristides de Sousa Mendes em junho de 1940 | Comité Sousa Mendes/Família Sousa Mendes

Basta lembrar a actuação de Aristides de Sousa Mendes, cuja atitude, entre os diplomatas portugueses, foi a mais radicalmente solidária. Também houve outros diplomatas de Portugal que concederam vistos a refugiados, por vezes no limite da desobediência às ordens de Salazar.

O próprio governo português não actuou sempre e durante todo o tempo da mesma forma, embora tivesse dificultado a entrada de refugiados, impedindo-a mesmo no caso do comboio do Luxemburgo. O governo de Salazar também nada fez, em 1943 e 1944, para salvar milhares de judeus sefarditas na Holanda e para alargar a repatriação a um maior número de judeus de França e da Grécia. E o chefe do Governo português poderia ter negociado com os nazis, pois tinha nas mãos o apetecível volfrâmio, entre outras exportações, preciosas para a Alemanha.

É difícil saber exactamente quantos refugiados passaram por Portugal, por causa da ausência de fontes policiais e do facto de muitos terem entrado no país clandestinamente, com vistos fraudulentos ou de trânsito concedidos por Aristides de Sousa Mendes. Segundo uma contagem levada a cabo pelo historiador Bernd Rother, entre 20 mil a 35 mil terão atravessado a fronteira franco-espanhola durante a guerra. Por isso nos inclinamos a considerar o número de 50 mil refugiados que passaram por Portugal como o mais próximo da realidade.

Esperar-se-ia que com o conhecimento, mesmo parcial, do Holocausto, a atitude de Portugal tivesse sido mais activa a favor dos seus compatriotas judeus nos territórios ocupados pela Alemanha em 1943. Mesmo assim, o governo de Salazar só quis repatriar os judeus “verdadeiramente” portugueses, preocupando-se sobretudo com os bens que traziam.

Terminado o conflito mundial, Portugal foi aceite sem grandes convulsões na “nova ordem internacional”, mesmo antes do início da Guerra Fria (1947-1991). A propaganda para consumo interno e externo do regime salazarista não deixou de transmitir a ideia da “tradicional hospitalidade” de Portugal e dos portugueses.

A grande ironia é Salazar ter desejado mostrar-se aos Aliados como salvador de perseguidos por Hitler, quando sem a desobediência do ex-cônsul em Bordéus, Portugal não teria sido elogiado pela sua atitude “hospitaleira”.

Este ensaio baseia-se no livro da autora Holocausto, publicado em 2020 pela Temas & Debates.

A autora escreve segundo o antigo acordo ortográfico.