Jurista especializado em direito comercial internacional. Atualmente reside na Estónia, onde combate o branqueamento de capitais.

Imprensa livre, mas nem sempre: uma perspetiva sobre Julian Assange

O fundador do WikiLeaks, detido no Reino Unido depois de sete anos exilado na embaixada Equatoriana em Londres, enfrenta um pedido de extradição para os Estados Unidos, onde é acusado de espionagem. Debilitado física e mentalmente, poderá ser condenado a prisão perpétua por denunciar crimes de guerra.

Ensaio
10 Dezembro 2021

Julian Assange é possivelmente o jornalista mais controverso do século XXI. Já foi aclamado como herói e acusado de traição pelos conteúdos que publicou com a WikiLeaks. Foi até descrito como “terrorista high-tech” pelo atual presidente dos Estados Unidos. As suas denúncias incluem crimes de guerra cometidos pelos EUA no Iraque e Afeganistão, mas não só.

Perseguido durante anos, refugiou-se na embaixada equatoriana no Reino Unido até ser detido pela polícia britânica em 2019. Hoje, encarcerado em Londres, enfrenta um pedido de extradição dos EUA que, a ser bem-sucedido, o forçará a defender-se de acusações de espionagem nos tribunais norte-americanos. O mais provável é que seja condenado e passe o resto da sua vida na prisão. Ativistas e organizações a favor da liberdade de imprensa argumentam que o processo não só é ilegítimo como também particularmente perigoso para o mundo editorial.

De acordo com a Fundação para a Liberdade de Imprensa, “estas acusações sem precedente contra Julian Assange e a WikiLeaks são a ameaça mais significativa e aterrorizante que a Primeira Emenda enfrenta no século XXI”. No comunicado de 2019, o diretor da fundação defendeu que “a liberdade da imprensa para publicar factos contra a vontade do governo não só é crítica para a existência de um público informado, como é também um direito fundamental”.

Afinal, quem terá razão?

A história até agora

Assange é um dos fundadores da WikiLeaks, plataforma dedicada à publicação de denúncias anónimas que, de outro modo, teriam dificuldade em chegar aos olhos do público. Nos primeiros três anos de vida da organização, entre 2006 e 2009, foram revelados factos desconfortáveis sobre vários países e governos. De corrupção no mundo árabe a escândalos políticos no Peru, passando pela atuação das autoridades chinesas no Tibete e por conflitos no Iémen, as fugas de informação foram sempre à escala global.

No entanto, a notoriedade internacional da WikiLeaks – e de Assange – explodiu após a publicação, em abril de 2010, de um vídeo em que um helicóptero militar dos Estados Unidos ataca fatalmente 18 civis no Iraque, incluindo dois jornalistas da Reuters. Os materiais foram fornecidos por Chelsea Manning, na altura analista de dados militares no exército norte-americano. Durante o ano seguinte, toda a informação disponibilizada por Manning foi revelada e amplificada pela WikiLeaks: além de ficheiros sobre as guerras no Iraque e Afeganistão, também veio a público uma grande quantidade de comunicações diplomáticas – tudo relativo à atuação internacional dos Estados Unidos.

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A WikiLeaks tornou-se assim uma força de renome a nível mundial. Desagradado com o sucedido, o governo norte-americano tomou oficialmente posição contra Assange: deu início a investigações para acusar o jornalista de espionagem. Chelsea Manning foi detida e transferida para uma base militar no Kuwait; meses mais tarde voltou para os Estados Unidos, ficando desta vez encarcerada num quartel da marinha em Quantico.

Uma das principais bases jurídicas do processo contra Assange é o controverso Espionage Act, uma lei de 1917 criada – como o nome sugere – para expandir as vias legais de punição de espiões. Aliás, o período temporal em que foi aprovada, logo após à entrada dos Estados Unidos na Primeira Guerra Mundial, aponta para um propósito original de combate à espionagem em tempos bélicos. No entanto, o modo como a lei foi rapidamente aplicada para silenciar jornais e ativistas críticos à entrada dos Estados Unidos na guerra revela que talvez as intenções tenham sido outras logo à partida.

Independentemente das razões que levaram à sua génese, o Espionage Act acabou por ser repetidamente abastardado ao longo da história. Em 1918, um ano depois da sua criação, a legislação foi utilizada contra Eugene Debs, histórico líder do movimento socialista nos Estados Unidos, por apelar a que a classe operária se rebelasse contra o recrutamento obrigatório. Cerca de um século mais tarde, tanto Chelsea Manning como Julian Assange foram acusados com recurso a esta lei. O diploma legal já viu a sua constitucionalidade ser severamente contestada, nomeadamente devido ao modo como restringe as garantias e meios de defesa dos arguidos.

Pouco depois de ser anunciado que o Departamento de Justiça dos Estados Unidos se encontrava a investigar a WikiLeaks, a polícia sueca emitiu um mandado de detenção internacional contra Assange. Após uma visita à Suécia em agosto de 2010, o jornalista havia sido acusado de abusos sexuais por duas mulheres com quem tinha tido relações durante a sua estada no país. A procuradoria sueca exigia entrevistar Assange pessoalmente; negando as acusações, este concordou em prestar declarações, mas apenas à distância, pois receava ações retaliatórias do governo norte-americano por vias oblíquas. Antevia que se fosse detido na Suécia acabaria extraditado para os Estados Unidos, de onde dificilmente conseguiria sair.

Assange contestou judicialmente o pedido de extradição insistindo que, até haver provas mais concretas, a sua presença na Suécia não era necessária para o processo. Recurso atrás de recurso, os tribunais ingleses rejeitaram os seus argumentos, tendo a decisão final sido proferida em maio de 2012. Com as tensões a deflagrarem à sua volta, Julian pediu asilo político ao Equador. Acabou por tomar refúgio na embaixada equatoriana no Reino Unido, onde residiu durante sete anos num pequeno quarto com o seu gato Michi.

Chelsea Manning, que forneceu a Assange provas de crimes de guerra praticados pelos EUA no Iraque, tentou suicidar-se após ser condenada a 35 anos de prisão, em 2013, por alegada espionagem.

Entretanto, os Estados Unidos construíam a sua acusação contra Manning, que chegou a estar sob observação contínua devido a risco de suicídio. Fechada numa pequena cela, o isolamento a que esteve sujeita contribuiu em muito para o degradar da sua saúde mental. Em 2013, foi condenada a 35 anos de prisão.

Acabou por cumprir seis anos, já que em janeiro de 2017 Barack Obama comutou a sentença – vivia-se o interregno entre a vitória de Donald Trump e a sua tomada de posse. Infelizmente, esse não seria o fim dos suplícios de Manning. Quando em 2019 se recusou a testemunhar contra Assange, voltou a ser encarcerada por cerca de um ano em condições que as Nações Unidas descreveram como tortura. O facto de antes de ser libertada ter tentado suicidar-se leva a crer que a ONU não exagerou.

Fogo cruzado

Apesar de tudo isto, pode-se dizer que só a partir da vitória de Trump é que Assange ficou realmente em maus lençóis. Em julho de 2016, poucos meses antes das eleições presidenciais norte-americanas, Assange descreveu o confronto entre Hillary Clinton e Donald Trump como escolher entre cólera ou gonorreia – “pessoalmente, preferia nenhum dos dois”.

A perseguição a whistleblowers atingiu um novo patamar sob a liderança de Barack Obama. As investigações à WikiLeaks e associados foram iniciadas pelo seu Departamento de Justiça.

Meros dias antes destas palavras, a WikiLeaks tinha publicado uma série de emails e documentos do Comité Nacional Democrata, o órgão máximo do Partido Democrata, revelando como este tinha conspirado contra Bernie Sanders a favor de Clinton nas eleições primárias do partido, nas quais é escolhido o candidato às presidenciais.

Foi neste período que Assange – que até aí tinha desfrutado da simpatia de certos membros do Partido Democrata – perdeu a grande maioria dos seus apoiantes nos círculos políticos norte-americanos. Acusado de conspirar com Donald Trump e o presidente russo, Vladimir Putin, para assegurar a vitória dos republicanos nas eleições presidenciais, Assange tornou-se persona non grata nos Estados Unidos.

De forma algo irónica, o diretor da Agência Central de Inteligência (CIA) nomeado por Trump, Mike Pompeo, rapidamente colocou o jornalista australiano sob a sua mira, reforçando os esforços para o capturar. Parte do problema reside nessa dinâmica: Assange foi visto como uma força benigna até ao dia em que as suas ações tiveram efeitos políticos concretos.

Recordemos uma das fugas de informação mais mediáticas dos últimos anos: na segunda metade de 2019, uma fonte anónima tornou conhecidos certos detalhes sobre uma chamada telefónica entre Donald Trump e Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia, o que resultou no impeachment de Trump. A denúncia referia-se a um suposto pedido de Trump para que a Ucrânia investigasse Joe Biden, que mais tarde viria a ser seu adversário eleitoral, por corrupção. Para os democratas, o whistleblower original e as testemunhas que corroboraram as alegações são heróis nacionais; para os republicanos, são traidores antipatrióticos.

A verdade – ou, pelo menos, a sua procura – deixa de ter valor quando prejudica o partido político de cada um? Quando afeta uma personalidade que nos é querida? Se apenas apoiamos a liberdade de expressão daqueles com quem concordamos, o que estamos realmente a defender?

Atirado aos lobos

Assange acabou por ser expulso da embaixada do Equador em abril de 2019. O novo presidente do país, Lenín Moreno, tomou a decisão após terem sido tornadas públicas fotografias que o ligavam a alegações de corrupção. Apesar de não ter acusado expressamente a WikiLeaks de ser a fonte da fuga de informação, ficou implícito que agia de forma retaliatória – Moreno argumentou que o jornalista australiano tinha violado uma norma de não-intervenção nos assuntos internos de outros Estados. A cidadania equatoriana de Assange, obtida no final de 2017 foi suspensa e, já em 2021, completamente revogada pelo Equador.

Em setembro deste ano soube-se, no seguimento de uma reportagem da Yahoo News, como a administração Trump – e particularmente a CIA de Mike Pompeo – levaram a perseguição a Assange ao seu expoente máximo. “Não havia fronteiras” ao que estavam dispostos a fazer para o travar, diz a reportagem. Desde o rapto do jornalista até ao seu assassínio, aparentemente nada estava fora de questão.

Depois de em 2017 a WikiLeaks ter publicado grandes quantidades de materiais secretos da CIA, os planos congeminados pela agência de espionagem foram-se tornando cada vez mais extravagantes (e ilegais). Embaraçados pela nova fuga de informação, Pompeo e outros altos oficiais da CIA ficaram obcecados com Assange, “totalmente alheios à realidade” na sua sede de vingança. A procuradoria da era Obama tinha desistido de avançar judicialmente contra Assange, mas os republicanos não estavam dispostos a abandonar esse objetivo.

Mal perdeu o escudo de proteção diplomática que o havia salvaguardado durante quase sete anos, as autoridades britânicas capturaram Assange. As imagens do jornalista a ser arrastado por polícias para fora da embaixada fizeram manchetes – enquanto parte do mundo aplaudiu, outra repudiou o sucedido.

"A saúde de Assange foi seriamente afetada pelo ambiente hostil a que esteve submetido, demonstrando todos os sintomas típicos de exposição prolongada a tortura psicológica", afirma Nils Melzer, relator da ONU para a tortura e tratamento desumano.

Pouco depois, foi condenado a 50 semanas de prisão por ter violado os termos da caução a que estava adstrito quando se refugiou na embaixada. Encarcerado na prisão de alta segurança de Belmarsh, o jornalista continua ainda hoje impossibilitado de sair, já que os Estados Unidos mantêm processo aberto contra ele.

Nils Melzer, relator especial da ONU sobre tortura e tratamento cruel e desumano, considerou a punição desproporcional e expressou sérias preocupações acerca das condições a que o detido se encontra sujeito. “É óbvio como a saúde de Assange foi seriamente afetada pelo ambiente arbitrário e extremamente hostil a que esteve exposto”, disse Melzer em maio de 2019. “Para além de maleitas físicas, Assange demonstra todos os sintomas típicos de exposição prolongada a tortura psicológica, incluindo stress extremo, ansiedade crónica e trauma psicológico intenso.” Os advogados do jornalista argumentam que a sua saúde mental está profundamente debilitada.

É fácil olhar para Trump e para a sua administração como inimigos da democracia, mas menos referido é o facto de a perseguição aos whistleblowers ter atingido um novo patamar sob a liderança de Barack Obama. As investigações à WikiLeaks e associados foram iniciadas pelo seu Departamento de Justiça e, apesar de Trump ter (como é seu costume) tornado a situação ainda pior, não se deve ignorar as transgressões de presidentes anteriores.

Por exemplo, numa conferência de imprensa de 2012, Obama declarou ter “tolerância zero” relativamente a este tipo de fugas de informação, independentemente da veracidade das mesmas. Agora Joe Biden, seu sucessor político, em conjunto com o novo procurador-geral Merrick Garland, decidiram manter em curso o processo contra Assange iniciado pela administração anterior. O problema é indubitavelmente bipartidário.

O panorama jurídico

Apesar de Obama certamente não ter sido um apoiante dos whistleblowers – as investigações criminais à WikiLeaks e a Assange começaram durante a sua administração – acabou por não finalizar a acusação contra o jornalista. A conclusão do Departamento de Justiça foi que não poderia acusar Assange de espionagem sem comprometer de igual forma outras organizações jornalísticas (como o New York Times) que tinham publicado as mesmas informações. Chegou a ser discutida a possibilidade de reclassificar Assange como “distribuidor de informação”, o que permitiria contornar as proteções legais aplicáveis a jornalistas, mas essa ideia também acabou por ser abandonada.

Assange não pode invocar a "defesa do interesse público". Ainda que a informação confidencial publicada seja real e exponha crimes praticados pelo governo dos EUA, o Espionage Act anula essa salvaguarda jurídica usada frequentemente por jornalistas.

Não é difícil de compreender como estes artifícios jurídicos são perigosos para a liberdade de expressão. De certa forma, não passariam de censura estatal com passos extra. A quem ficaria entregue o poder de reclassificar jornalistas? Quais seriam os assuntos tabu?

Independentemente da posição tomada pela administração anterior, a perseguição agravou-se após a ascensão de Trump ao poder. Além de a CIA ter reforçado os seus esforços contra Assange, também surgiam novas maquinações no campo jurídico. O Departamento de Justiça (reformulado após a tomada de posse) recrutou um antigo associado de Assange, Sigurdur Ingi Thordarson, para construir uma nova acusação – que desta vez pudesse atropelar, mesmo que de forma questionável, as proteções legais de que o jornalismo desfruta.

Acontece que esta testemunha se revelou, na melhor das hipóteses, pouco digna de confiança. Apesar de ter tido contacto direto com Assange, Thordarson também usou os seus tempos como colaborador da WikiLeaks para desfalcar cerca de 50 mil dólares da organização. Previamente condenado por abuso sexual de menores, Sigurdur encontra-se agora em prisão preventiva na Islândia devido a uma série de crimes financeiros, levados a cabo já quando trabalhava com as autoridades americanas.

Não obstante o Departamento de Justiça dos Estados Unidos lhe ter concedido imunidade em troca da sua colaboração, este ano Thordarson admitiu que muitas das alegações que fez sobre Assange são falsas. Dado que é uma das principais testemunhas no processo contra o jornalista – e possivelmente a mais importante – estes desenvolvimentos não podem deixar de tingir a acusação norte-americana com uma forte tonalidade de dúvida.

Assange continua na mira do Departamento de Justiça, que no final de contas avançou com a acusação de espionagem. As reticências sentidas pela procuradoria de Obama acabaram por ser abandonadas, não só por Trump mas até por Joe Biden, que decidiu manter o processo vivo. Caso seja condenado, o jornalista australiano passará o resto dos seus dias na prisão.

Para piorar a situação, os seus meios de defesa encontram-se enfraquecidos devido à própria natureza do Espionage Act. Ao contrário do que acontece na maior parte dos ordenamentos jurídicos democráticos, um arguido acusado com base nesta lei não pode invocar a “defesa do interesse público”. Isto significa que mesmo que a informação confidencial publicada seja real e se considere que a sociedade tinha direito a conhecê-la, o acusado não pode recorrer a este argumento em tribunal. A defesa do interesse público é uma salvaguarda jurídica frequentemente usada por jornalistas.

Para mais, há uma espécie de deturpação do ónus da prova: a acusação não tem de provar que as ações do denunciante provocaram danos concretos à segurança nacional do país. Em termos de direito penal, ambos os fatores fogem aos princípios de justiça considerados basilares em sistemas democráticos liberais.

O estado da situação

Dito isto, a que conclusão chegamos? Não se trata de desresponsabilizar Assange. Quanto aos crimes sexuais, o Ministério Público sueco acabou por desistir das acusações devido à proximidade do prazo de prescrição. De qualquer modo, foi considerado que as alegações contra o jornalista tinham mérito, merecendo ser investigadas. Investigação que, ao não ter sido devidamente realizada, deixará para sempre o caso nas brumas da incerteza.

Em relação à filosofia editorial da WikiLeaks, coloca-se a questão se a partilha em massa de documentos classificados não poderá abrir caminho à manipulação por parte de agentes maliciosos. A ausência de crivo editorial e a pouca consideração dada não só quanto à identidade, mas também às motivações das fontes anónimas leva certas organizações, como o Comité para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), a questionar se as atividades de Assange devem ser vistas como jornalismo propriamente dito.

Concluindo contra a classificação do fundador da WikiLeaks como jornalista (posição que não é unânime), mesmo assim o CPJ opõe-se sem hesitação ao processo contra Julian Assange, sublinhando o grande perigo que este precedente representa para a liberdade de imprensa. “Tomada como um todo, a acusação contra Assange criminaliza práticas fundamentais de investigação jornalística, assim como a publicação da informação obtida através delas. E a aplicação extraterritorial do Espionage Act significa que jornalistas de todo o mundo podem ser perseguidos judicialmente pela publicação de informações classificadas.”

Se Julian Assange vier a ser condenado por espionagem, tal poderá abrir um precedente de perseguição impúdica com consequências reais no mundo editorial e para a saúde da própria democracia.

Os Estados Unidos também já afirmaram que, caso seja julgado, estão dispostos a deixar que Assange cumpra pena de prisão na Austrália – uma garantia, no mínimo, duvidosa. Adicionalmente, profissionais de saúde mental consideram que o jornalista corre risco de suicídio, algo que seria exponenciado ao entrar no sistema prisional americano. Aliás, foi esta consideração que persuadiu uma juíza britânica a rejeitar o pedido de extradição dos EUA: apesar de concordar com os fundamentos jurídicos da acusação, o estado de fraca saúde mental de Assange levou-a a decidir a favor do mesmo. Tal decisão está agora a ser contestada pelo Departamento de Justiça de Biden.

Este caso merece atenção pois envolve muito mais do que o mero destino de Assange. Não que o seu sofrimento e as injustiças contra si sejam triviais; longe disso. Mas se o fundador da WikiLeaks for efetivamente condenado por espionagem, as implicações para o mundo editorial serão catastróficas.

A qualidade do jornalismo sempre sofreu devido à pressão dos grandes interesses económicos e políticos. Se a estas pressões ainda for acrescentado o medo de retribuição penal por parte do Estado, alguém tem dúvidas de que a imprensa sofrerá com isso? O Prémio Nobel da Paz de 2021 foi atribuído a dois jornalistas, Maria Ressa e Dmitry Muratov, por trabalharem a favor da verdade contra regimes autoritários, salvaguardando a liberdade de expressão. O que está a acontecer a Julian Assange tem o efeito oposto, e é por isso que é imperativo que este seja libertado – não só para corrigir a injustiça a nível pessoal, mas pela saúde da democracia.

No final de outubro, os Estados Unidos contestaram judicialmente a rejeição do seu anterior pedido de extradição. O frágil estado mental de Assange, o principal argumento que levou a juíza Vanessa Baraitser a impedir que o jornalista fosse recambiado para os EUA, está agora a ser posto em causa. O arguido não está tão mal como parece, defendem os advogados norte-americanos. Garantem que Assange será tratado com dignidade se for extraditado; para quem conhece a história de Chelsea Manning, estas promessas soam ocas.

Não se sabe quando o recurso será decidido – poderá acontecer rapidamente, ou demorar meses. Enquanto se espera, vale a pena contemplar a dura realidade que faz com que este caso seja impossível de ignorar. A de que apesar de Assange, que noticiou crimes de guerra, estar há quase uma década privado da sua liberdade, quem cometeu (ou ordenou) esses mesmos crimes nunca teve de enfrentar quaisquer consequências pelas suas ações. Isto fará sentido?

Chegou a hora de libertar Julian Assange.