Faz parte da equipa da Jacobin Magazine e é autor do livro Yesterday's Man: The Casa Against Joe Biden. Vive em Chicago, no Illinois.

A CIA pode estar a fomentar o terror nazi na Ucrânia

Desde 2015 que a CIA treina secretamente grupos anti-Rússia na Ucrânia. Tudo o que sabemos aponta para a probabilidade de incluírem neo-nazis que inspiram terroristas de extrema-direita por todo o mundo.

Ensaio
21 Janeiro 2022

O governo dos Estados Unidos tem um historial bem documentado de apoio a grupos extremistas como parte de uma panóplia de desventuras da política externa que inevitavelmente acabam por rebentar na cara da sociedade americana.

Nos anos 1960, a CIA trabalhou com radicais cubanos anti-Fidel Castro que transformaram Miami num centro de violência terrorista. Nos anos 1980, a agência apoiou e encorajou radicais islâmicos a convergir no Afeganistão, acabando estes por orquestrar o ataque do 11 de Setembro. E, nos anos 2010, Washington ajudou rebeldes sírios pouco “moderados” que acabaram por dizimar civis e forças curdas que deveriam ser aliadas dos EUA.

Com base num novo relatório, parece que em breve poderemos adicionar mais uma à lista de lições fatalmente não aprendidas: neonazis ucranianos. De acordo com uma reportagem recente da Yahoo! News, desde 2015 que a CIA tem treinado secretamente forças na Ucrânia para servirem como "líderes insurgentes" no caso de a Rússia acabar por invadir o país, nas palavras de um antigo oficial dos serviços secretos. Responsáveis atuais alegam que o treino serve somente para recolha de informações, mas os antigos agentes com quem a Yahoo! falou afirmaram que o programa envolvia treino de armas, "cobertura e movimento", camuflagem, entre outras coisas.

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Dados os factos, há uma boa probabilidade de a CIA estar a treinar reais e literais nazis como parte deste esforço. O ano em que o programa começou, 2015, foi também o ano em que o Congresso aprovou um projeto de lei que previa centenas de milhões de dólares de apoio económico e militar para a Ucrânia, expressamente alterado para permitir que o apoio fluísse para as milícias neonazis do país, o Regimento Azov. De acordo com a Nation nessa altura, o texto do projeto de lei aprovado a meados desse ano continha uma adenda proibindo explicitamente "armas, treinamento e outra assistência" ao Azov, mas, meses mais tarde, a o comité da Câmara dos Representantes responsável pelo diploma foi pressionado pelo Pentágono a remover a expressão, alegando falsamente que seria redundante.

Apesar do reconhecimento, por vezes, aberto do seu carácter nazi - uma vez, o seu antigo comandante afirmou que a "missão histórica" da Ucrânia era "liderar as raças brancas do mundo numa cruzada final pela sua sobrevivência" numa "cruzada contra os Untermenschen liderados pelos semitas" -, o Azov foi incorporado na Guarda Nacional ucraniana em 2014, devido à sua eficácia na luta contra os separatistas russos. As armas dos EUA foram enviadas para as milícias, oficiais militares da NATO e dos EUA foram fotografados em reuniões com eles, membros das milícias falaram sobre o seu trabalho com formadores dos EUA e sobre a falta de uma análise de fundo para erradicar supremacistas brancos.

Tendo tudo isto em conta, seria mais surpreendente que os neonazis do Azov não tivessem sido treinados no programa clandestino “criar uma insurgência” da CIA. E já começamos a ver os primeiros sinais da reação.

"Vários indivíduos de renome entre os grupos de extrema-direita nos EUA e na Europa procuraram ativamente relacionar-se com representantes da extrema-direita na Ucrânia, especificamente no Corpo Nacional e a sua milícia, o Regimento Azov", declara um relatório de 2020 do Centro de Combate ao Terrorismo da Academia Militar dos EUA, em West Point. "Indivíduos estabelecidos nos EUA falaram ou escreveram sobre como o treino disponível na Ucrânia os poderia ajudar e a outros nas suas atividades de estilo paramilitar em casa."

Uma declaração do FBI de 2018 afirmou que se "acredita que o Azov tenha participado na formação e radicalização de organizações de supremacia branca sediadas nos Estados Unidos", incluindo membros do movimento supremacista Rise Above Movement (RAM). Estes foram acusados de planear ataques a contramanifestantes em eventos de extrema-direita, incluindo no comício "Unite the Right", em Charlottesville, e, mais tarde, Joe Biden incorporou como fundamento da sua campanha presidencial. Embora pareça que o responsável pelo massacre da mesquita de Christchurch não viajou à Ucrânia como afirmou, inspirou-se claramente no seu movimento de extrema-direita e utilizou um símbolo usado pelos membros do Azov enquanto levava a cabo o ataque.

Desde que tomou posse, Biden lançou uma incipiente "guerra ao terror" interna, com base no combate ao extremismo da extrema-direita, embora a estratégia vise discretamente manifestantes e ativistas de esquerda, algo que já fez. No entanto, ao mesmo tempo, três administrações diferentes, incluindo a de Biden, têm fornecido treino, armas e equipamento ao movimento de extrema-direita que inspira e até treina esses mesmos supremacistas brancos.

Destruir a vila para a salvar

Para acrescentar ao já absurdo, a razão pela qual Washington tem ajudado os nazis ucranianos é por poderem servir de baluarte contra a Rússia, que os falcões de guerra comparam, como sempre, ao regime de Adolf Hitler e da sua expansão pela Europa nos anos 1930. Embora a Rússia de Vladimir Putin possa ser um ator malévolo em várias frentes, as recentes incursões de Putin em Estados vizinhos como a Ucrânia são, em grande parte, impulsionadas pela expansão da aliança militar da NATO até às suas fronteiras e pelas implicações de segurança que lhe estão associadas.

Por outras palavras, para parar o que os falcões norte-americanos classificam de próximo a Hitler e à Alemanha nazi, Washington tem apoiado literais milícias neonazis na Ucrânia, que, por sua vez, comunicam e treinam supremacistas brancos locais – o que Washington está a contrariar através do aumento de uma ameaçadora burocracia repressiva em solo doméstico. É o que alguns chamaram de "o gelado que se come sozinho" em ação – a segurança nacional dos EUA cria as ameaças que a justificam. Em vez de aliviar as tensões, concordando simplesmente com as exigências russas de longa data para se estabelecer um limite sólido à expansão da NATO a leste, Washington decidiu, aparentemente, que o domínio militar planetário ilimitado é tão importante que preferiria simplesmente deitar-se com fascistas.

Não é uma pequena ironia que o presidente dos EUA, em grande parte eleito para travar a marcha do fascismo em solo doméstico, continue o apoio de longa data dos EUA a nazis.

A aliança dos EUA com a Ucrânia infetada pelo nazismo já provou ser incómoda para um presidente que está a tentar contrastar com o seu predecessor de extrema-direita e, ao mesmo tempo, estabelecer os Estados Unidos como líder de um esforço global para fortalecer a democracia. No final do ano passado, numa votação que passou despercebida na imprensa, os Estados Unidos foram um dos doís países (o segundo foi a Ucrânia) que votaram contra uma resolução da ONU para "combater a glorificação do nazismo, neonazismo e outras práticas que contribuam para estimular formas contemporâneas de racismo". Ambos os países votaram coerentemente contra esta resolução todos os anos desde 2014.

A administração Biden apresentou uma explicação para o voto contra praticamente idêntica à que Donald Trump usou, citando o direito constitucional da liberdade de expressão mesmo para quem tem essas visões repugnantes. Mas esta preocupação é difícil de enquadrar com o texto que se limita a expressar preocupação com monumentos públicos, manifestações e reabilitação de nazis, a condenar a negação do Holocausto e a violência do ódio e a apelar aos governos para  eliminarem o racismo através da educação e da abordagem das ameaças terroristas da extrema-direita. De maneira geral, o mesmo que a retórica e políticas de Biden.

A real preocupação de Washington reside na sua descrição da resolução como "tentativas veladas para legitimar as campanhas de desinformação russas que difamam as nações vizinhas", ou seja, a Ucrânia. Mas as ligações da Ucrânia ao nazismo moderno estão longe das fake news russas. São, de facto, extensas e estão bem documentadas: da incorporação oficial do Azov nos postos das forças de segurança ucranianas e funcionários do governo com ligações à extrema-direita a homenagens a colaboradores nazis patrocinadas pelo Estado e a promoção da negação do Holocausto.

Não é uma pequena ironia que o presidente dos EUA, em grande parte eleito para travar a marcha do fascismo em solo doméstico, continue o apoio de longa data dos EUA a nazis, no que pode muito bem ser o elo do fascismo internacional. E, se estes nazis ucranianos estão mesmo entre os insurgentes treinados pela CIA, não será uma pequena tragédia se um dia tomarem a mesma trajetória de carreira de Osama bin Laden.