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Tínhamos professores a mais, não era?

Ex-ministro da Educação Nuno Crato tem reaparecido na comunicação social para criticar a falta de professores nas escolas. Esquece-se de quando disse que tínhamos professores a mais e que a redução era “inevitável”.  Também não lhe ocorre que foi consigo no ministério que se viu a maior redução de docentes alguma vez registada: menos 30 mil. Ou seja, menos 20%.

Crónica 74
18 Maio 2023

À boleia das reivindicações dos professores e do pessoal não docente, o ex-ministro Nuno Crato tem reaparecido na comunicação social. Entre outras omissões, parece ter-se esquecido da sua irresponsável posição, quando afirmou que Portugal tinha professores a mais (tutelava já a pasta da Educação), para defender que a diminuição do seu número era "inevitável nos próximos anos".

Não foi o único, nesse tempo, a pensar assim. Em 2011, o ex-primeiro-ministro Passos Coelho recorreu ao argumento do défice demográfico para convidar os professores desempregados a "abandonarem a sua zona de conforto" e a "procurarem emprego noutro sítio", no quadro de uma política, mais ampla, de redução de um "setor público sobredimensionado".

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Gráfico Nuno Serra

Quando o problema da falta de professores se começa a tornar por demais evidente, Nuno Crato nem pestaneja, afirmando, em novembro de 2021, que se trata de "um drama anunciado há muito tempo". Não lhe ocorre, portanto, que foi no seu consulado (2011 a 2015), que se assistiu à maior redução de professores alguma vez registada, com uma decréscimo acima de 30 mil docentes (ou seja, -20%), e que afetou sobretudo o 2º e 3º ciclo do ensino básico e o ensino secundário.

Trata-se de uma diminuição de tal magnitude que a inversão das políticas educativas, a partir de 2015, com o reforço do sistema em cerca de 9 mil docentes (que representam aproximadamente mais 6% face ao valor de 2015), é ainda insuficiente. É verdade que, muito provavelmente, o problema existiria hoje, mesmo sem os "professores a mais" de Nuno Crato, dada a situação de crise que, nesta matéria, atravessa praticamente toda a Europa. Mas que o contributo do ex-ministro para agravar substancialmente a situação é incontornável, não restam dúvidas.

O problema da falta de professores com que nos confrontamos, importa sublinhar, é exponencialmente agravado pelo envelhecimento acentuado da classe. Para que se tenha uma noção clara do que está em causa, bastará referir que apenas 2% do total de educadores e docentes tem menos de 30 anos de idade, tendo aumentado de forma muito significativa, entre 2007/08 e 2020/21, o peso percentual de docentes com 50 anos de idade ou mais (de 26% para 53%). E mesmo no segmento intermédio (dos 30 aos 50 anos) a tendência é igualmente de quebra (menos 20 pontos percentuais no mesmo período).

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Gráfico Nuno Serra

Sabendo que a procura de cursos de formação de professores é ainda crítica, apesar da recente abertura de um maior número de vagas no ensino superior, torna-se essencial deitar mão a todas as medidas que permitam efetivamente reconhecer, valorizar e dignificar a profissão, orientadas para uma maior estabilidade e menor precaridade da classe docente. Porque de facto não temos, ao contrário do que defendeu Crato, professores a mais.

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