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Propostas para uma Lisboa a sério, mesmo em condições

Lisboa é para quem a apanhar. Se quem a apanhar for sempre investidores milionários que querem transformar Lisboa num único hotel gigante, que seja. É o neoliberalismo a fazer o mundo avançar.

Crónica 74
8 Setembro 2021

Primeiro que tudo, perdoem-me os leitores das restantes cidades, vilas, aldeias e casas isoladas à beira da estrada, por abordar apenas Lisboa, mas não quero estar a mandar postas de pescada sobre locais que não conheço. Para falar de coisas das quais não sei nada, já nos basta bem quase tudo aquilo sobre que falo.

Agora que penso nisso, também posso deixar umas propostas sobre a Amadora, onde vivi muitos anos, e sobre Palmela, onde cresci durante os verões e fins-de-semana, terra dos meus avós.

Quero neste texto deixar algumas propostas porque não estou a ver nenhum candidato a falar do que realmente importa - talvez com medo do politicamente correcto que cada vez mais nos asfixia e que fará com que qualquer dia já nem se possa contar anedotas –, para que Lisboa (e Amadora e Palmela) possam cumprir os desígnios para si reservados pelo universo (podem substitui “universo” por “deus”, se forem religiosos).

Ora, o que se entende por estes desígnios, são as propostas neoliberais, com uma pitada aqui e ali de fascismo (não sei se preferem o termo “direita radical” como eufemismo, mas fica assim), que tantas vezes são completamente ostracizadas, mas que são a única salvação. Por um lado, precisamos das pitadas de fascismo – calma, não é preciso violência, há muitas formas de praticar o fascismo discretamente e sem levantar grandes ondas – para conservar os valores tradicionais, como a família, a heterossexualidade, o patriarcado e as hierarquias sociais que mantêm a ordem na sociedade, ou seja, os pobres no seu devido lugar. Por outro, precisamos das medidas neoliberais que, com muita arte e engenho conseguem ludibriar tanta gente, e que ajudam de sobremaneira a fixar estes valores, mesmo que travestidos de progresso. É fascinante.

Claro que há partidos que vão fazendo um bom trabalho nestes campos, nem tudo é mau, obviamente, como é o caso da Iniciativa Liberal. Famoso ficou o tweet de Bruno Horta Soares, candidato à CML no qual disse que durante o Estado Novo havia mais liberdade do que agora. Mentiu? Não mentiu. Não vos vou agora explicar porquê, porque não tenho aqui gráficos à mão – estou à espera que o Nuno Palma mos envie -, mas podem ir à net pesquisar. Há blogs da net que dizem precisamente isso, como o SalazarViveEntreNós.blogspot.pt ou o UmaSardinhaChegaeSobraParaQuatroPessoas.wix.com. É só irem ler.

Claro que o Chega tem sempre óptimas propostas fascistas, mas receio que não esteja a ser suficientemente contundente. Por exemplo, admira-me que não tenham tido a coragem de propor uma cerca sanitária à volta do Martim Moniz. Claro que o cariz ia ser sempre racista e isso não podia transparecer para o público, mas podiam alegar que se devia a grande parte dos lisboetas brancos serem fortemente alérgicos a caril, e era só uma medida para os proteger. É possível que não tenham formalizado esta proposta porque o seu candidato, Nuno Graciano, é profissional de comunicação há uns 70 anos e, ainda assim, tudo o que diz faz com que achemos que a qualquer momento grite “é para os apanhadoooooos!”. Grande Tio Careca, muito engraçado.

Querem mais ideias para uma Lisboa mais conservadora e que proteja a família tradicional? Bairros anti-gay. Isto não é homofobia, é proteger as futuras gerações de andarem todas maquilhadas com arco-íris porque, como já ficou provado, foi assim que se extinguiram os Maias (os da América, não os de cá que esses foi por múltiplo incesto). Uma medida importante seria voltar a haver escolas só para rapazes e só para raparigas. Acabava-se logo a converseta das casas-de-banho mistas.

Ciclovias? Investimento do Estado e das câmaras num meio de transporte em que nos molhamos todos quando está a chover e que não dá nem sequer um cêntimo à indústria automóvel? Não faz qualquer sentido. O futuro continua a ser o carro. E aqui temos vários candidatos com boas propostas para destruir tudo o que é ciclovias e formas de mobilidade “sustentáveis”. O próprio Moedas, sempre que pode diz que até andava de bicicleta em Bruxelas (excelente jogada para disfarçar), mas no fundo anda sempre a defender uma cidade para carros. Não é à toa que na sua lista está o presidente do ACP. Esperto.

Habitação? Não é um problema. Já sabemos que quase todos os jovens ganham 2700€, ou mais, e há um monte de casas aí que podemos comprar por 250.000€ assim que baixarem o IMT. Além disso, já cansa essa cantilena de Lisboa ser para os Lisboetas. Lisboa é para quem a apanhar. Se quem a apanhar for sempre investidores milionários que querem transformar Lisboa num único hotel gigante, que seja. É o neoliberalismo a fazer o mundo avançar.

Enfim, eu sei que escrevi no início que teria propostas para a Amadora e Palmela, mas, entretanto, deixei-me levar e isto já vai longuíssimo. Deixo apenas a ideia da privatização do castelo de Palmela, para ser vendido a alguém que quisesse ter o torreão para fazer tiro ao alvo (pobres na rua) lá de cima. Já na Amadora, era acabar com tudo o que é habitação social e projectos de apoio às comunidades. Vão mas é trabalhar se querem ter dinheiro para comer. Fascismo e neoliberalismo, unidos por um mundo melhor. Melhor para poucos, mas melhor.

Por hoje é isto. Volto noutra altura com mais propostas, se me apetecer. Até lá, não comam marisco estragado e votem em consciência.

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