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Poder capitalista instalado

O patrão dos patrões disse que só a Iniciativa Liberal e o Chega têm vontade forte de mudar as coisas. Não nos esqueçamos que os liberais ajudaram a criar as condições objetivas para o fascismo. É que o poder capitalista instalado quer sempre anular o poder da democracia.

Crónica 74
4 Maio 2023

Pedro Ferraz da Costa é a encarnação do poder capitalista instalado, sem qualquer mérito: do colégio alemão à empresa da área farmacêutica herdada, o essencial foi-lhe garantido pela lotaria familiar.

Foi patrão dos patrões durante duas décadas e dirige o patronal Fórum para a Competitividade. Figura carrancuda, fala com a arrogância dos que sentem que o mundo, mais concretamente o Estado, lhes deverá sempre algo, de menos impostos a mais apoios. Está sempre ao lado do capitalismo mais medíocre e preguiçoso, a conquistar cada vez mais direitos patronais e a garantir cada vez menos deveres, fazendo emergir uma economia com cada vez menos pressão salarial, logo cada vez menos produtiva.

E é um dos muitos reacionários, sempre pronto a advogar o aumento da compulsão laboral à boleia da hipótese tão conveniente para os da sua classe: “os que não trabalham é porque não querem”, como reafirmou em entrevista ao jornal i. Os pobres não trabalhariam, porque viveriam da lotaria do Estado paternal, imagina do fundo da sua visão moralmente distorcida pelo privilégio.

Politicamente, Pedro Ferraz da Costa deixa as coisas bem claras, em entrevista à TSF: “A Iniciativa Liberal e o Chega são quem tem, neste momento, alguma vontade forte de querer mudar coisas”. A encarnação do poder capitalista instalado, não hesita: Chega e IL “vão ser barrados pelos poderes instalados”. Diagnósticos ideológicos destes trazem, de certeza, financiamento atrelado. Razão tinham os que empunharam cartazes nas manifestações do 25 de Abril onde se podia ler: “um olho no liberal, outro no fascista”.

Esta relação entre um certo liberalismo e o fascismo tem tradição, como indica Clara Mattei, historiadora da economia política, num livro importante – The Capital Order: How Economists Invented Austerity and Paved the Way to Fascism –, saído no final do ano passado.

De facto, ao forjarem as políticas de austeridade, no início dos anos 1920, os economistas liberais não se limitaram a criar as condições objetivas para o fascismo. Em Itália e não só, alguns foram participantes ativos na passagem do fascismo de movimento a regime e outros foram os seus mais ou menos envergonhados apologistas.

Recorrendo a ampla evidência textual, fruto de trabalho de arquivo e do engajamento com obras de economistas relevantes, Mattei indica como a austeridade foi uma reação de classe antidemocrática, movida pelo medo do empoderamento da classe trabalhadora, que requereu todo um trabalho de argumentação económica, articulado com várias formas de violência política estatal.

Ao desenvolver o seu argumento historicamente informado, Mattei fornece uma útil elaboração conceptual das três formas articuladas de que a austeridade se revestiu e reveste. Em primeiro lugar, a austeridade na política orçamental, ou seja, cortes na despesa pública associada ao bem-estar e consolidação de um Estado fiscal regressivo. Em segundo lugar, a austeridade na política monetária, ou seja, políticas deflacionárias, assentes na elevação da taxa de juro. Em terceiro lugar, a austeridade nas relações laborais, ou seja, todo o esforço regulatório para garantir a disciplina e a hierarquia nas relações laborais, para garantir direitos dos patrões e correlativas obrigações dos trabalhadores.

No Primeiro de Maio – não há coincidências em política –, o governo italiano, liderado pela extrema-direita de Giorgia Meloni, anunciou iniciativas liberais: corte nas prestações sociais e alterações regressivas na legislação laboral. Esta é a função da extrema-direita, como Pedro Ferraz da Costa no fundo reconhece. É tudo brutalmente claro: o poder capitalista instalado quer sempre anular o poder da democracia.

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