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Faltou o mandamento "não molestarás"

Um caso de abuso sexual de menores é sempre um caso a mais. Os números abissais que se vão sabendo por todo o mundo são de uma monstruosidade tal, que fazem da Igreja uma máquina de molestar crianças. Há quem diga que não se pode considerar a Igreja como sendo uma instituição criminosa. Mas se além dos milhares de crimes horríveis praticados, há todo um sistema de ocultação e proteção montado, isso faz dela o quê?

Crónica 74
15 Fevereiro 2023

Talvez por ter achado que era demasiado óbvio, Deus não incluiu o mandamento: “não molestarás”. E provavelmente nem lhe passaria pela cabeça que além de o incluir, e embora fosse dirigido a toda a gente, este devesse ter especial ênfase junto dos padres. Agora, se teria evitado os milhares de crimes de abuso sexual de menores por parte dos padres? Com certeza que não, mas ao menos estava lá escrito nas pedras junto com as outras coisas que muitas vezes também não cumprem.

Um caso de abuso sexual de menores é sempre um caso a mais. Os números abissais que se vão sabendo por todo o mundo são de uma monstruosidade tal, que fazem da Igreja uma máquina de molestar crianças. Há quem diga que não se pode considerar a Igreja, como um todo, como sendo uma instituição criminosa. Mas se além dos milhares de crimes horríveis praticados, há todo um sistema de ocultação e proteção montado, isso faz dela o quê?

Ao longo dos séculos isto tem sido um fartote. Desde as cruzadas à inquisição, passando por toda uma ideologia patriarcal que remete as mulheres para um plano inferior, ou pela oposição aos direitos LGBTQIA+, à educação sexual e até ao uso de preservativo, o que não falta são exemplos do que de bom a Igreja tem feito ao mundo. Que por cima disto tudo ainda seja premiada, é provavelmente o seu maior milagre.

Reparem, em fevereiro fica-se a saber que já houve, no mínimo dos mínimos, 5000 vítimas de abuso sexual às mãos da Igreja em Portugal. Seis meses depois, também em Portugal, celebra-se esta mesma instituição num evento megalómano com mais de 80 milhões de euros públicos. Eu sei que pode parecer que estou a dar aqui um salto grande, mas isto, no fundo, não é o dinheiro dos nossos impostos a subsidiar uma instituição cheia de abusadores de menores? Assim de repente, via uma data de coisas mais importantes nas quais investir o dinheiro de todos, como por exemplo no SNS ou nos salários dos professores (ideia muito disruptiva, eu sei).

E portanto, isto deixa-me a pensar. Que país é este que, depois de saber desta tragédia humana perpetrada pela Igreja, ainda a vai celebrar com toda a pompa e circunstância? O que sentem as vítimas da Igreja quando veem a batelada de dinheiro público que sustentará as Jornadas Mundiais da Juventude? Que mensagem é que o Estado lhes está a passar? De apoio não é de certeza.

Se houvesse um pouco de decência este evento não aconteceria em Portugal. No mínimo dos absolutos mínimos, aconteceria mas sem um único cêntimo público.

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