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Becos

Sabemos como a investigação a Luís Filipe Vieira começou. Ainda não sabemos como acaba, sobretudo porque a nossa investigação está a cruzar-se com interesses bem instalados. A todo o momento, corremos o risco de sermos atirados para um beco, de onde não conseguiremos sair.

Crónica 74
4 Fevereiro 2022

Quando uma investigação jornalística começa, ninguém sabe como acaba.

Por ser uma verdade óbvia, esta frase não deveria ter estatuto de abertura de texto, quanto mais de primeira crónica. Contudo, esta ideia banal é a síntese perfeita dos problemas que ensombram o jornalismo de investigação. Desde logo, porque trabalhar a dúvida permanente fica caro, mas também porque burilar em cima do incógnito pode atirar-nos para caminhos estreitos, ou para becos que impeçam a progressão e nos obriguem a recuar, ou a desistir. Para vencermos a resistência dos becos, precisamos de muito mais do que força. Há lugares de onde nunca sairemos ilesos.

Vem isto a propósito da matéria que estou a fazer em conjunto com o Filipe Teles, do Setenta e Quatro. Investigamos as relações de Luís Filipe Vieira com o BES, de Ricardo Salgado, e com o Novo Banco, de António Ramalho.

É verdade que quando a primeira série de reportagens foi emitida, Luís Filipe Vieira já não era o poderoso presidente do Sport Lisboa e Benfica. É igualmente verdade que, Ricardo Salgado, o marionetista da façanha, se transformou num saco de pancada onde, agora, já todos batemos sem receio.

De facto, usar a lupa para observar o interior das negociatas entre dois antigos poderosos é muito mais fácil agora.

A minha conta de Twitter ficou contaminada pelas opiniões maniqueístas dos “poderosos” de agora – o exército de diletantes do óbvio, pelotões de vistas curtas, incapazes de verem para lá da superfície. Por um lado, acusaram-me (a mim e ao Setenta e Quatro) de, cobardemente, estarmos a meter-nos com quem já estava no chão, por outro, acusaram-nos de estarmos a fazer fretes ao FC Porto e ao Sporting, prejudicando, ainda mais, um SLB que começava a querer levantar a cabeça.

Só veem o óbvio; não posso pedir-lhes mais. Mas haverá algo mais, para lá do óbvio? Há.

Primeiro facto. A história de Luís Filipe Vieira (LFV) chegou-me em setembro de 2020, um mês antes das eleições que o reelegeram na presidência do SLB. Nesse mês, com base na informação que já me tinha chegado, preparei uma candidatura à Bolsa de Jornalismo de Investigação da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) que, em março de 2021, soube ter ganho, pela segunda vez. Sim. A investigação à relação de LFV com o universo BES/NB está a ser apoiada pela FCG desde março de 2021, era – e ainda seria mais quatro meses – LFV presidente do SLB.

Em março de 2021, quando, finalmente, soubemos o resultado de uma candidatura que tinha sido entregue em outubro de 2020, estava envolvido numa investigação premonitória sobre a extrema-direita na Europa, incluindo Portugal, que concluí em abril, de 2021.

A investigação aos negócios de LFV começou, por isso, em maio, dois meses antes da queda. Em julho, quando LFV foi detido ao abrigo da operação Cartão Vermelho, já tinha informação suficiente para colaborar no esforço de descodificação que fizemos na SIC Notícias, nas intermináveis sessões, em direto, do dia, e dos dias, que se seguiram ao momento da queda.

Os diletantes de vistas curtas continuarão, todavia, a insistir que jamais investigaríamos LFV se o homem permanecesse ao leme do SLB. A pior notícia que tivemos foi a da detenção de LFV. Os prazos da investigação tiveram de ser apressados e a emissão da primeira série de reportagens, antecipada. E, durante esse período de corrida contra o tempo, nem pudemos tocar na segunda série, que apenas foi possível começarmos a fazer em janeiro de 2022.

Nesta segunda série, LFV continuará a ser personagem principal, mas no universo do empresário entram entidades que, ao contrário do BES, de Ricardo Salgado (RS), estão economicamente vivas e pujantes.

Todas as histórias têm um começo. E esta, de facto, começou com duas figuras que caíram do pedestal. A quedas dos dois (LFV e RS), todavia, não fez o estrondo que as notícias quotidianas aparentam ter feito. As revelações a conta-gotas que, diariamente, são publicadas na Comunicação Social, contam-nos, apenas, um dos lados da história, o lado do Ministério Público que, há anos, investiga um e outro. Se essa “verdade” serve a sede de vingança dos diletantes do óbvio, essa “verdade” não é a verdade.

Para os diletantes do óbvio, que, diariamente, agitam as redes sociais, verem LFV e RS condenados na praça pública é quanto baste para alimentarem posts reativos, construídos a partir da inveja, da partidarite, do maniqueísmo.

As nossas reportagens não destilam ódio, nem condenam precipitadamente, a partir do descontexto que o Ministério Público decide ir libertando.

O jornalismo de investigação é mais exigente do que a reprodução integral de “verdades” pretensamente absolutas.

Se na primeira série do Testa de Ferro revelámos a forma como LFV se prestou a ser um lacaio, financeiramente bem compensado, de RS, desvendando um trajeto que, no todo, estava por revelar, na segunda comprometemo-nos a continuar o rumo.

Sabemos como tudo isto começou. Ainda não sabemos como acaba, sobretudo porque a nossa investigação está a cruzar-se com interesses bem instalados. A todo o momento, corremos o risco de sermos atirados para um beco, de onde não conseguiremos sair.   

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