Investigador e ativista político na área das alterações climáticas. Membro do movimento Climáximo. 

Ativista do Climáximo, coordenou a campanha Empregos para o Clima e a rede internacional Global Climate Jobs. É engenheira agrónoma especializada em Agricultura Biológica, Tropical e Subtropical. 

Um caminho estreito entre mil becos sem saída: esquerda, extrema-direita e caos climático

A crise climática significa fascismo. Não se trata de uma grande descoberta, é apenas física. Com o aumento da escassez material, o autoritarismo e a violência para manter a ordem capitalista, os privilégios e a propriedade conduzirão sempre ao fascismo, mesmo que não seja esse o plano.

Ensaio
21 Março 2024

A extrema-direita está a crescer em todo o lado. O facto de ter tido um resultado histórico nas últimas eleições legislativas só é surpresa para quem esteve profundamente desatento ao que está a acontecer no mundo. Em termos comunicacionais, a extrema-direita é o antissistema. Ela existe, foi construída com enormes quantidades de capital sobre as cinzas dos grupos neonazis, dos remanescentes dos colonialistas, dos fascistas de outrora e de oportunistas, com o apoio dos principais meios de comunicação social e enorme impulso das redes sociais. Foi um esforço organizacional, planeado e executado com muito dinheiro, tempo e energia. Em Portugal, o Chega mobilizou mais de um milhão de pessoas para porem a cruzinha no seu quadrado. 

Em Portugal, a esquerda recusou qualquer forma de programa de ruptura, afirmando a sua disponibilidade de apoiar o centro desde o primeiro dia do período eleitoral para tentar bloquear teoricamente a ascensão da extrema-direita, que nessa altura já tinha parte do seu cruel programa adotado do centro para a direita. No pós-eleições, esta continua a ser a sua estratégia.

Em matéria de justiça climática, a campanha foi uma verdadeira sequela do filme "Don't Look Up". Nenhum partido, da extrema-direita à esquerda, propôs um programa compatível com o cenário de 2ºC do Acordo de Paris, há muito insuficiente. Em 2024, nenhum partido fez sequer um esforço nominal para ter um plano para travar o caos climático. A atração para o centro tem sido terrível. Os resultados eleitorais também foram terríveis.

A crise climática significa fascismo. Não se trata de uma grande descoberta, é apenas física. Com o aumento da escassez material, o autoritarismo e a violência para manter a ordem capitalista, os privilégios e a propriedade conduzirão sempre ao fascismo, mesmo que não seja esse o plano. Mas o fascismo é claramente um dos principais planos das elites capitalistas. 

A presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, está a acompanhar a primeira-ministra de extrema-direita italiana, Georgia Meloni, ao Cairo para pagar à ditadura de Abdel Fatah El-Sisi, em nome da UE, para que esta enjaule refugiados do clima e da guerra. O Partido Popular Europeu já confirmou que se vai aliar aos Conservadores e Reformistas Europeus, um dos dois partidos europeus de extrema-direita, nos próximos anos. O centro-direita já está a governar com políticas de extrema-direita. A extrema-direita e o seu programa foram normalizados em todos os sentidos e todos os partidos foram puxados para a direita.

No Reino Unido, o golpe contra o antigo líder trabalhista Jeremy Corbyn deu início a uma liderança trabalhista centrista sob a direção de Keir Starmer, que sucederá ao governo conservador com uma nova vaga de políticas conservadoras que fará Tony Blair parecer de esquerda. A convergência gradual do Podemos e depois do Sumar em Espanha com o "establishment" (enquanto organização e também aos olhos do público) continua a alimentar o Vox como alternativa antissistema. As políticas desastrosas do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, para o clima e para a Palestina estão a garantir o regresso de Donald Trump. 

Na Alemanha, tentando governar através do consenso neoliberal, o SPD e os Verdes situam-se no intervalo de 10-15%, ambos abaixo do extremista de direita AfD. Numa variação, o presidente francês, Emmanuel Macron, incorporou diretamente a política de Marine Le Pen na sua própria agenda – a extrema-direita entra no  poder sem tomar o poder ,embora as sondagens os mostrem mais altos do que nunca. É cada vez menos credível tentar explicar a tendência de ascensão da extrema-direita recorrendo a histórias contextuais e nacionais. O erro não é tático ou de comunicação. O erro está na análise da situação política e no rumo que estamos a tomar.

A ascensão do fascismo poderia ter sido evitada com uma abordagem política muito diferente da que se assumiu na última crise estrutural do capitalismo, há mais de uma década, com a criação de programas e práticas revolucionárias. Esse tempo já passou. A ascensão do fascismo deve agora ser enfrentada de frente, ao mesmo tempo que mergulhamos mais profundamente na crise climática – que significa quebras de colheitas, falências, crise do custo de vida, austeridade e ódio, alimentando o sentimento antissistema entre as pessoas.

Enfrentar de frente a ascensão do fascismo significa abandonar a análise dos ciclos eleitorais como quadro de referência. O poder real em 2024 não se baseia na tomada de um parlamento nacional ou regional. Já não há normalidade a que nos possamos agarrar.

A esquerda não fez tudo mal, apenas fez a maior parte das coisas normalmente. Na época atual, isso significa tomar uma maioria de decisões erradas. A cultura organizacional da maioria das organizações de esquerda e progressistas (partidárias e não partidárias, incluindo os Verdes) foi desenvolvida numa época de regularidade, previsibilidade e desenvolvimento lento de ideias. Esse tempo acabou. Por outro lado, as organizações de extrema-direita desenvolveram-se e prosperaram neste contexto. Não foi a moderação ou a respeitabilidade que deram grandes resultados à extrema-direita nas últimas eleições.

Fazemos uma afirmação simples: ganhar eleições não é fazer uma revolução ou uma mudança de sistema. Nunca o foi. Ganhar o poder formal nas instituições capitalistas significa fazer pequenas mudanças neste sistema. Algumas podem ser benéficas a curto prazo, mas não se consegue uma verdadeira medida de mudança e a probabilidade de serem rapidamente revertidas é elevada, para não dizer certa. Essa é claramente a experiência portuguesa depois do governo de 2015 apoiado pela esquerda. O retrocesso é óbvio. A guerra cultural levada a cabo pela extrema-direita está a acontecer numa mesa inclinada que deve ser abandonada. Os meios de comunicação social mainstream e as redes sociais não vão dar ou sequer permitir entregar poder à esquerda, só tirar-lhe o que puderem.

Um novo espectro assombra a Europa, é o espectro da extrema-direita. Mas é apenas um espectro, uma aparição, independentemente do número de gostos, partilhas e até votos que obtenha. Por detrás desse espectro ergue-se um monstro muito carnudo e material - a crise climática - que destruirá o capitalismo, independentemente do número de pequenos Hitlers e Mussolinis que promova como influenciadores, candidatos eleitorais ou mesmo como ditadores golpistas. A questão que deveria presidir todas as direções políticas de esquerda agora é: vamos deixar-nos destruir com o capitalismo? 

Existe um plano à esquerda, a nível internacional, para travar esse monstro que já está a devorar a civilização? Esperar pelo próximo "ciclo eleitoral" e depois coligar-se com o centro, entregando todo o espírito e sentimento antissistema e rebelde à extrema-direita não tem sido um bom plano. Foi tentado várias vezes nos últimos anos e falhou.

Se uma organização está a trabalhar para tomar o poder, a sua estratégia não deve, definitivamente, centrar-se nas eleições de outra forma que não seja instrumental. Precisamos de um plano para o poder e para avançar com programas radicalmente justos para enfrentar a crise climática e social. Isso significa tornar-se uma verdadeira ameaça ao status quo, o que significa correr riscos, ser popular e ousado.

A falta de um programa revolucionário e de uma praxis revolucionária, por mais imatura e verde que seja, é uma das razões pelas quais a extrema-direita está a crescer. Não há polarização política, apenas deslocação para a direita, com a esquerda a apresentar planos que visam salvar o capitalismo, quando deveriam estar a empurrar todas as bolas de demolição para o derrubar. Precisamos de uma verdadeira polarização com a extrema-direita, não de políticas de apaziguamento. Isso significa uma mudança revolucionária, e em 2024 significa uma mudança de tática para a ação e a mobilização para um programa eco-social radical de como a sociedade deve ser organizada para evitar o colapso e ganhar justiça social e histórica.

Já esperámos tempo suficiente. Se a esquerda institucional se coloca como guardiã da revolução, em vez de sua promotora, ela deve sair do caminho. Há um caminho muito estreito para vencermos e mil becos sem saída. Nenhum deles inclui esperar mais.